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Quem eram eles? A composição social do Junho de 2013

2.1 As Manifestações de Junho de 2013 no Brasil

2.1.4 Quem eram eles? A composição social do Junho de 2013

As várias etapas apresentadas pelas MJ dificultam traçar um perfil socioeconômico dos manifestantes durante esses protestos, pois a cada etapa ou momento seria possível uma radiografia social diferente. A variedade de movimentos sociais e a diversidade de reivindicações demonstram que elas não foram homogêneas, seja nos quesitos geracional ou classista.

A pesquisa mais completa realizada nesse período, a do IBOPE (2013) reflete a realidade da última fase das manifestações, limitando uma análise total sobre o período das manifestações e do perfil dos manifestantes. Os dados apresentados realizam várias indicações socioeconômicas dos manifestantes: 49% possuíam o colegial completo ou ensino

78 Altera o Decreto-Lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940 - Código Penal, o Decreto-Lei no 1.001, de 21 de

outubro de 1969 - Código Penal Militar, e a Lei no 7.716, de 05 de janeiro de 1989, para tipificar condutas

realizadas mediante uso de sistema eletrônico, digital ou similares, que sejam praticadas contra sistemas informatizados e similares; e dá outras providências.

79 Dispõe sobre a tipificação criminal de delitos informáticos; altera o Decreto-Lei no 2.848, de 07 de dezembro

de 1940 - Código Penal; e dá outras providências.

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superior iniciado; 30% tinham renda familiar acima de 02 até 5 salários mínimos; 76% trabalham; 52% estudam; em relação ao gênero 50% eram homens e 50% mulheres e, em relação à faixa etária, nota-se relevante presença juvenil, com 63% dos entrevistados pertencentes à faixa etária considerada jovem (43% por pessoas entre 14 a 24 anos e 20% entre 25 a 29 anos) (IBOPE, 201381).

O protagonismo dos jovens em manifestações não é uma novidade, mas facilmente observado nos movimentos sociais e protestos políticos históricos:

Os inúmeros movimentos de transformação social, sejam eles radicais ou utópicos, que as últimas décadas viram surgir tiveram como principais articuladores os jovens. Isso se deve não apenas ao seu poder de mobilização - que não foi nada pequeno-, mas, principalmente, à natureza de ideias que colocaram em circulação, ao modo como as veicularam e ao espaço de intervenção crítica que abriram (BRANDÃO; DUARTE, 2004, p.7).

A juventude de junho de 2013 é provavelmente diferente daquela que organizou o maio de 1968 ou que atuou durante a Ditadura Militar. A chamada “geração Y” (entre 20 e 29 anos) possui interesses e formas de agir politicamente próprias, permitindo, portanto, considerar as juventudes associadas diretamente a questões socioculturais. Tratando da juventude na sociedade contemporânea, Abramovay e Castro (2006, p.10) afirmam que:

o período da juventude prolonga-se na medida em que os processos de emancipação dos jovens são retardados por diversos motivos, como a ampliação do período de formação escolar para enfrentar as exigências do mercado de trabalho. Na medida em que as sociedades passam do rural ao urbano, do agrário ao industrial e do industrial à atual sociedade do conhecimento, a abrangência do que vem a ser jovem, em termos etários, alarga-se e assume dimensões inéditas na história da humanidade.

A exaltação das individualidades e da velha meritocracia pela ideologia neoliberal transferiu para o individuo maior responsabilidade por seus fracassos, ocultando a estrutura econômica e social desigual, contra a qual deveriam lutar coletivamente. Aos jovens sobraria, então, a corrida frenética atrás de títulos (meritocracia) e o fascínio pelo consumo, já que a última moda rapidamente torna-se demodê.

Ressaltando que as informações e propagandas apologéticas ao consumo destinam-se a todos os recortes sociais, dos que possuem maior ou menor facilidade de acessar bens materiais, observa-se geralmente uma unificação da faixa etária, possibilitando posturas políticas descoladas de uma consciência de classe e da crítica à sociedade desigual em que vivem.

81 Idem Nota 64

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Desse modo, analisando o perfil pluriclassista durante as MJ, compreende-se o direcionamento político e ideológico das manifestações. Os vários momentos e formatos desenvolvidos durantes essas manifestações expressam a luta de classes e a correlação de forças se materializando nas ruas.

Observou-se que a maioria da juventude atuante em junho era inicialmente formada por jovens da classe trabalhadora e por manifestantes progressistas da classe média que lutavam por demandas populares com concepções políticas consistentes, com afinidades ideológicas à esquerda ou sem afinidades partidárias, como anarquistas ou automistas. Em menor número, encontram-se jovens com a percepção de que existe um desgaste no exercício da política tradicional e, minoritariamente, uma juventude que não tem experiência política, mas também insatisfeita com a inoperância dos serviços públicos (ANTUNES, 2013).

