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Sem bandeiras vermelhas e com cartazes coloridos: a questão do apartidarismo

3.2 O Junho Ludovicense: caracterização das Manifestações de Junho em São Luís

3.2.2 Sem bandeiras vermelhas e com cartazes coloridos: a questão do apartidarismo

Os símbolos e simbologias são fundamentais para os movimentos sociais e ações políticas. Mais que acessórios, demarcam posicionamentos ideológicos e objetivos políticos dos protestos. Durante o movimento das Diretas Já146 (1984), as bandeiras vermelhas ocuparam as ruas expondo a demarcação ideológica de esquerda que dominava esse processo. Mas, nas MJ, as bandeiras do Brasil e os cartazes (de diversos tamanhos e com frases irreverentes) tornaram-se marcas dessas manifestações representando, respectivamente, o nacionalismo e a diversidade das reivindicações.

Os cartazes expostos em São Luís tinham dizeres como: “Gigante pela própria natureza, o povo acordou”, “#Game Over Família Sarney!”, “Brasil vamos acordar o professor vale mais do que o Neymar”, “Não é por R$ 0,20 centavos é por 43 anos de oligarquia”, “Fora Feliciano”, “Por Favor, saiam todos de suas casas, pois o povo que era inerte, agora voa com novas asas”, “Não deixem que eles PEC contra nós”, “Vem pra rua. Dilma só não traga o Bolsa Protesto”, “O Maranhão contra a Corrupção! Oligarquia não!”, “Partidos não me representam!”, “Um basta às mortes no campo”,“Resex Tauá- Mirim Já”, “26/06 Dia da Votação da maldita PEC 37 Não”. Essa heterogeneidade de dizeres evidencia a disputa de interesses, assim como sinaliza algumas visões que foram capitaneadas posteriormente pelas organizações de direita como a corrupção e a crítica ao governo federal.

Percebe-se que eles substituíram as bandeiras de partidos e movimentos sociais tradicionais, principalmente os de orientação à esquerda, demarcando o discurso conservador alinhado à direita e endossado nas ruas pelos gritos de “Sem Partido”.

O depoimento “Esse movimento é apartidário. Não somos de esquerda ou direita. Não defendemos a Prefeitura ou Governo do Estado. Por isso, somos contra a presença de bandeiras de partidos aqui” (O Estado do Maranhão, 20/06/2013) evidencia que nas manifestações em São Luís (principalmente nas duas maiores) replicou-se o que acontecia no restante do Brasil: a rejeição a partidos políticos e movimentos sociais tradicionais que

146 Diretas Já foi um movimento organizado por sindicatos, partidos de oposição, intelectuais, estudantes e

demais segmentos sociais, reivindicando pelo voto direto para as eleições para presidente da república. A Emenda Constitucional do deputado Dante de Oliveira (PMDB), que propunha eleições diretas em 1985, foi rejeitada por parlamentares do próprio partido. Em 1989, o primeiro presidente eleito diretamente (após o golpe militar de 1964) foi Fernando Collor de Melo (PANAZZO; VAZ, 2001).

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resultaram em agressão contra quem se identificava militante partidário (principalmente de esquerda).

Como exemplo, cita-se o episódio ocorrido no primeiro grande protesto, quando conhecido militante do Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU) foi empurrado e teve a bandeira do partido confiscada e queimada por outros manifestantes.

Discordando da agressão ele afirmou: “Nós lutamos há anos pelo direito de todos. O que vemos aqui é um movimento fascista de jovens alienados, que rejeita lutadores históricos das causas sociais” (O Estado do Maranhão, 20/06/2013). Em trecho publicado em outra edição do jornal ele completa:

Os “apartidários” dizem que estão na luta pela democracia, negada pelos poderes que aí estão. No entanto, eles não me respondem em que espaço democrático foi decidido que os partidos não deveriam participar. Dizem que são a favor da liberdade de expressão, mas não explicam por que eu, pelo fato de escolher uma visão de mundo, e sintetizar essa ideia de mundo em quatro letras [PSTU], NÃO posso sair as ruas com ela [grifos meus].

