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ANEXO C – REGISTRO DE AVALIAÇÃO ENSINO FUNDAMENTAL (1º AO 5º ANO)

2 CONSTRUÇÃO DA PROBLEMÁTICA DE PESQUISA

2.3 ELEMENTOS DA TEORIA ANTROPOLÓGICA DO DIDÁTICO (TAD)

Para compreender a natureza dos conceitos como área e perímetro tanto no 5º ano quanto no 6º ano, e quais as condições que professor e aluno dispõem para ensinar e aprender esses conceitos, respectivamente, buscamos o suporte em alguns elementos da teoria desenvolvida por Chevallard (1999; 2002; 2008; 2009; 2010; 2011; 2013; 2015).

O pesquisador adota quatro noções fundamentais: objeto, relação pessoal, pessoa e instituição (CHEVALLARD, 2002). Por objeto O entende qualquer coisa, material ou não, que exista para pelo menos um indivíduo. Por exemplo, o conceito de perímetro e a fórmula da área de um retângulo, dados os comprimentos de seus lados (A = C x L), são exemplos de objetos que existem para um professor de matemática, mas podem não existir para outra pessoa. Dizemos existir uma relação pessoal desse professor de matemática (pessoa X) com o conceito de perímetro e com a fórmula de área, representada por R (X, O).

Ao vivermos em sociedade, segundo Chevallard (2011), nossa vida se organiza em diversas esferas: familiar, profissional, religiosa, política, dentre outros, assim como na esfera didática. A relação pessoal que temos com os objetos é influenciada pelo modo como esses objetos existem nas diferentes esferas da vida social.

A instituição I, para Chevallard (2009), é um dispositivo social no qual indivíduos ocupam diferentes posições, e no qual há regras, organizações e maneiras próprias de pensar sobre objetos de saber e práticas vivenciadas sobre esses objetos. As diferentes esferas mencionadas acima podem ser vistas sob a ótica da TAD como instituições nas quais as pessoas ocupam posições: mãe, pai, filho, irmão, neto, funcionário, patrão, padre, pastor, diácono, filiado, representante etc. Mas o termo instituição pode modelar também dispositivos sociais transitórios e sem existência formal, como um grupo de amigos que se reúne regularmente para discutir sobre literatura ou uma turma de adolescentes que frequenta um clube de cinema.

Nosso foco de interesse principal são as instituições didáticas, nas quais existe uma intenção de propiciar modificações nas relações dos seus sujeitos com os saberes.

Por exemplo, uma turma em uma escola é uma instituição em que diferentes pessoas ocupam diferentes posições como o aluno, o professor de cada disciplina, o coordenador pedagógico, a merendeira etc. Nessa instituição I, as posições centrais

com relação ao saber são ocupadas pelo aluno (ou uma turma de alunos) X e pelo professor (ou um ajudante didático) Y.

A instituição I à qual uma pessoa X está vinculada exerce uma influência sobre a relação dessa pessoa com os objetos de saber O (CHEVALLARD, 1999), seja trazendo novos objetos, seja modificando sua relação com objetos que já conhecia. Por exemplo, um aluno pode estabelecer uma relação com a fórmula da área de um paralelogramo a partir da sua entrada no 6º ano, como também pode aprender a usar essa fórmula que já conhecia em novos contextos.

Entendemos que, dentro de uma instituição escolar, vivem diferentes instituições, com regras e organizações de funcionamento diferenciadas. Por exemplo, uma escola que ofereça toda a educação básica pode ser considerada uma instituição maior, com suas regras gerais, que comporta outras instituições, os níveis de ensino anos iniciais do EF, anos finais do EF e o ensino médio. Esses, por sua vez, têm organizações específicas e diferenciadas, mesmo pertencentes a uma mesma instituição escolar. Da mesma maneira, pessoas diferentes ocupam diferentes posições em cada uma dessas microinstituições. Por certo, objetos do saber existem e são reconhecidos por pessoas pertencentes a essas instituições.

Chevallard (2009) considera existir uma relação dialética entre as pessoas e as instituições. As relações pessoais são fruto da sua história vivida em instituições anteriores e atuais e, portanto, as pessoas são resultantes de um conjunto amplo e complexo de sujeições institucionais. Ao mesmo tempo, as instituições não existem sem as pessoas e as relações das instituições se modificam em função da participação ativa de seus sujeitos. Entendemos que a turma com seus alunos é uma instituição, por existir uma relação que é construída pelo grupo de alunos, com cada um dos seus professores, para os quais há maneiras específicas de lidar com objetos do saber.

