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Em Goiás, nasce um espírito de nacionalidade

1.3 Fatos que Antecederam a Independência do Brasil

1.3.2. Em Goiás, nasce um espírito de nacionalidade

Depois de Fernando Delgado de Castilho foi a vez de Manuel Inácio de Sampaio go- vernar a capitania de Goiás. Era oficial da marinha, foi nomeado por carta de 5 de julho de 1819 e tomou posse em 4 de outubro de 1820.

Ele chegou a Goiás num momento em que os goianos estavam bastante influenciados pelas notícias vindas da Europa. A família real chegara ao Brasil em 1808 e, desde 1814, a Eu- ropa estava pacificada. A guerra terminara com a derrota de Napoleão, rei da França e por essa razão, talvez, a permanência de D. João no Brasil já não fizesse tanto sentido. Porém, tudo in- dicava que ele não estava muito disposto a deixar o Brasil, pois, em dezembro de 1815, quando pensavam que ele retornasse à Portugal, elevou o Brasil à condição de Reino Unido a Portugal e Algarves.

No Brasil as rebeliões de Minas Gerais, em 1789, da Bahia, em 1798, e a de Pernam- buco, em 1817, conjuntamente com as idéias de liberdade que circulavam por toda América Latina, apontavam que os brasileiros desejavam uma emancipação.

Podemos dizer que as idéias revolucionárias estavam no pensamento dos brasileiros, que desejavam a independência, mas também com os portugueses que se sentiam fragilizados politicamente e economicamente. Vários acontecimentos contribuíram para isso. Na Europa, os portugueses estiveram em guerra contra os franceses e não receberam nenhum tipo de ajuda dos brasileiros. A vinda da família real para o Brasil, em 1808, contribuiu para uma inversão de forças que transformou a colônia em metrópole. Primeiro foi a abertura dos portos brasileiros e tratados de comum acordo com a Inglaterra em 1810. Depois, a elevação do Brasil à categoria de reino, trazendo mais poder e autonomia, e provocando entre os portugueses um mal estar que foi aumentando devido à permanência de D. João no Brasil.

Portugal vivia um momento de grande agitação política, existindo aqueles que dese- javam a volta da família real, outros que defendiam que a família real deveria ficar no Brasil e ainda os que viam com bons olhos uma “revolução liberal” em Portugal. Falava-se de liberdade,

40 http:www2.camara.gov.br/internet/legislação/publicações/doimperio/coleção1.html Acesso em 20 de março de 2007.

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ainda que timidamente, mas existia também a repressão. Jornais eram censurados, associações secretas eram perseguidas e proibidas41. No entanto, uma conspiração iniciou e ganhou forma nas sociedades maçônicas. O Sinédrio, uma dessas sociedades, destacou-se. Era uma associa- ção secreta, que surgiu no Porto em 22 de janeiro de 1818, composta principalmente de juristas. Essa associação foi crescendo sem um plano revolucionário definido. Em 1820, os movimentos revolucionários da Espanha animaram o Sinédrio para uma postura mais agressiva. Procurava- se ampliar o movimento, mas os manifestos eram moderados sem colocar em questão a dinastia Bragança. Também teve cautela em 1820, com o apoio de militares ou de outros grupos como a igreja. Reuniram forças e, na manhã de 24 de agosto de 1820, as tropas tomaram o Campo de Santo Ovídio no Porto. Formaram um governo provisório com a intenção de preparar uma nova constituição. Este ato foi aclamado por militares e populares e ficou conhecido como Revolução Liberal do Porto. Em 15 de setembro de 1820, Lisboa também aderia ao movimento e também comemorava a vitória sobre o invasor francês.

Essas notícias chegaram ao Rio de Janeiro e não foram bem acolhidas, uma vez que a Revolução Liberal do Porto desejava a liberdade de imprensa, a elaboração do código civil e criminal, a supressão da inquisição, a redução do número de ordens religiosas, a anistia aos presos políticos, a instalação de um banco em Portugal e ainda medidas que tinham como finalidade efetivar das diretrizes dos revolucionários. Isso contrariava os princípios monárqui- cos considerados divinos. Por outro lado, as idéias de regeneração política tomavam conta do espírito público.

No Brasil, esses movimentos liberais apareceram na Bahia, no Pará, no Rio de Janeiro e propagaram-se rapidamente. Com isso, D. João vê a necessidade de entrar em acordo com o desejo de seus súditos, jurando, em 4 de junho de 1821, as bases da constituição que as cortes reunidas em Lisboa estavam propondo e procurou consolidar a existência do reino unido.

Na cidade de Goiás, no dia 24 de abril de 1821, pelas 9 horas da manhã, chega o cor- reio trazendo as notícias da corte. Ao saber dos acontecimentos do Rio de Janeiro, os goianos tiveram uma agradável sensação, como se acordassem de um sono profundo, e entregaram-se

41 Schwarcz, Lilia Moritz, (2002, p.347) - E assim, com meias verdades, é que Portugal toma parte do grupo de nações que fizeram do liberalismo não só uma filosofia, presa a determinados pensadores, mas uma doutrina, uma nova ordem político-social. Pelo reino começaram a circular obras dos “fatais enciclopedistas”, isso a despeito da repressão sistemática que realizava a elas. Aliás, coube um papel fundamental à imprensa que se publicava no estrangeiro, sobretudo na Inglaterra, onde a liberdade de escrita permitia maior divulgação. Dos inúmeros periódicos lá editados, destacam-se o Correio Brasiliense (dirigido por Hipólito Jose da Costa entre os anos de 1808 e 1822 e proibido em Portugal em 1811 e 1817), o Investigador Português em Inglaterra (fundado em 1812 com o objetivo de combater o Correio e que mudaria de orientação a partir de 1814), o Português ou Mercúrio Político, Comercial e Literário (o mais combativo e, por isso mesmo, o mais censu- rado dos jornais portugueses publicados na Inglaterra) e o Campeão Português ou o Amigo do Rei e do Povo (o mais governista dos jornais e, apesar disso, proibido no ano de 1819).