Outro militante também expõe o descontentamento em relação à rejeição aos partidos políticos e a movimentos sociais tradicionais afirmando: Você não pode expor quem você é, luta meio escondido (Entrevistado G).

Diante desses relatos, é necessário historicizar o discurso do apartidarismo, que ganhou força a partir da crise da representatividade política (ingovernabilidade) dos anos 1970 e possui vinculação direta com o contexto neoliberal emergente no período. Assim, a aparente neutralidade política (“sem partido”, “sem ideologia”) é útil ao contexto de crise neoliberal, pois a desarticulação com as históricas ideologias políticas permite que as reivindicações se direcionem para as questões pontuais e recaiam apenas sobre crítica aos governos (vistos como amorais, sem ética) perdendo, portanto, a dimensão estrutural da crítica, assim como a relação dos governos e representantes com a estrutura social de classe.

Atualmente, muitos são os grupos que, ao questionar a ideologia, visam neutralizar o conteúdo político (principalmente as perspectivas questionadoras e emancipatórias) ou ocultar a expressão dos interesses das classes dominantes. Desse modo, o discurso do apartidarismo (ou “apolítico”147) serviu em São Luís para ocultar esses interesses e para mascarar os embates político-partidários, antecipando o enfrentamento para o cargo de governador nas eleições de 2014. Esse embate evidenciava-se porque ora as manifestações eram direcionadas

147 Os discursos que enfatizam as MJ como apolíticas são ainda mais complicados pois não negam apenas siglas

partidárias, mas a própria política. Essa concepção é extremamente equivocada já que qualquer tipo de ação reivindicatória é naturalmente política. Esses discursos associam a Política apenas a seu componente representativo.

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por grupos que queriam atingir a prefeitura de São Luís – o prefeito era aliado político do provável candidato ao governo Flávio Dino – ora outros grupos miravam no governo estadual – que também lançaria candidato ao pleito majoritário do ano seguinte. O trecho abaixo extraído de um jornal da época evidencia isso:

Dois movimentos

As manifestações de rua realizadas no final da tarde de ontem expuseram dois movimentos antagônicos querendo dirigir os manifestantes. Carros de som a serviço de um dos grupos gritava palavra de ordem pela mobilidade urbana e direcionava os ataques ao prefeito, enquanto o outro gritava palavras de ordem “fora Sarney”... (Jornal Pequeno, 20/06/2013)

Diante desta conjuntura ressalta-se que participaram deste processo de direcionamento das manifestações conforme interesses político-partidários não apenas partidos de direita, mas também alguns alinhados à esquerda que possuíam concretas perspectivas nas eleições que se aproximavam.

Então, as matérias nos jornais e os discursos parlamentares reforçavam o apartidarismo e crucificavam a participação de partidos nas manifestações, enquanto militantes disfarçados de vários partidos direcionavam as manifestações conforme seus interesses, além de silenciar o principal objetivo das manifestações que era a luta por direitos sociais. O pronunciamento do vereador Sérgio Frota (PSDB), por exemplo, ao ressaltar o protagonismo da Internet e redes sociais reforça a aparente independência das manifestações:

Esse grito ele não tem dono, apesar de determinadas né? Pessoas de movimentos políticos quiseram se tornar donos, eu acho que nós estamos vendo um momento que as redes sociais estão substituindo os partidos políticos, nós estamos numa época que a internet se tornou o maior meio de comunicação social do mundo, o Brasil que foi às ruas é um Brasil que não tem ideologia, é um Brasil que não tem sigla, o Brasil que foi às ruas é um Brasil que não tem medo, é um Brasil que quer mudança sim! No transporte, na educação, na saúde e quer mudança, sobretudo senhor presidente, na cabeça dos mandatários políticos desse país nos não podemos, os políticos que tem mandato dado pelo povo, conseguido pelo povo deixar de ouvir esse grito [grifos meus].