Os objetos do saber vivem em diferentes instituições. Por exemplo, o conceito de comprimento está presente nas instituições anos iniciais e anos finais do EF, assim como na educação infantil, mas também está presente em práticas sociais não escolares, inclusive do universo infantil, como em certas brincadeiras. A forma como ele vive em cada uma dessas instituições é diferente. Nas brincadeiras infantis, o comprimento será mobilizado, por exemplo, na demarcação de um terreno para jogar queimado, na educação infantil aparece em situações do cotidiano das crianças, como na comparação das suas alturas, no 5º ano vive associado a outros

termos como o perímetro de uma figura plana, e no 9º ano é necessário para determinar a velocidade de um veículo.

A depender da instituição, os objetos de saber na TAD possuem conditions et

contraintes24 que são distintas:

Vamos enfatizar nesse ponto a distinção realizada pela TAD entre condições e restrições: uma restrição é uma condição considerada, a partir de uma posição institucional em um determinado momento, como não modificável (relativamente e temporariamente, portanto). Da mesma forma, uma condição é uma restrição considerada modificável no mesmo sentido25

(CHEVALLARD, 2009, p. 5, tradução nossa).

Entendemos que, para Chevallard (2009), existem dois tipos de condições, aquelas modificáveis e as não modificáveis26. As condições não modificáveis num dado período de tempo são consideradas como restrições. Por exemplo, o objeto do saber probabilidade, durante muito tempo, esteve ausente dos currículos dos anos iniciais do ensino fundamental, o que caracteriza uma restrição. Essa restrição passou a uma condição a partir dos PCN (BRASIL, 1997), dada a sua importância na sociedade atual, para compreensão e análise de dados e tomada de decisões no mundo atual.

A depender da instituição, os objetos do saber possuem condições específicas que podem ser consideradas como condições não modificáveis, que irão influenciar as relações entre a pessoa (uma turma) X, o professor Y e o objeto do saber O.

Essa teoria possibilita analisar a organização de objetos de saber dentro de instituições, o que caracteriza uma relação institucional. Na nossa pesquisa, consideramos a transição entre duas instituições, a instituição 5º ano dos anos iniciais e a instituição 6º ano dos anos finais do EF, e as relações institucionais consideradas dos objetos do saber área e perímetro, no interior de cada uma das instituições.

As relações esperadas das instituições 5º e 6º anos do EF, com os objetos em tela, estarão aqui relacionadas com os documentos oficiais como a Lei de

24 Os termos conditions e contraintes serão traduzidos no texto condições e restrições.

25 “Soulignons en ce point la distinction faite en TAD entre conditions et contraintes : une contrainte

est une condition regardée, depuis une certaine position institutionnelle à un certain instant, comme non modifiable (relativement et provisoirement, donc); de même, une condition est une contrainte jugée modifiable en ce même sens.”

26 Na nossa pesquisa adotamos para os termos condições e restrições, condições modificáveis e não

Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN), as Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica (DCNEB) e os PCN27; e as relações existentes, com o projeto político-pedagógico da escola, os currículos, e os programas da disciplina, em particular para o ensino das grandezas geométricas, os objetos área e perímetro. Na transição do 5º para o 6º ano do EF, buscaremos analisar quais as condições modificáveis e as não modificáveis existentes, para favorecer a evolução da relação pessoal dos alunos da instituição 5º ano com os objetos área e perímetro ao se tornarem sujeitos da instituição 6º ano do EF.

Essas análises estão situadas na escala de níveis de codeterminação de Chevallard (2015), que estão interligados e em constante movimento: humanidade, civilização, sociedade, escola, pedagogia, e o sistema didático composto de disciplina, domínio, setor, tema e assunto.

Figura 6 – Escala de níveis de codeterminação

Fonte: Chevallard (2015, p.3).

Para Chevallard (2008), cada nível tem por princípio ser o local de condições modificáveis e não modificáveis sob as quais as pessoas e as instituições convivem, e que podem ser percebidas em todos os outros níveis.

A escala de hierarquia dos níveis de codeterminação representa uma construção histórica do conhecimento com a participação da sociedade, das diversas escolas e diferentes disciplinas, e o poder de decisão pertence às comunidades científicas, aos políticos, ao Ministério da Educação, às famílias,

27 Durante o desenvolvimento da nossa pesquisa (2014-2018), o PCN é o documento oficial de

dentre outros, com espaços de pensamento das instituições, denominado por Chevallard (2015) de noosfera.