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a explosões de alegria e prazer. Os acontecimentos causaram surpresa e entusiasmo e na noite daquele dia todos se congratularam42.

Manuel Inácio de Sampaio, governador geral da capitania, considerou que a situação era crítica, principalmente, pelo entusiasmo da população ao receber as notícias. O correio também não trouxe nenhum decreto oficial de convocação das cortes, e ele precisava acalmar a população. Por isso, no dia seguinte, afixou uma proclamação dirigida ao povo goiano, onde recordava os últimos acontecimentos e advogava em favor de D. João, falando da regeneração da monarquia portuguesa, da prosperidade do reino unido de Portugal, Brasil e Algarves. Lem- brou da constituição elaborada pelas cortes reunidas em Lisboa e jurada por D. João e que pela qual seriam convocados deputados representantes do Brasil.

Segundo a proclamação de Manuel Inácio de Sampaio, os últimos acontecimentos se- riam bastante vantajosos para os goianos. Por isso, recomendava agir com maturidade, prudên- cia e atenção nas eleições para a escolha dos representantes na corte, evitando todos e quaisquer distúrbios. Falou dos favores concedidos aos funcionários públicos nos últimos tempos e do progresso que a capitania viria a ter no comércio, agricultura e mineração43.

A proclamação de Manuel Inácio de Sampaio trazia clara a idéia de união com os portugueses. Isso era rejeitado por parte dos goianos, cujos espíritos traziam sentimentos au- tênticos e leais de patriotismo, percebendo as intenções presentes no documento. Com isso, a proclamação não contribuiu para acalmar o entusiasmo e passou despercebida pela população.

Iniciava um espírito de nacionalidade, e os mais politizados viam chegar uma nova época de regeneração política, que devia ter, como um primeiro ato, a independência.

O governador foi insistente e, além de afixar uma proclamação, também convidou as corporações eclesiásticas, civis e militares para uma cerimônia solene de ratificação de jura- mento e fidelidade ao rei e de adesão às cortes e à futura constituição. Nesse dia aconteceu, no paço do conselho, a cerimônia de juramento e logo após, um Te-Deum em ação de graças pelos acontecimentos. Também nesse dia o governador da prelazia, Luiz Antonio da Silva e Souza, fez um discurso enérgico e patriótico.

Ao cair a noite, no quartel, os funcionários e as pessoas graduadas da Cidade de Goiás reuniram-se; o povo, acompanhado por uma banda de música, saiu pelas ruas da cidade, gritan- do vivas ao rei e às cortes.

Em junho desse mesmo ano, as notícias da corte anunciaram a partida de D. João para Portugal, deixando seu filho, D. Pedro, no Brasil. Isso contribuiu para que as idéias de eman-

42 Alencastre, Jose Martins Pereira (1863, p.349)

43 Proclamação de Manuel Inácio Sampaio ao povo goiano, datada: Goiás, 25 de abril de 1821. In: Alencastre, José Martins Pereira (1863, p.350-351).

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cipação política se tornassem cada vez mais fortes em Goiás, tendo o padre Luiz Bartolomeu Marques à frente, difundido suas idéias para a população e lideranças, e o capitão Felipe Anto- nio Cardoso, mobilizando os quartéis. Contavam ainda com o trabalho dos padres Lucas Freire de Andrade e José Cardoso de Mendonça e do soldado Felizardo Nazareth.

Enquanto em outras capitanias, como São Paulo, Bahia, Pernambuco e Rio de Janeiro, a mobilização entre os intelectuais tinha como objeto a emancipação da colônia, já na capitania de Goiás, para o padre Luiz Bartolomeu Marques, era necessário tirar do poder o Governador Geral, Manuel Inácio de Sampaio, considerado um representante do poderio português. E tam- bém trabalhar para a independência do Brasil. Conforme relata Alencastre (1863, p.379-380):

as visitas do padre Luiz Bartolomeu, promovendo a sua criação, não eram outras senão a independência do Brasil; a simples substituição do governo pouca garantia oferecia aos princípios constitucionais, embora o rei já os tivesse aceitado e jurado, sem uma mudança radical na administração em todos os seus ramos; a saída, pois de Sampaio era apenas o primeiro embaraço que se removia.

Essa agitação aconteceu entre 1821 e 1823. Desse movimento resultou a saída do governador Manuel Inácio de Sampaio, a criação de um governo provisório e a separação de governos das Comarcas do norte e do sul. Fato, que ao proclamar a independência do Brasil, não foi aceito por D. Pedro, que enviou ao norte de Goiás o padre Luiz Gonzaga de Camargo Fleury para uma missão de paz. Sua missão foi considerada um sucesso e, em 25 de abril de 1823, Goiás voltou a ter somente um governo.