Os depoimentos seguintes exemplificam esse direcionamento: o primeiro, com a pauta das manifestações por organizações já existentes; e o segundo, como o discurso apartidário (ou apolítico), que ocultava esses interesses (muitas vezes de partidos de direita): 1º: o transporte público era uma pauta, mas era uma pauta conjunta, e havia as pautas pessoais, as pautas dos grupos e umas das grandes pautas aqui era pra se bater na prefeitura de São Luís, era um grupo mais ligado à Roseana, mais ligado ao grupo Sarney querendo bater na prefeitura [...] que era ligado ao atual governador e nós fazemos campanha abertamente para Flávio então a gente sabia desse grupo de Roseana lá nós éramos oposição a gente meio que entrou para desmobilizá-los e mudar a pauta política ah eles querem bater na prefeitura então nos vamos é criar uma pauta mais ampla pauta nós vamos bater na

144 educação do Estado como um todo fizemos nossa reunião e mobilizamos nossa militância e caímos pra rua nas manifestações (Entrevistado G);

2º: Porque nessa manifestação da quarta-feira,“#VEMPRARUA! São Luís”, houve confusão, a bandeira do PSTU foi queimada e resolvemos não levar bandeira, pois, por uma questão objetiva não temos como ter segurança com esse tanto de gente, mas ir de camisas vermelhas, camisas dos movimentos, etc. E tinha um grupo de Neo-anarquistas, alguma coisa desse tipo que eu acho que nem eram isso, pois o pessoal disse que eles eram do PMDB. Quando eles viram a gente na praça Dom Pedro II, começaram a dizer: olha o pessoal do PSTU e tal e a galera veio pra cima. Inclusive o carro de som que estávamos teve que sair imediatamente do lugar porque começaram a jogar lata de cerveja, garrafa e tivemos que sair (Entrevistado D).

Sobre esse aspecto, a matéria jornalística intitulada “A nova cara do Brasil: partidos querem espaço em atos”, do Jornal O Imparcial (22/06/2013) relata:

o militante estudantil e um dos organizadores do “Vem pra rua” em São Luís [...] disse [...] que a manifestação teve um caráter supra-partidário e não apartidário como tem divulgado a mídia televisiva brasileira: “o que aconteceu foi a influência da mídia brasileira que muitos acabaram reproduzindo aqui no Maranhão. Os partidos políticos de esquerda, os sindicatos sempre participaram das atividades.- afirma o militante que alerta para os perigos do discurso do apolítico. Sobre a infiltração de partidários [...] também acusa a juventude do PMDB de participação criminosa no intuito de atacar militantes de esquerda e distorcer a linha de reivindicações do movimento que era o transporte... [grifos meus].

Então, ao apresentar as manifestações como de todos, ocultavam-se os interesses de grupos, garantindo uma presença pluriclassista que, aos poucos, foi instrumentalizada para defender interesses particulares e não gerais.

Diante de todas essas explicações sobre as Manifestações de Junho em São Luís, elencam-se possibilidades e limites dos processos políticos de organização das classes populares. Como possibilidade, aponta-se o desconforto aos representantes que tiveram minimamente que organizar momentos e respostas para dar aos manifestantes. Ressalta-se também como um fator positivo os novos laços de solidariedade e formas de ação criativas utilizadas.

Como limite, aponta-se a ocultação dos conflitos de classe e partidárias nas manifestações, ou seja, a pauta e os interesses apresentados nas ruas como “de todos” possibilitou que a agenda conservadora fosse introduzida no contexto e se fortalecesse posteriormente, com a devida instrumentalização da pauta “anticorrupção” e da mídia. Também como fator de limitação aponta-se o fosso entre a lógica coletiva das manifestações e das instituições, enquadradas na lógica representativa periódica (de quatro em quatro anos).

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Esta última questão relaciona-se à estrutura do Estado e sua democracia burguesa, já que, “enquanto as reivindicações desses grupos são de natureza coletiva, a forma institucional de participação do Estado liberal de Direito é de caráter individual, ficando, assim, o espaço público reduzido a formas de participação legal-formal” (VIEIRA, 2012, p.90).