• Nenhum resultado encontrado

É importante, por consequência, começar por definir o que se entende por elite e massi- ficação ao nível do ensino e da educação escolar, bem como criticar os pressupostos de iguali- tarismo – e não de liberdade – que frequentemente são usados e que estão na base de muitas decisões atitudinais escolares, ministeriais, legislativas e mesmo antropofilosóficas. Entende- mos por educação de elite o mesmo que educação para a excelência ou para o desenvolvimen- to maior possível de cada pessoa – no caso específico do aluno – nas suas diversas potenciali- dades. Pelos considerandos anteriores e futuros, veremos que essa finalidade inclui em maior exigência os docentes na sua função educativa e de ensino. De modo que falar de elite não significa uma seleção pré-escola onde fatores socioculturais, económicos, religiosos ou outros – que não sejam a incapacidade total para se desenvolver – impeçam alguém de frequentar a escola; mas antes falar de um objetivo de enobrecimento das capacidades diversas do ser pes- soa.

E no conceito de massificação incluímos o aspeto positivo de abertura da escola a todos os possíveis de aproveitarem dela e o aspeto negativo de homogeneizar tudo, desde os conte- údos aos métodos, desde a organização aos critérios de avaliação e desde a desvalorização da

11 Preferimos o termo massificada em detrimento de escola de massas, exatamente porque a questão está na mas-

sificação de conteúdos, métodos, horários – ou até turmas – e não tanto o facto de haver muitos alunos na esco- la.

28 diferença construtiva até à desvalorização da função docente e da escola. De modo que o objetivo da educação em geral e da educação escolar em particular é a formação de elites, partindo de uma base o mais ampla possível – que, no limite, é toda a sociedade. Isto é, não se pode abdicar da procura do desenvolvimento máximo possível nem de o procurar no conjunto da sociedade. Daí que não se possa confundir educação de elite com elites para a educação; nem confundir democratização do ensino com diplomas para todos, sem exigência de quali- dade, ou de correspondência desses diplomas com uma correspondência de conteúdos de aprendizagem (e desenvolvimento pessoal e social?). No primeiro caso, estava em jogo a pró- pria liberdade humana – a que muitos não tinham acesso por não poderem servir-se de um dos meios de libertação que é a escola; e no segundo caso estava um logro da educação, que é também uma questão ética de respeito pela dignificação da pessoa, neste caso, educanda. De imediato, são apresentadas duas perspetivas que vão no sentido contrário ao que frequente- mente é realizado na prática e difundido teoricamente por muitos profissionais e teóricos da educação. Mas adiante abordaremos essa relação nefasta para o processo educativo que tem como consequência a não aprendizagem ou mesmo a não ‘formação’ do aluno e justifica indi- retamente a ‘desresponsabilização’ do professor.

No âmbito de um seminário realizado como trabalho prático de relatório de mestrado, Dias (2012: 113) refere-se à questão da avaliação neste contexto de escola massificada e de elite e escreve:

A história da educação dá-nos alguns exemplos mais simples dessas alterações: o saber conservador transmitido pelo mestre é substituído pela disposição para aprender con- forme o interesse do aluno; o professor que impunha o castigo e o medo penaliza-se agora a si mesmo se não consegue motivar o aluno; e os currículos que selecionavam os mais capazes são agora objeto de equivalência por outros alternativos para originarem uma igualdade de diploma.

E depois de uma breve resenha etimológica do termo avaliar, acaba por analisar «os pressu- postos e as implicações de avaliar pessoas», onde refere: «Em resumo: a avaliação pedagógi- ca, isto é, a que se destina a estimular o aperfeiçoamento e a corrigir os desvios do mesmo, é uma necessidade cujo fim coincidirá com o da própria educação, ou seja, com a auto motiva- ção para manter o processo de apetência pela perfeição» (Dias, 2012: 117).

A segunda perspetiva é retirada de Silva e Lima (2011: 132), que opina claramente so- bre o controverso tema das turmas homogéneas ou heterogéneas. Enquadrada na temática das medidas para aumentar o sucesso dos alunos, justificam os autores a posição de um diretor e de um conselho pedagógico de uma escola secundária para formar turmas homogéneas:

Se eu tiver turmas homogéneas em termos de aprendizagem, eu vou implementar ritmos mais adequados com a generalidade de todos os alunos. Numa turma heterogénea, tenho

29 2/3 muito bons, tenho um grupo de alunos médios e 2/3 também muito fracos. Quem ti- ra benefício numa turma heterogénea são os alunos médios. O professor não poderá le- cionar a um ritmo de forma a satisfazer as condições dos bons alunos porque os outros ficam todos para trás, mas também se der as aulas de acordo com os muito fracos, os médios e os bons também perdem muita dessa aprendizagem. Portanto, o que nós temos a certeza é que se tivermos turmas homogéneas vamos conseguir implementar nessas turmas ritmos adequados.

E acrescentam que as aulas de substituição foram eliminadas, sendo ocupado o tempo a ajudar os alunos a fazer trabalhos de casa.

