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EMPODERAMENTO COMO ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO

4 MARCAS E CONSUMIDORAS: AS ESTRATÉGIAS DE COMUNICAÇÃO 4.1 MULHERES COMO PÚBLICO CONSUMIDOR

4.3 EMPODERAMENTO COMO ESTRATÉGIA DE COMUNICAÇÃO

Não é de hoje que a publicidade acompanha as transformações sociais e se apropria da realidade para contextualizar em suas campanhas e em seus anúncios, bandeiras e pautas de movimentos sociais, como por exemplo, o feminismo e o empoderamento da mulher para construir um discurso e segmentar mercados (CARNEIRO, 2017). Para Scott (2000), Hains (2014) e Condon (2015) apud Carneiro (2017), a veiculação dessas campanhas “sociais” é positiva, pois permite o debate sobre a desigualdade de gênero e também da discussão sobre o feminismo e a adesão massiva à causa. Para outros autores, como Gillis; Howie; Munford, 2007; Jalakas, 2016; De Lara et

al, 2016; Zeisler, 2016 (apud Carneiro, 2017), este tipo de publicidade serve uma limitada ideia de feminismo, produzida especificamente para atender às demandas mercadológicas, e que desmobilizam e despolitizam o debate sobre o feminismo (CARNEIRO, 2017).

Tomando como base Fernandes e. al (2016), empoderamento é uma palavra originada do inglês “empowerment”, cujo significado está ligado à autonomia, à capacidade da pessoa individualmente e/ou de grupos de pessoas, na perspectiva coletiva, poder decidir sobre o que lhes dizem respeito. No Brasil, conforme Kleba e Wendausen (2009 apud Fernandes et al, 2016), empoderamento apresenta dois sentidos. O primeiro diz respeito a mobilizações e práticas cujas finalidades são a de promover e a de impulsionar comunidades e grupos em busca da melhoria de suas condições de vida e assim, aumentar suas autonomias. Já o segundo sentido da palavra empoderamento está ligado às ações voltadas para a promoção da integração dos excluídos carentes de bens e direitos elementares para a sua sobrevivência, bem como dos serviços públicos através de programas, projetos e ações assistenciais (KLEBA; WENDAUSEN, 2009 apud FERNANDES et al, 2016).

Para Carneiro (2017), empoderamento é um conceito polissêmico e empregado em vários campos de conhecimento e com raízes na Reforma Protestante Luterana, no século XVI, um movimento contra alguns paradigmas da igreja católica, incentivando a libertação dos sujeitos. No entanto, Baquero (2012 apud Carneiro, 2017) sinaliza que empoderamento remete à explosão de movimentos sociais de contracultura (movimento dos negros, das mulheres, dos homossexuais, entre outros) nos anos 60 nos Estados Unidos.

Ainda sobre as origens e as distintas formas de apropriações do conceito de empoderamento, Baqueira (2012, p. 175 – 176 apud Carneiro, 2017, p. 640) afirma que

Contemporaneamente, se expressa nas lutas pelos direitos civis, no movimento feminista e na ideologia da "ação social", presentes nas sociedades dos países desenvolvidos, na segunda metade do século XX. Nos anos 70, esse conceito é influenciado pelos movimentos de auto-ajuda, e, nos 80, pela psicologia comunitária. Na década de 1990, recebe o influxo de movimentos que buscam afirmar o direito da cidadania sobre distintas esferas da vida social, entre as quais a prática médica,

a educação em saúde, a política, a justiça, a ação comunitária (BAQUERO, 2012, p. 175-176).

Ainda sobre o termo e empoderamento, Sardenberg (2006) sinaliza para as divergências encontradas com a utilização e a compreensão do conceito de empoderamento. Isso porque Sardenberg (2006) a partir de Leon (2001) mostra que a principal contradição do uso de “empoderamento” é encontrada no debate entre “empoderamento individual” e “empoderamento coletivo”. O conceito, quando se relaciona à perspectiva individual, tem sua ênfase nos processos cognitivos, de maneira que empoderamento se relaciona ao sentido que as pessoas se autoconferem. Dessa forma, muitas vezes, tal entendimento ignora as relações de estruturas de poder, práticas da vida cotidiana e desconecta o indivíduo do contexto social, político e histórico (LEON, 2001, apud SARDENBERG, 2006).

