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Modus Operandi: formas de organização e uso das “Redes Sociais”

2.1 As Manifestações de Junho de 2013 no Brasil

2.1.3 Modus Operandi: formas de organização e uso das “Redes Sociais”

Durante as manifestações, observou-se que a criatividade das ações destacou-se através de uma variedade de ações políticas que associavam novos tipos de ação a ações tradicionais. Formas clássicas de ação (marchas, greves, passeatas, ocupação de espaços públicos) ocorreram paralelamente a atos virtuais (twittaços e protestos online) ou “criativos”, como beijaços.

Outro exemplo de criatividade foram os cartazes, produzidos em casa ou em “oficinas de cartazes” nos espaços públicos expunham as reivindicações “contra tudo” dos militantes. Esses cartazes tomaram simbolicamente o espaço ocupado historicamente pelas bandeiras (principalmente vermelhas de partidos, sindicatos e movimentos sociais) que foram rechaçadas nas fases finais dessas manifestações.

74 Publicação do dia 16 de jun. de 2013. Disponível em: http://chic.uol.com.br/les-chics/noticia/moda-para-

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Desse modo, a estética ganhou notoriedade e poder de unificação. De acordo com Ortellado (2013), esses protestos enfatizaram mais o processo que o resultado, pois é a horizontalidade, a utilização da democracia direta e a criatividade das suas ações que serão capazes de dar sentido a eles.

A centralidade da questão estética nos recentes protestos exemplifica-se pelo livro “Bela Baderna: ferramentas para Revolução” (2013), uma espécie de manual para ações políticas75. Distanciando-se da orientação teórica revolucionária para a prática política dos

livros clássicos, como “O Manifesto do Partido Comunista (1848) de Marx e Engels e “O que Fazer?”(1902) de Lênin, o “Bela Baderna” fornece instruções práticas e instrumentais, como uma “caixa de ferramentas”:

apresenta as principais táticas, princípios e conceitos teóricos que orientam o ativismo criativo, fornecendo ferramentas analíticas para que os ativistas aprendam com seus próprios erros e acertos. O livro é uma mistura de manifesto do ativista pregador de peças, manual de ação direta no estilo Greenpeace, e guia de treinamento para pedagogias e práticas emancipatórias e de organização das massas (BOYD; MITCHELL, 2013, p.07,grifos meus).

Realmente, são minuciosamente descritas táticas como: interrupção criativa, boicote à dívida, ação direta, teatro de guerrilha eleitoral, flash mob, greve geral, projeção de guerrilha, pegadinha, teatro invisível, ações em massa na rua, ocupação, intervenção visionária, não-violência. Esse livro exemplifica a ênfase dada à plástica dos protestos, muitas vezes em detrimento de um amadurecimento teórico dos grupos, privilegiando ações impactantes que dão certos pontos de “frescor” às ações políticas – mas salientam que não devem ser utilizadas para descaracterizar as tradicionais lutas das classes trabalhadoras.

A utilização das “redes sociais” durante as manifestações é outro fator a ser discutido, já que análises (equivocadas) as apresentaram como as protagonistas das Manifestações de Junho. De acordo com pesquisa76, 75% dos manifestantes utilizaram alguma

rede social77 para convidar pessoas para as manifestações e apenas 13% não se mobilizaram

através de redes. É inegável sua importância para organizar, divulgar os protestos, construir

75Esse livro é organizado por Andrew Boyd e Dave Oswald Mitchell e conta com “contribuições de diversos

autores com diferentes experiências de ativismo, em diferentes partes do mundo, o livro é um manual de estratégias subversivas (porque subvertidas) de atuação política” (BOYD; MITCHELL, 2013,p.02). O conteúdo desse livro divide-se em: táticas, princípios, teorias e estudos de caso que orientam a ação. A proposta assemelha-se à exposta no livro “Da Ditadura à Revolução” de Sharp (comentado no capítulo anterior) baseando-se em táticas de revolução não-violenta que se baseiam na criatividade. Os colaboradores são professores universitários, artistas, comunicadores, economistas, fundadores de ONGs, ativistas pertencentes a diversos países, incluindo brasileiros e muitos norte-americanos.

76 Idem Nota 64

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narrativas diferentes (opostas) às divulgadas pela mídia tradicional e dar agilidade à transmissão de informações.

No período das Manifestações de Junho, as redes sociais convocaram protestos, divulgaram vídeos e notícias com a versão dos militantes sobre o que estava acontecendo nas ruas, denunciaram a violência policial assim como as manipulações da mídia corporativa e, através da publicação das hashtags #changebrazil e #ogiganteacordou, expressaram de forma virtual o apoio internacional às manifestações.

Entretanto, apesar dessas possibilidades, é fundamental não perder de vista que elas possuem um caráter instrumental, ou seja, sozinhas não produzem um movimento social. Ressalta- se também que existem limites materiais, legais e ideológicos para seu uso político.

Em relação aos limites materiais, por mais que os computadores e acesso à internet tenham se popularizado nos últimos anos, e seja considerável o aumento no número de usuários brasileiros nas redes sociais (em 2013 eram 61,2 milhões no Facebook), ressalta-se que parcela da população brasileira ainda fica excluída do acesso a esses instrumentos, assim como está à margem de condições dignas mínimas de sobrevivência. Para citar um exemplo o país apresentava 13,2 milhões de analfabetos em 2012 (PNAD, 2012). A Figura abaixo ironiza essa relação:

Fonte: IVAN CABRAL (2011)

Outro dado relevante é que o acesso dos domicílios a aparelhos de televisores ainda é maior que o acesso a computadores e à Internet. De acordo com dados do IBGE (2010), 95,1% possuíam em seus domicílios aparelhos de televisão; apenas 38,3% tinham micro- computadores e somente 30,7 % possuíam micro-computador com acesso à Internet. Portanto, ainda recebem majoritariamente o conteúdo produzido pelas mídias tradicionais.

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Em relação aos limites legais, observa-se a proposição de várias Leis nos últimos anos que objetivam normatizar o uso da Internet. Elencam-se a Lei 12.735/1278 (Lei Azeredo)

e a Lei 12.737/1279/ (Lei Carolina Dieckman), e mais recentemente o Marco Civil da Internet

(Lei Nº 12.965/1480). Em 2015, duas iniciativas apresentavam-se nesse sentido: a primeira de

autoria do deputado Silvio Costa (PSC) o PL 1879/15, arquivado, tinha como intuito “estabelecer a obrigatoriedade de guarda de dados adicionais de usuários na provisão de aplicações que permitam a postagem de informações por terceiros na internet” que em síntese pretendia acabar com o anonimato na Internet.

A segunda foi do deputado Cláudio Cajado (DEM) que anunciou a intenção de propor projeto (ainda não apresentado) para punir que pessoas falassem mal de políticos em “redes sociais”. Embora sob a alegação de normatizar o espaço “sem lei” que é a Internet, muitos desses projetos trazem em seu âmago as perspectivas de limitar as expressões nesses meios.

Sobre os limites ideológicos, pontua-se que muitas pessoas utilizam a Internet para outros fins e não para se informar ou se envolver politicamente. Nota-se também que a maior parte do conteúdo disponibilizado nas “redes sociais” é réplica dos portais de jornais e canais das mídias tradicionais, sendo produzido pouco conteúdo novo ou alternativo.