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Em movimento: movimentos sociais e grupos que atuaram em Junho de 2013

2.1 As Manifestações de Junho de 2013 no Brasil

2.1.2 Em movimento: movimentos sociais e grupos que atuaram em Junho de 2013

As Manifestações de Junho de 2013 aconteceram em várias fases, como pontuado anteriormente, aglutinando em cada uma delas novas reivindicações. Portanto, percebe-se que elas não foram homogêneas muito menos organizadas de modo uniforme. Embora ganhe notoriedade o discurso de que se formaram espontaneamente, observa-se que inicialmente foram organizadas por movimentos sociais consolidados, para somente nas últimas fases serem usurpadas por grupos conjunturais, que deram um caráter de individualidade ao processo, sem apresentar coesão.

Entre os movimentos consolidados e construídos com maior organicidade e coesão destacam-se o MPL, a Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa67 (ANCOP)

formada pelos Comitês Populares da Copa e o Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST).

O Movimento Passe Livre (MPL) que esteve à frente dos primeiros atos das manifestações foi fundado em 2005 no espaço Caracol Intergalactika do Fórum Social Mundial (FSM)68 de Porto Alegre (RS). A plenária foi convocada pela CPL, que no ano

anterior quase conseguiu aprovar a Lei do Passe Livre em Florianópolis. O site do MPL apresenta-o como “um movimento social autônomo, apartidário, horizontal e independente, que luta por um transporte público de verdade, gratuito para o conjunto da população e fora da iniciativa privada” e que tem como luta principal a democratização do acesso ao espaço urbano e seus serviços, mediante a consolidação da Tarifa Zero! Seus princípios são a

67 A ANCOP reunia os Comitês Populares da Copa através de representantes das 12 cidades-sedes (Manaus,

Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) do mundial de 2014.

68 O Fórum Social Mundial constituía-se como uma das frentes de lutas do movimento antiglobalização. Durante

aproximadamente nove anos, ocorreu em diversas partes do Mundo: no Brasil em cidades como Porto Alegre (2001, 2002,2003, 2005) e Belém (2009); na Índia (2004), na Venezuela (2006) e também na África (2007).

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autonomia, independência, horizontalidade, apartidarismo (mas não antipartidário) federalismo69. Atualmente, o MPL tem representação em várias cidades brasileiras.

Antes de 2013, realizaram atividades principalmente em São Paulo, como os “escrachos” (2006) que achincalhavam atos oficiais e colocavam em pauta a Tarifa Zero; protestos contra o aumento do transporte (2006; 2010; 2011); coorganização no “Churrascão de gente diferenciada”70 (2011), além dos encontros nacionais, como o 3º Encontro que ocorreu na Escola Nacional Florestan Fernandes, do Movimento dos Sem Terra (MST), e teve a participação de representantes de mais de 10 cidades brasileiras.

Para Fon Filho (2013) o MPL era um movimento de classe média, com uma demanda que interessava à população de mais baixa renda. Para o autor, a classe média que formava o MPL construía uma oposição à esquerda71 aos governos petistas e, portanto,

radicalizava-se contra o governo municipal de São Paulo que era do Partido dos Trabalhadores (PT).

Fon Filho lembra ainda que por mais que este movimento se apresentasse como autônomo, anárquico, realizador de ação direta e organizado de modo horizontal (sem hierarquias) nas manifestações, convivia harmoniosamente com os partidos da oposição de esquerda, declarando apartidarismo sem antipartidarismo.

No contexto das manifestações de 2013, o movimento que se posicionava contrário aos eventos esportivos, como a Copa das Confederações (2013) e Copa do Mundo (2014) no Brasil, empreenderam nas cidades-sedesdesses megaeventos consistentes ações de resistência organizadas pelos Comitês Populares da Copa e da Articulação Nacional dos Comitês Populares da Copa72 (ANCOP). Posicionavam-se contrários aos imensos gastos públicos com

esses eventos esportivos e com a exclusão social e danos sociais que provocavam, pois muitas comunidades foram despejadas em conseqüência da construção dos equipamentos esportivos

69 Detalhamento desses princípios disponíveis no Site do MPL: http://www.mpl.org.br/

70 Protesto organizado pelos Sites de Redes Sociais contra um grupo de moradores contrários à construção de

metrô na Avenida Angélica, em Higienópolis. Chamou atenção por ter sido bastante bem humorado, com direito a carne, refrigerante e pagode (www.ultimosegundo.ig.com.br).