Do ponto de vista do empoderamento coletivo, Leon (2001 apud Sardenberg, 2006) aponta para a necessidade de que o empoderamento é integrado em um sentido de processo com o todo, ou seja, com o grupo, com a comunidade, de maneira que empoderamento envolve cooperação e solidariedade. Na perspectiva de empoderamento coletivo, o processo histórico é levado em conta e assim, fica evidente a necessidade de construção da autonomia, da autoconfiança e da autoestima, mas, sobretudo a partir das mudanças das estruturas sociais (LEON, 2001 apud SARDENBERG, 2006).

O fato é que, conforme De Lara et al (2016 apud Carneiro, 2017), o empoderamento foi aos poucos se ganhando espaço dentro do movimento feminista até se tornar uma das principais pautas, a partir da década de 1990. Neste período, autoras feministas estadunidenses Gloria Steinem e Naomi Wolf e a britânica Natasha Walter encontraram no empoderamento o alicerce para a emancipação das mulheres. Contudo, Carneiro (2017) afirma que para algumas autoras, o empoderamento, proposto na passagem do feminismo da primeira para a segunda onda, não é positivo para o movimento porque toma como base a perspectiva individual de forma que pode enfraquecer a agenda do feminismo. Por outro lado, Sanderberg (2006) aponta que mesmo diante de divergências dentro do próprio movimento sobre o empoderamento, alguns pontos em comum são encontrados.

Levando em consideração Mosedale (2005 apud Sardenberg, 2006), é consensual que para que alguém se empodere ter que antes ter sido “desempoderado”, como o caso das mulheres submissas à dominação masculina dentro do sistema patriarcal. Ao mesmo tempo, ninguém empodera outrem, por se tratar de um ato autorreflexivo de empoderar-se. Isso porque empoderamento se relaciona com a construção da autonomia e da capacidade de assumir o controle das nossas vidas. No entanto, isso não significa dizer que não possa facilitar e abrir caminhos para outra pessoa empoderar-se. E por fim, entende-se que empoderamento é um processo contínuo e, portanto, não um estágio de empoderamento absoluto (MOSEDALE, 2005 apud SARDENBERG, 2006).

Em paralelo, Mosedale (2005 apud Sardenbeg, 2006) afirma que também a questão do “poder” é consensual na compreensão do que é empoderamento. Para a autora, o poder é visto sob distintas formas:

1) Poder sobre, referindo-se à relação de dominação e subordinação (um alguém tem poder sobre outro alguém);

2) Poder de dentro, ligado à autoestima e à autoconfiança;

3) Poder para, relacionado à capacidade de fazer algo, de conquistar algo para si (aprender a ler, por exemplo);

4) Poder com, ou seja, o poder solidário, compartilhado na ação coletiva. Por essa razão, Batliwala (1994 apud Sardenberg, 2006) acredita que “poder” é a característica mais notável do conceito de empoderamento. E poder, nesse caso, está relacionado ao controle sobre recursos materiais (mão de obra, dinheiro, investimento, espaço), intelectuais (conhecimento, informação) e ideológicos (geração, propagação, institucionalização de crenças, normas, comportamentos, valores), inseridos em contextos sociais, econômicos e políticos. Contudo, esse controle está nas mãos de homens que detém o poder para decidir sobre tais recursos (BATLIWALA, 1994 apud SARDENBERG, 2006). É só pensar na quantidade de representantes homens nos órgãos públicos em relação à quantidade de mulheres, bem como nos cargos de alto escalão de empresas.

Diante disso, para Batliwala (1994 apud Sardenberg, 2006), empoderamento é justamente o processo de questionar as relações de poder e das ideologias hegemônicas do sistema patriarcal e obter mais espaço e mais

recursos para que de fato, exista uma mudança. Ainda sobre a compreensão do conceito, a autora afirma que

O termo empoderamento se refere a uma gama de atividades, da assertividade individual até a resistência, protesto e mobilização coletivas, que questionam as bases das relações de poder. No caso de indivíduos e grupos cujo acesso aos recursos e poder são determinados por classe, casta, etnicidade e gênero, o empoderamento começa quando eles não apenas reconhecem as forças sistêmicas que os oprimem, como também atuam no sentido de mudar as relações de poder existentes. Portanto, o empoderamento é um processo dirigido para a transformação da natureza e direção das forças sistêmicas que marginalizam as mulheres e outros setores excluídos em determinados contextos (BATLIWALA, 1994, p. 130 apud BATLIWALA, 2006, p. 6).