Em relação ao recorte econômico, nota-se que a pesquisa aponta apenas o rendimento e a escolaridade como forma de captar o perfil econômico dos manifestantes, sabendo-se que os critérios renda, escolaridade, profissão e consumo produzem apenas a pirâmide das chamadas classes A, B, C, D, E. Além da ideia de mobilidade social, a outra forma de analisar esse perfil seria usar a dimensão forma da propriedade (CHAUÍ, 2013).

Nessa perspectiva, Singer82 (2013) afirma que as Manifestações de Junho foram

formadas por uma classe média tradicional que se inquietava com diversos aspectos apresentados nacionalmente, mas também pelo proletariado, como reflexo de questões sentidas por ele. Antunes (2013, p.41) também conjuga o perfil econômico e ideológico: “as manifestações se ampliaram e se tornaram poli classistas, com setores da classe média conservadora, setores aparentemente apolíticos, setores mais politizados, setores da periferia [...] além do novo proletariado de serviços”.

O uso dos termos classe média, proletariado e poli classistas, para analisar o perfil econômico dos manifestantes, trazem para o centro do debate as relações sociais de produção, evidenciando a existência de várias classes incluindo o proletariado, formado por trabalhadores desprovidos de meios de produção. O termo classe média, na atual fase neoliberal do capitalismo, abriga apenas as burocracias estatal e empresarial, pelo serviço público, pela pequena propriedade fundiária e pelo pequeno comércio – não filiado aos

82 O autor aponta que as análises propostas sobre o perfil dos manifestantes indicavam dois tipos de

manifestantes: um primeiro que predominava manifestantes de classe média; e um segundo que via uma presença forte do precariado. Em contrapartida, ele propõe uma que associa esses dois perfis.

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grandes oligopólios transnacionais (CHAUÍ, 2013). O recente termo “nova classe média83

confirma esse direcionamento:

Como a tradição autoritária da sociedade brasileira não pode admitir a existência de uma classe trabalhadora que não seja constituída pelos miseráveis deserdados da terra, os pobres desnutridos, analfabetos e incompetentes, imediatamente passou-se a afirmar que surgiu uma nova classe media, pois isso é menos perigoso para a ordem estabelecida do que uma classe trabalhadora protagonista social e política (CHAUÍ, 2013, p.130).

Petras (2007, s.n), em lúcida crítica sobre a classe média, explicita que seu comportamento será flutuante, dependendo da sua posição e interesses de classe, assim como do contexto político-econômico ao qual se confronta. Entre os vários exemplos, diz que “quando há um governo popular anti-ditatorial e anti-imperialista, a classe média apoia reformas democráticas, mas opõe-se a qualquer radicalização que torne as suas condições iguais às da classe trabalhadora”. Embora os governos brasileiros nos últimos anos no Brasil não tenham sido essencialmente populares, entende-se que o comportamento hostil da classe média se fundamenta nessa característica essencial.

Os aspectos discutidos demonstram que as classes sociais se manifestam nas relações sociais a partir de suas práticas de classe conflitantes. Entretanto, a existência de várias frações de classe que podem alcançar forças sociais e das relações ideológicas, políticas, que também definem uma classe além das relações de produção (POULANTZAS, 1986) permite que manifestações que se iniciaram com um direcionamento à esquerda cheguem ao final conduzidas pela direita, pois

A reflexão do lugar no processo de produção sobre os outros níveis constitui um

elemento novo, que não pode ser inserido no quadro típico que estes níveis

apresentariam sem este elemento. Este elemento transforma assim os limites dos níveis (de estruturas ou de luta de classe) nos quais ele se reflete através de “efeitos pertinentes”, e não pode ser inserido em uma simples variação desses limites (POULANTZAS, 1986, p.76)

Farias (2009) também complementa que esses “efeitos pertinentes” afirmam que a presença específica da classe ou da fração de classe acontece no âmbito das práticas.

83 O termo “nova classe média” tornou-se referência para as análises socioeconômicas das últimas duas décadas no Brasil. É um termo problemático para quem adota uma perspectiva de classe fundamentada a partir das relações de produção pois, quando situado predominantemente a partir do consumo, e não de uma base material, desloca as desigualdades para o campo da meritocracia, relacionando-a às capacidades individuais dos trabalhadores (GALVÃO, 2011). Nesse sentido, é necessário também pensar como funciona ideologicamente a classificação “nova classe média”. Por isso, Chauí (2013) desconstrói esse termo, afirmando que nos últimos anos no Brasil construiu-se, na verdade, uma “nova classe trabalhadora”, por dois motivos: 1) devido ao acesso a direitos sociais e ao consumo de massa; 2) e pelas alterações neoliberais que aglutinaram segmentos societais que anteriormente faziam parte da classe média.

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