71 Ao expor sua visão sobre a classe média formada desde o governo Lula, o autor acredita que ela estava

descontente devido aos (parcos) ganhos adquiridos pelas classes populares, que despertavam na classe média a sensação de que estavam tendo perdas econômicas. Por isso, abandonaram o PT a partir de 2005, dividindo-se entre os que se situaram em uma oposição à direita, apoiando partidos como o PSDB, e os que realizaram uma oposição à esquerda, endossando partidos como o PSOL e o PSTU.

72 A ANCOP reunia os Comitês Populares da Copa através de representantes das 12 cidades-sedes (Manaus,

Cuiabá, Fortaleza, Natal, Recife, Salvador, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Brasília, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre) do mundial de 2014.

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e das obras de infraestrutura. Para o “Comitê Popular Copa e Olimpíadas do Rio”, era necessário enfrentar

o modelo excludente de política urbana implementada no Rio de Janeiro, motivada pela construção de imagem de cidade global para os chamados MEGAEVENTOSESPORTIVOS, a saber: Jogos Mundiais Militares Rio 2011, Copa das Confederações 2013, Copa do Mundo 2014, Jogos Olímpicos Rio 2016 [...] A experiência dos Jogos Pan Americanos em 2007 nos mostra a fragilidade do governo brasileiro de estabelecer um processo de gestão democrática e transparente dos gastos públicos, e de estabelecer um espaço de interlocução efetiva com a sociedade sobre o legado dos Jogos. O resultado são equipamentos abandonados, jogados à iniciativa privada e nenhum retorno positivo para sociedade, em termos de melhorias sociais, urbanas e ambientais para a cidade (SITE DO COMITÊ POPULAR DA COPA).

Os Comitês Populares das cidades-sedes e a ANCOP realizaram várias atos, mobilizações contra as remoções, debates, e produziram o extenso e bem fundamentado “Dossiê Megaeventos e Violações dos Direitos Humanos no Brasil” 73. Observando os movimentos ligados ao transporte público e os de enfrentamento aos danos dos megaeventos, observa-se que a cidade reafirma-se como o grande cenário histórico dos movimentos populares e de luta de classes:

Os principais movimentos populares do Brasil foram, desde a Colônia, movimentos rurais já que nestas áreas se fincava a resistência ao sistema. Agora as resistências estão se concentrando nas cidades. Os principais movimentos urbanos (MPL, MTST, Comitês da Copa, CMI e outros) personificam algo similar a luta pela reforma agrária, que é a luta pela reforma urbana. O latifundio e o agronegócio são o equivalente na cidade a segregação espacial e a especulação imobiliária (ZIBECHI, 2013,p.31) (tradução livre).

O Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) também foi presença relevante durante os primeiros momentos das Manifestações de Junho. Fundado desde 1997, é atualmente o maior movimento nacional que milita pela causa da moradia e adota como tática construir grandes ocupações em terrenos vazios nas periferias urbanas, com o intuito de integrar a luta por moradia e também por serviços de infraestrutura nos bairros carentes (BOULOS, 2012).

Os manifestantes predeminantes nas últimas fases das Manifestações de Junho, diferentemente dos grupos presentes nas fases anteriores, não possuíam organicidade anterior,

73 Esse Dossiê subdivide-se em temas como moradia; trabalho; acesso à serviços e bens públicos e mobilidade;

esporte; meio ambiente; orçamento e finanças; acesso à informação, participação e representação populares; segurança pública. Disponível em: <https://www.dropbox.com/s/5 9kh0lfksjwduai/ANCOP_Dossie2014_WEB.pdf?dl=0>.

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e formaram suas ações no “calor” dos acontecimentos, espontaneamente, utilizando quase que exclusivamente as “redes sociais” para organizar suas ações.

