• Nenhum resultado encontrado

CONVERSÃO DE UNIDADE

2.5.2 Pesquisas sobre transição entre níveis de ensino

Frequentemente, deparamo-nos com alunos que resolviam problemas e chegavam a respostas corretas no ano escolar anterior e, no entanto, parecem ter esquecido ou não conseguem mobilizar alguns conhecimentos no ano seguinte.

33 Como citado anteriormente, durante a realização da nossa pesquisa (2014-2018) e

especificamente no período de realização da parte empírica da pesquisa, o documento de

orientação curricular vigente eram os PCN (BRASIL, 1997, 1998a) e não a Base Nacional Comum Curricular (BNCC).

34 3º e 4º ciclos equivalem às 5ª e 6ª séries (6º e 7º anos atuais) e 7ª e 8ª séries (8º e 9º anos atuais),

respectivamente no PCN (BRASIL, 1998a). A mudança de nomenclatura de série para ano vem com a Lei 11.274/2006, sobre o ensino de nove anos, cujo prazo para implementação foi até o início de 2010.

Brousseau e Centeño (1991) observaram que esse fenômeno causa dificuldades quando, além da transição entre níveis de ensino, “[...] a cultura didática do professor não fornece um conjunto de situações-padrão que possam atuar como uma memória com condições para aprendizagem35” (p. 187, tradução nossa). Os autores entendem que essa transição está atrelada a um problema didático e à necessidade de analisar o funcionamento da memória do sistema didático.

A transição tem sido objeto de estudos em diversos países, nos vários níveis de ensino e sob diferentes aspectos: institucional, cultural, social e epistemológico.

Na 8ª Escola de Verão de Didática da Matemática, em 1995, três pesquisadoras36 apresentaram um estudo sobre o problema da análise didática para garantir a continuidade entre níveis de ensino equivalentes aos 5º e 6º anos do ensino brasileiro. Na edição da Escola de Verão de 2008, um dos estudos tratou da transição entre o ensino secundário e as etapas pós-secundário no ensino francês. Em 2015, na Conferência Espace Mathématique Francophone (EMF) realizada na Argélia, “Transições no ensino da matemática” foi um dos projetos especiais apresentados.

Gueudet, Khalouffi e Marc (2012) participaram da EMF 2012 na equipe do projeto especial Evaluation, compétences et orientation dans les transitions

scolaires: rôle des mathématiques. Em seu relatório, abordaram que o termo

transição pode estar associado à transição institucional, de um nível escolar a outro, por exemplo, dos anos iniciais para os anos finais do ensino fundamental. Mas também, dentro do ambiente escolar, as transições estão presentes no nível micro, do aluno, a “[...] qualquer aprendizagem de novos conhecimentos pode ser vista como uma transição, a partir de conhecimentos anteriores. Pode-se analisar então as ligações entre conhecimentos para identificar aqueles sobre os quais o aluno pode se apoiar para construir o novo37” (tradução nossa).

Os autores ainda trazem o sentido de transição em um nível macro,

[...] com uma perspectiva de evoluções históricas, pode-se falar de transições quando há mudanças de programa. Como será gerida a

35 “[...] la culture didactique des enseignants ne fournit pas un ensemble de situations standard qui

peuvent jouer le rôle d’une mémoire des conditions d’apprentissage”.

36 Annie Bessot, Marianna Bosch e Marie-Hélène Salin.

37 “[...] tout apprentissage de connaissances nouvelles peut être vu comme une transition, à partir de

connaissances antérieures. On peut alors analyser les liens entre connaissances, pour identifier ce sur quoi l'élève peut s'appuyer pour construire du nouveau” (GUEUDET ; KHALOUFFI ; MARC, 2012, p. 1.709).

transição de um programa para outro? Quando o conteúdo ensinado em um determinado ano é alterado, a priori os alunos estão bem menos preparados para enfrentar esse novo conteúdo.

[...] qualquer que seja a direção selecionada, interrogar a transição demanda observar continuidades e rupturas, e formular proposições visando construir uma consistência ao longo do tempo38 (GUEUDET;

KHALOUFFI; MARC, 2012, p. 1.709).

As mudanças em alguns países como a França, por exemplo, acontecem de forma gradual, o que nem sempre acontece no Brasil. Durante o desenvolvimento da nossa pesquisa, o Ministério de Educação e Cultura realizou a mudança de um dos seus documentos orientadores, os PCN, após quase 30 anos de sua publicação, para a Base Nacional Comum Curricular (BNCC), aprovada no final do ano de 2017, que passa a ser referência obrigatória a partir de 2019 para todo o ensino infantil e fundamental brasileiro. Essa mudança se fez necessária uma vez que, após a publicação dos PCN, muitas leis, decretos e regulamentos entraram em vigor e não estavam contemplados no documento, por exemplo o ensino fundamental de 9 anos. A preocupação com a continuidade do ensino entre níveis presente nos documentos brasileiros reforça a importância e a necessidade da busca por pesquisas sobre a transição entre níveis de ensino, o que pode ser observado no banco de teses e dissertações da CAPES39, sobre transição entre o 5º e o 6º ano, extraindo dados do período de 2000 a 2018.