Sabemos que a heterogeneidade do grupo tem também vantagens: permite não só uma diversidade de relacionamento e de informação, mas também um sentido de integração social na diversidade – contando que os menos ‘favorecidos’ beneficiam do apoio dos mais ‘favore- cidos’, desde que estes tenham já um sentido de solidariedade relativamente bem desenvolvi- do. Mas é esta mesma diversidade que justifica e ‘obriga’ que sejam desenvolvidas ao máxi- mo as potencialidades de todos esses elementos diversos do grupo ‘educando’ da escola mas- sificada. E, por isso, a adaptação metodológica, didática, temporal e programática de cada grupo de educandos permite que o desenvolvimento se processe de modo mais eficaz e, ao mesmo tempo, que não sejam perdidas oportunidades de aperfeiçoamento quer pelos grupos menos desenvolvidos quer pelos mais desenvolvidos, fruto de condições a que a escola é alheia e cuja superação de limites é chamada a conseguir – tanto dos mais como dos menos desenvolvidos. A escola não é tudo na formação da pessoa, nem sequer no ensino; mas repre- senta uma das maiores oportunidades, se bem aproveitada, que a sociedade põe à disposição dos mais vulneráveis socialmente para se integrarem melhor e dos mais favorecidos social- mente para cuidarem de si, sabendo que há outros que precisarão de mais apoio do que eles.

Oficialmente, a lei portuguesa não permite discriminação social ou de aproveitamento escolar na constituição das turmas. Mas essa discriminação faz-se sub-repticiamente e de for- ma mais prejudicial – se não mais traumática, por depender de processos não explícitos – a longo prazo quando se consideram alguns como ‘mais aptos para a via profissional’ ou ‘me- nos propensos para estudos mais aprofundados’. E o alcance desta segregação aparentemente democrática é nefasto nos próprios professores, que se sentem desobrigados, pela alegada incapacidade de muitos alunos, a desenvolverem estratégias de autoestima e de sucesso esco- lar ou, quando o facto da segregação já está consumado, a partirem do pressuposto de que estão a trabalhar com alunos cujas potencialidades de progresso estão esgotadas e, assim, des- responsabilizam-se eles mesmos de procurar novas estratégias para alcançarem patamares superiores de aprendizagem – mesmo nas áreas específicas em que esses alunos ‘menos dota- dos’ foram colocados. E esta atitude estende-se à sua própria formação como ensinantes e

30 educadores12. Também não é grande ajuda ao processo o estabelecimento oficial de currículos ‘mínimos’ ou ‘alternativos’ com diplomas escolares iguais ou ‘equivalentes’. Mas esta ques- tão já remeteria para uma reformulação da LBSE ou da sua interpretação, ou mesmo para uma pseudodemocracia do legislador, que não assume teoricamente uma posição quanto ao fenó- meno do insucesso escolar e, sobretudo, do insucesso social – que não são sinónimos.

Podemos terminar com as palavras de Godinho (1974: 16) a propósito da escola de massas. Depois de falar de uma escola destinada só à formação intelectual de alguns, escreve o autor:

Será preciso esperar pelo liberalismo e pelo industrialismo para que se difunda a conce- ção de escola como preparação de massas para a vida, ao serviço, portanto, dos que te- rão de trabalhar para a ganhar – e ao serviço da prodigiosa aventura que transforma o meio natural em meio técnico, isto é, construído, fabricado pelos homens. A uma geo- grafia que em boa parte condiciona os grupos humanos sucede uma geografia humana, quer dizer, em que a paisagem é predominantemente aperfeiçoada pelo trabalho dos homens.

E as palavras permitem-nos fazer três comentários: o primeiro, para realçar mesmo a impor- tância da orientação profissional que possa ser dada ao percurso escolar do aluno – que deve- ria poder voltar à escola quando, na profissão, visse necessidade de novas aprendizagens. O segundo, para relembrar que qualquer profissional de qualquer área precisa de uma formação cívica que inclua não só o ‘saber estar’ no meio em que vive, mas também o sentido coletivo e global do seu trabalho – pelo que questões como as da ecologia, do predomínio da dimensão material, da legitimidade de certas medidas ou produções, etc., não lhe podem ser estranhas. E, terceiro, antes de ser profissional, o homem é pessoa; e antes de ser adulto é criança e ado- lescente, cuja vida na escola é vida e não mera preparação para a vida, ou mesmo um hiato na existência pessoal. Qualquer uma destas observações implica a consideração da dimensão ética do ensino, da aprendizagem e da educação, donde se retira que, na formação escolar, os mais responsáveis pela legislação ou liderança não podem deixar de ter presente a repercussão ética que qualquer decisão ou medida possa vir a ter no presente e no futuro da pessoa edu- canda – e, por extensão, na sociedade a que ela pertence ou na humanização de que ela parti- lha e também é responsável.

12 Torna-se evidente que a dimensão carismática do líder escolar não o dispensa de uma responsabilidade forma-

tiva no domínio ético-moral: pela sua função e exemplaridade inerente, pelo caráter formativo da instituição que lidera e pela própria exigência de ser pessoa. No âmbito deste trabalho não foi incluída a educação em va- lores éticos; mas ela pressupõe-se presente. Há também hoje estudos que apontam para a conjugação de uma vertente formativa racionalizada com uma vertente de inteligência emocional, que ajuda a perceber melhor os contornos de uma adesão a valores sem ser pelo árduo caminho da simples reflexão ou pela conceção otimista da subjetiva tendência para aderir ao que pareça ser o bem. De qualquer modo, a reflexão sobre as normas mo- rais é um passo indispensável para a determinação de princípios éticos e para gerar a disposição de superar prá- ticas morais – tantas vezes rotineiras – através de novas exigências éticas.

31