Gramsci (1989, p.46) afirma que, na análise de uma estrutura, é necessário diferenciar os movimentos orgânicos (permanentes) dos movimentos conjunturais (ocasionais, imediatos). Os primeiros “dão margem à crítica histórico-social, que investe os grandes agrupamentos, acima das pessoas imediatamente responsáveis e acima do pessoal dirigente”; os conjunturais situam-se na crítica do dia-a-dia.

Utilizando a distinção desses momentos para uma análise das Manifestações de Junho, nota-se que os movimentos sociais consolidados, com caráter organizacional mais definido e apresentando demandas de caráter popular, realizam a luta no âmbito histórico- social macro, pois refletem os sintomas de um sistema excludente e desigual denunciado através da luta contra o sistema capitalista, seja em sua nuance de reivindicação pela gratuidade dos transportes públicos, enfrentamento aos despejos ocasionados pelos megaeventos ou a luta pela moradia.

Por outro lado, os grupos posteriores fixionados em criticar temáticas como corrupção ou ações de cunho moral de governantes e parlamentares (e outras tantas fragmentações) enquadram-se em certa medida nos movimentos conjunturais, à medida que se dedicam a essa crítica do dia-a-dia, de acordo com a distinção gramsciana.

A multidão difusa que adotou esses protestos comportava desde uma “esquerda mais radical, que busca mudanças mais sistêmicas, a uma direita conservadora, que busca proteção em direitos humanos, mas garantindo seu status quo, ou até propondo retrocessos em relação a políticas públicas de inclusão” (Scherer-Warren, 2014, p.424).

Isso permitiu que fosse divulgada a imagem de manifestações “espontâneas” e “horizontais” e que o discurso fosse: “as manifestações foram dispersas e multicêntricas, refratárias a lideranças fixas, e sem maior dimensão organizacional. Sua forma explosiva, espasmódica e reticular anunciou a hipermodernidade das ruas” (NOGUEIRA, 2013, p.32). Essa pretensa autonomia institucional e o aspecto da conectividade como elemento fundamental desses protestos foram se consolidando como uma teoria comprovada:

De forma confusa, raivosa e otimista, foi surgindo por sua vez essa consciência de milhares de pessoas que eram ao mesmo tempo indivíduos e um coletivo, pois estavam – e estão – sempre conectadas, conectadas em rede e enredadas na rua, mão na mão, tuítes a tuítes, post a post, imagem a imagem. Um mundo de virtualidade real e realidade multimodal, um mundo novo que já não é novo, mas que as gerações mais jovens veem como seu (CASTELLS, 2013, p.179-180).

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Esse discurso expandiu-se do meio acadêmico para os meios de comunicação mais tradicionais, que retiraram de suas análises qualquer possibilidade de associação dessas manifestações a organizações tradicionais, principalmente no campo político de esquerda.

Esses grupos que foram às ruas sem plataformas concretas e com grande diversidade ideológica, transformaram as ruas brasileiras em verdadeiras arenas políticas, ou simplesmente em “eventos”, que requeriam acessórios e roupas próprias. Foram vendidos na Internet “Kits Manifestação” com nariz de palhaço, máscara, cartaz, bandeira do Brasil, entre outros itens. Em um post intitulado “Moda para protesto, roupa de guerra74”, publicado no Blog Chick da Glória Kalil (2013), a consultora de moda afirma:

Em uma hora dessas, é hora de manter a cabeça fria e pensar com calma na roupa que se usa. Mais que cores partidárias ou máscaras fantasiosas, é preciso pensar em peças utilitárias para enfrentar a guerra -ainda que unilateral- e se proteger, por mais que todos queiramos uma manifestação pacífica.

As formas, o processo organizativo visivelmente ligado a um modelo estético, e o perfil dos participantes, revelam que majoritariamente convocadas, divulgadas e até organizadas através da Internet, os imperativos implícitos limitaram-se a: “todo mundo pode participar”, “todo mundo pode construir”, “aqui reina a liberdade”. Por isso, o fácil envolvimento de muitas pessoas que, talvez, nunca nem tivessem pensado em participar de protestos.