Algumas pesquisas sobre transição também foram desenvolvidas no Brasil e abordaram o contexto escolar e familiar, a motivação, as práticas pedagógicas, a unidocência e a pluridocência. Essas pesquisas consideraram ainda diferentes sujeitos, desde alunos e pais a professores, coordenadores e diretores de instituições escolares.

Prati (2005) observou o contexto escolar e familiar, e os efeitos das práticas que constituem os sujeitos (alunos, professores e pais) na passagem da 4ª para a 5ª série (5º para o 6º anos) do ensino fundamental. A partir da observação de aulas,

38 “[...] avec une perspective d'évolutions historiques, on peut parler de transitions lors de

changements de programmes. Comment sera géré le passage d'un programme à un autre? Lorsque le contenu enseigné une année donnée est modifié, a priori les élèves sont moins bien préparés à rencontrer ce nouveau contenu. On voit dans tous les cas, quel que soit le sens retenu, qu'interroger la transition demande d'observer des continuités et des ruptures, et de formuler des propositions visant à construire une cohérence dans la durée” (GUEUDET KHALOUFFI ; MARC, 2012, p. 1.709).

39 Pesquisa realizada no período de 04 a 06/01/2017 com as palavras transição AND 5º ano,

transição AND 6º ano, transição AND unidocência AND pluridocência. Disponível em: <http://catalogodeteses.capes.gov.br/catalogo-teses/#!/>. Atualização da pesquisa em 23 de fevereiro de 2018.

conversas, entrevistas gravadas, diário de campo em duas escolas da rede estadual de Porto Alegre, durante um ano, a pesquisadora buscou captar os momentos de subjetividade entre professores e alunos e traçou um panorama da movimentação escolar a partir de frases e interações, para sinalizar a complexidade da passagem.

Na sua dissertação, a pesquisadora constatou que a ruptura não é tão visível para os sujeitos considerados, mas é expressa pelos diferentes sujeitos e, por vezes, comuns, por exemplo, quando pais e professores entendem ser o aluno o sujeito principal da sua aprendizagem; e outras contraditórias, quando os alunos do 5º ano entendem a escola enquanto um espaço único e no 6º ano percebem a escola e a aula de maneiras distintas, como espaços com significados próprios.

Melin (2013), Goncalves (2014) e Martins (2014) investigaram a motivação de aprender associada ao período de transição.

Em sua dissertação, Melin (2013) analisou a transição para o ensino fundamental II com alunos de 5º e 6º anos na dissertação, e investigou a motivação desses alunos associada ao interesse e ao desempenho, bem como o acolhimento do professor nas aulas de matemática, mas sem observar um conteúdo específico. A pesquisa revelou que os alunos do 5º ano se sentem mais acolhidos pelo professor de matemática do que os dos 6º anos. Já com relação ao interesse e ao desempenho, quanto ao gênero, as meninas dos dois anos de ensino têm um maior interesse em aprender, enquanto os meninos do 6º ano obtiveram um melhor desempenho que os do 5º ano.

Goncalves (2014) buscou identificar potencialidades a partir das dificuldades percebidas pelos alunos na transição do 5º para o 6º anos na disciplina de matemática. A partir de uma revisão de literatura e da aplicação de questionário semiestruturado com os alunos, o pesquisador diagnosticou ser necessário considerar a motivação deles, assim como a percepção do professor quanto ao planejamento e à metodologia a serem utilizados, fatores que podem influenciar no desempenho da matemática.

Martins (2014), na sua dissertação, realizou uma pesquisa em três escolas de Porto Alegre nas quais entrevistou dois professores do sexto ano e dois alunos do sétimo ano para relatarem suas experiências com a transição e a motivação para aprender. Essas escolas já realizavam uma adaptação ao propor encontros no último ano dos anos iniciais do ensino fundamental entre alunos e professores dos anos iniciais e anos finais, o que, para os entrevistados, contribui para minimizar a

ansiedade e insegurança comum no período de transição entre esses níveis de ensino.

A dissertação de Castanho (2015) tomou como ponto de partida os baixos índices na disciplina matemática em avaliações oficiais como o SAEB40 e buscou analisar os erros mais frequentes cometidos por alunos de duas turmas do 6º ano de uma escola da rede pública de Santa Maria – RS. A partir das análises das respostas desses alunos, a pesquisadora constatou que, apesar de promovidos para o 6º ano, dificuldades com conteúdos vivenciados nos anos anteriores permaneciam, como sistema de numeração decimal, operações de adição e subtração com números naturais e o significado de termos como “doou”, “tem” e “vendeu” em problemas.