Para o pesquisador, as instituições são dotadas de diferentes espaços noosferianos, em que decisões são pensadas e tomadas por grupos diversos. Por exemplo, no nível da Sociedade, o Ministério da Educação define a existência da disciplina matemática, e os documentos oficiais que orientam a construção dos currículos para o país atualmente definem a existência de domínios, dentre os quais, o domínio das grandezas e medidas.

Os termos Escola, Pedagogia e Disciplina não carregam propriamente o significado do senso comum (CHEVALLARD, 2010), nem de outros campos do conhecimento.

Para Chevallard (2015), por trás de qualquer sistema didático há uma instituição (a Escola) na qual a Sociedade confia, num sentido amplo, e que tem condições de legitimar a formação de sistemas didáticos. Para que esses sistemas existam, algumas condições dependem dos níveis superiores Pedagogia e Escola. Por exemplo, uma escola de música está organizada a partir de diferentes cursos – piano, violão, canto, guitarra, etc., em que diferentes grupos de alunos podem frequentar um mesmo curso. Já a educação básica brasileira tem numa escola de ensino fundamental um exemplo de sistema didático organizado por anos de ensino, composto cada um por diversas disciplinas. Em qualquer uma das duas instituições escolares citadas, um conteúdo com um conjunto de regras pode ser compreendido como uma disciplina. Não é preciso que exista uma entidade formal para se falar de uma Escola, na TAD.

O sentido dado por Chevallard (2015) ao termo Pedagogia é o de um conjunto de condições das organizações escolares, para que uma pessoa, na posição de aluno, passe a ter contato com objetos do saber a serem ensinados. Na nossa pesquisa, os objetos do saber área e perímetro fazem parte do sistema didático da disciplina matemática.

Chevallard (1999) considera que a atividade matemática, desenvolvida dentro da disciplina matemática, é uma atividade humana e essa pode ser modelizada a partir de uma praxeologia [T/

τ

/θ/Θ]. A componente praxis [T/

τ

] é formada por um tipo de tarefas (T), resolvido por meio de uma técnica (

τ

). A técnica é explicada e justificada pela tecnologia (θ), que, por sua vez, é fundamentada na teoria (Θ). A

tecnologia e a teoria compõem o logos [θ/Θ]. Pode-se então questionar: que tipo de tarefas espera-se que os alunos de 5º ano e de 6º ano sejam capazes de resolver sobre área e perímetro? Por meio de que técnicas? Que explicações e justificativas são dadas acerca dessas técnicas?

O olhar da praxeologia contribui para que possamos compreender como um determinado objeto “vive” numa instituição, expressão que Chevallard (2002) adota da Ecologia. Trata-se, por meio dessa analogia, de buscar verificar a existência (ou não) desse objeto e situar onde ele existe, ou seja, qual é seu habitat. Por exemplo, pode-se interrogar se os alunos de 6º ano estudam o objeto tempo e em que disciplinas ou tópicos esse objeto é estudado. Suponhamos que esteja previsto estudar o tempo histórico, alguns tempos verbais (presente, pretérito e futuro) e unidades de duração de intervalos de tempo (segundo, minuto, hora). Nesse caso, o objeto tempo teria vários habitats (na história, na língua portuguesa, mais especificamente na parte de gramática; na matemática, em especial no domínio das grandezas e medidas). A perspectiva ecológica se debruça também sobre a função que desempenham os objetos de saber e as relações que são estabelecidas entre os níveis de codeterminação, apoiada em outra analogia: o nicho ecológico.

Por exemplo, na história, o estudo do tempo pode ter por função compreender a sincronicidade e sequência de eventos históricos; na língua portuguesa para situar em uma sequência temporal acontecimentos reais ou imaginados, na interpretação e na produção de textos. Na matemática do 6º ano, o estudo do tempo pode ter por função compreender as relações existentes entre as diferentes unidades de medida de duração de intervalos de tempo, como também ilustrar a possibilidade de lidar com diferentes bases (1 dia corresponde a 24 horas; uma hora a 60 minutos, um minuto a 60 segundos etc.). As funções desempenhadas pelo objeto tempo nos seus diversos habitats são seus nichos.

Na nossa pesquisa, os tipos de tarefas serão o caminho para analisarmos qual a relação existente entre as instituições 5º e 6º anos do ensino fundamental e os objetos do saber comprimento (perímetro) e área, os lugares que esses objetos ocupam e as funções que desempenham.