Sendo assim, para Batliwala (2006), ao mesmo tempo, empoderamento é um processo e o resultado deste processo, o que, especificamente em relação às mulheres, tem como finalidade, questionar a ideologia do sistema patriarcal, além de buscar transformar as organizações e instituições (públicas e privadas), que reforçam a submissão da mulher e combater a discriminação por gênero, considerando os âmbitos sociais, econômicos e políticos. Somado a isso, o empoderamento visa criar condições para que as mulheres, especialmente as em condição de vulnerabilidade social, possam ter acesso e controle sobre recursos materiais, intelectuais e ideológicos. Por isso que, o empoderamento é um processo dirigido “para todas as estruturas e fontes de poder relevantes, pois não basta atuar apenas em uma delas” (BATLIWALA, 2006, p. 7).

Seguindo a mesma linha de compreensão sob o empoderamento ligado às mulheres, Stromquist (2002, p. 232, apud Batliwala, 2006, p. 7) afirma que

O empoderamento consiste de quatro dimensões, cada uma igualmente importante mas não suficiente por si própria para levar as mulheres para atuarem em seu próprio benefício. São elas a dimensão cognitiva ( visão crítica da realidade), psicológica (sentimento de auto-estima), política (consciência das desigualdades de poder e a capacidade de se organizar e se mobilizar) e a econômica (capacidade de gerar renda independente).

Com efeito, como estratégia publicitária, é somente nos anos 2000 que o empoderamento passou a ser utilizado nas campanhas voltadas para o público feminino, criando um novo mercado potencial de mulheres empoderadas e

independentes devido ao seu crescente poder aquisitivo (ZEISLER, 2008 apud CARNEIRO, 2017). Isso como consequência da introdução da mulher no mercado de trabalho que assumia um papel ativo no circuito comercial e assim, fortalecendo o seu poder de compra (CARNEIRO, 2017).

Por essa razão, o empoderamento encontrado nas estratégias publicitárias é atrelado ao uso do produto, da marca, como se a mulher pode se tornar empoderada ao consumir o produto, a marca. Dessa forma, o empoderamento não só assume uma perspectiva individual, como também é atrelado diretamente ao consumo. Ao mesmo tempo, as marcas que utilizam o empoderamento feminino como estratégia de comunicação, dialogam para um grupo de consumidoras, ou seja, mulheres que apresentam corpos, rostos, vivência de mundo diferentes. Desse modo, há uma preocupação de dizer que o produto, a marca empodera a mulher, seja ela como for.

Assim, o empoderamento feminino é abordado no sentido de desconstruir alguns conceitos acerca do que é “ser mulher”, visto que as publicidades sempre apresentam as mulheres como donas de casa, submissas ao marido ou a mulher com corpo perfeito, escultural, objeto de desejo de todos os homens. Na sociedade contemporânea, essa representação feminina tem mudado, pois a mulher tem procurado se empoderar devido ao movimento feminista que vem sendo abordado na sociedade desde a Revolução Francesa. A partir das mudanças trazidas pela Revolução Francesa as mulheres começaram a tomar consciência das desigualdades a que eram submetidas e, pouco a pouco, passaram a questionar os modelos sociais e lutar para diminuir a desigualdade política e de direitos (CARNEIRO, 2017).

O movimento feminista conhecido nos dias de hoje cresceu nas décadas de 1960 e 1970 que foi bastante influenciado por outros movimentos que lutavam por direitos civis. A partir dos anos 1980, as causas do movimento feminista foram ampliadas e nesse período as mulheres passaram a lutar contra qualquer tipo de discriminação ou opressão sofrido em busca da completa igualdade social. Dessa forma, a mulher contemporânea tem lutado pela aceitação da sociedade do jeito que ela é, independentemente de tamanho, raça, cor, classe social e passa a se enxergar como um sujeito social. O empoderamento é uma maneira da mulher se sentir confiante para combater a opressão e o não-reconhecimento (CARNEIRO, 2017).

Nesta perspectiva de mulheres cada vez mais conscientes dos seus papéis como sujeitos sociais, emerge a femvertising, uma estratégia de comunicação usada pelas marcas e empresas para dialogar com a mulher da sociedade contemporânea. Sobre a femvertising vamos discutir no próximo tópico.