Com a análise dos erros, duas ações foram desenvolvidas por Castanho (2015) para minimizar os impactos da transição: uma direcionada aos alunos e outra aos professores da escola campo da pesquisa. Estratégias de ensino foram elaboradas e aplicadas, na busca de reduzir as dificuldades, e uma nova avaliação foi realizada para verificar o aproveitamento das turmas. Realizou-se uma formação com professores dos anos iniciais e finais do ensino fundamental e a equipe de direção sobre práticas pedagógicas, tendo como referência a análise das respostas de alunos do 6º ano às provas aplicadas.

A unidocência e a pluridocência foram objetos das pesquisas de Rangel (2001), Hauser (2007) e Zacarias (2016).

Rangel (2001), em sua dissertação, buscou construir um referencial pedagógico capaz de contribuir na redução dos conflitos que são provocados tanto aos professores quanto aos alunos na transição da unidocência para a pluridocência em classes de 4ª série (5º ano) para a 5ª série (6º ano) do ensino fundamental. Com base na análise e interpretação das entrevistas, realizadas com 10 professores e 10 alunos de uma 5ª série (6º ano), a pesquisadora observou que os alunos esperam ser atendidos dentro das suas individualidades, com o olhar de um professor unidocente. Já os professores pluridocentes sentiram dificuldade em lidar com a transição, o que provoca um distanciamento das reais necessidades dos alunos neste momento.

Hauser (2007) realizou uma revisão bibliográfica no banco de teses e dissertações da CAPES sobre trabalhos que abordaram a transição escolar da 4ª para a 5ª série (5º para o 6º anos) no período de 1987 a 2004. Dentre as 14 dissertações e duas teses, a pesquisadora constatou existir no período investigado uma ruptura e descontinuidade entre os níveis de ensino anos iniciais e anos finais do ensino fundamental, causada por diversos fatores, como a passagem da unidocência para a pluridocência, as exigências pedagógicas e as relações professor-aluno.

Os professores da 4ª série (5º ano) desconhecem os conteúdos do ano seguinte, da mesma forma que os professores da 5ª série (6º ano) não sabem quais conteúdos foram trabalhados com seus alunos, e consideram o ensino de alguns conteúdos como novos. Hauser entende esse problema como um “descompasso didático que pode gerar atrasos e desmotivação” (2007, p. 56).

Zacarias, em sua tese, buscou analisar as dificuldades dos alunos em consequência da transição da unidocência para a pluridocência relacionadas às estruturas aditivas através de um estudo comparativo com alunos e professores do Brasil e de Portugal. A pesquisadora afirma que

[...] a transição da unidocência para a pluridocência é um momento da trajetória escolar marcado por situações didáticas, pedagógicas, psicológicas e políticas que interferem nos processos de ensino e de aprendizagem tanto no Brasil como em Portugal (2016, p.45).

Numa primeira etapa, a pesquisadora propôs aos professores uma análise dos problemas a serem aplicados nas suas turmas, com o objetivo de estimar o percentual de alunos que acertariam cada problema e justificar as possíveis dificuldades.

Dentre os resultados encontrados na resolução de problemas aditivos, Zacarias (2016) constatou um melhor desempenho dos alunos da unidocência nos dois países. Elementos como a categorização de problemas de estrutura aditiva da TCC, assim como o cálculo númerico e o relacional, foram objetos da análise. Nos dois países, o maior índice de dificuldade esteve associado aos problemas de comparação e problemas mistos41. Com relação às estratégias utilizadas pelos alunos, diferentes formas de registros e representações foram observadas entre os

41 Vergnaud (1990) classifica os problemas de estrutura aditiva em três grupos de base: composição,

portugueses, enquanto que os brasileiros ficaram restritos ao uso de algoritmos convencionais.

A proximidade das escolas nas quais a pesquisa foi desenvolvida em Portugal com as universidades foi considerada como um fator que favoreceu ao desenvolvimento de parcerias, enquanto que, no Brasil, foi observado um distanciamento entre o professor, seja ele unidocente ou pluridocente, e o pesquisador da academia.

Zacarias (2016) acredita que a divisão do ensino fundamental entre as redes municipal (unidocência) e estadual (pluridocência)42 contribui para o distanciamento, o que não acontece em Portugal, visto que os dois ciclos são de responsabilidade do distrito, o que equivale a um estado brasileiro.

Dentre as pesquisas apresentadas, embora não se trate de um estudo exaustivo, é possível perceber a importância da transição entre os anos iniciais e os anos finais do ensino fundamental. Foram observadas dificuldades na passagem da unidocência para a pluridocência, tanto por parte dos professores dos 6º anos, diante do desconhecimento dos conteúdos que foram objeto de estudo no 5º ano, quanto por parte dos alunos, que se sentem menos acolhidos pelos professores dos 6º anos, desmotivados, com um maior índice de retenção. Ações pedagógicas para minimizar as diferenças foram utilizadas, como um período de adaptação para alunos e professores dos dois níveis de ensino, ou ainda formações com professores dos anos iniciais.

Apesar da diversidade e amplitude do tema transição nas pesquisas analisadas, observamos que poucas abordam o ensino e a aprendizagem de conceitos, a construção conceitual.