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Empoderamento e Gênero

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RELAÇÕES DE PODER, EMPODERAMENTO E GÊNERO

2.2 Empoderamento e Gênero

Como já tínhamos apontado, falar de relações de gênero significa falar de relações de poder. Ainda hoje na condição feminina, muitas mulheres não podem decidir suas vidas, não se constituem enquanto sujeitos, não exercem o poder e principalmente, não acumulam mas reproduzem este poder, não para elas mesmas, mas para aqueles que de fato controlam o poder. Os pequenos poderes que lhes tocam são tremendamente desiguais (Kirkwood, citada por Costa 2002). As relações entre os homens e as mulheres, ou as relações de gênero são relações desiguais, assimétricas e mantém a mulher subjugada ao homem e ao domínio patriarcal.

O poder de gênero está assegurado através dos privilégios masculinos e das desigualdades entre homens e mulheres. Apesar das diferenças de classe, de raça e cultura, alguns aspectos derivados da condição de subordinação são comuns a todas as mulheres: o controle masculino do trabalho das mulheres; o acesso restrito das mulheres aos recursos econômicos e sociais e ao poder político, cujo resultado é uma distribuição muito desigual dos recursos entre os sexos; a violência masculina e o controle da sexualidade.

A partir dos anos 80, as feministas começaram a questionar as estratégias de desenvolvimento e as intervenções de projetos que não trabalhavam as questões estruturais e que perpetuam a opressão e exploração das mulheres, em especial as mulheres pobres11. Neste contexto é que o movimento de mulheres passa a utilizar o conceito de empoderamento 12.

O empoderamento da mulher desafia relações familiares patriarcais, pois pode levar ao desempoderamento do homem e certamente leva à perda da posição privilegiada de que ele desfruta sob o patriarcado. Isso porque o empoderamento ocorre quando houve uma mudança na tradicional dominação da mulher pelo homem, seja com relação ao controle de suas opções de vida, seus bens, suas opiniões ou sua sexualidade. Pode-se observar quando as decisões unilaterais não são mais a norma dentro da família. Entretanto, sob outro ponto de vista, o empoderamento da mulher libera e empodera o homem, por exemplo, quando a mulher começa a dividir responsabilidades anteriormente exclusivas do homem para o sustento da família. E quando o homem é liberado de estereótipos de gênero, novas experiências emocionais lhe são possibilitadas. “Portanto, o empoderamento da mulher implica mudanças

não apenas em suas próprias experiências, mas também nas de seus companheiros e familiares.”( Deere e León, 2002: 11-12 ).

O empoderamento não representa um processo linear com um começo bem definido e o mesmo final para todas as mulheres. ”É moldado para cada indivíduo ou grupo através de

suas vidas, seus contextos e sua história, assim como ocorre de acordo com a posição de

11 Costa (2001/2002:6) também chama a atenção para a natureza dos projetos de desenvolvimento quando os

planejadores ou executores incorporam a concepção de necessidades agrupadas amplamente como: trabalhadores rurais e liderança local. Nestes casos as mulheres são vistas e tratadas apenas como provedoras do bem-estar da família ou como meio de bem-estar de outros, como mães ou esposas, nunca como sujeitos autônomos com demandas próprias.

12

Num documento preparado por um conjunto de pesquisadoras acadêmicas e ativistas feministas para a Terceira Conferência sobre a Mulher da ONU em Nairobi em 1985 o conceito de empoderamento aparece como

uma estratégia conquistada por mulheres do Terceiro Mundo para mudar suas próprias vidas ao mesmo tempo em que gera um processo de transformação social, o principal objetivo do movimento de mulheres (Deere e Leon, 2002:53)

subordinação nos níveis pessoal, familiar, comunitário e nos níveis mais elevados.” ( Deére e Leon, 2002: 55).

Uma outra dimensão do debate sobre empoderamento e gênero vem da contribuição das economistas feministas, que associam o empoderamento a uma conquista de maior poder de barganha. Ao considerarem o espaço doméstico (familiar) e o espaço público, a análise com enfoque mais econômico elucida as diferenças com que os membros de uma família participam dos arranjos familiares no exercício da cooperação cotidiana. Cooperar para a garantia de uma refeição satisfatória, reunindo os recursos e o trabalho, por exemplo, pode evidenciar uma matriz complexa de relações em que há uma barganha constante em termos de quem faz o quê , quem recebe o quê e como cada membro é tratado no processo. Há que se considerar ainda um conjunto de elementos que interferem nas formas de apropriação dos resultados desta cooperação, que ocorre de maneira desigual.

É interessante ressaltar ainda nesta abordagem mais econômica, a elucidação de interdependência das relações sociais, onde o ponto principal é que as diferenças de gênero no poder de barganha intrafamiliares estão, portanto, ligadas ao poder de barganha da pessoa fora da família com a comunidade e o Estado (Deere e León, 2002 citando Agarval).

Um outro elemento essencial a ser considerado no processo de empoderamento das mulheres é trabalhar a consciência de homens e mulheres, uma vez que a subordinação está profundamente enraizada (embedded) na consciência de ambos e é reforçada através de crenças religiosas, práticas culturais e sistemas educacionais que conferem menor status e poder às mulheres, conforme nos apontam Sen e Grown (1987), citadas por Bisnath e Elson (2000).

As mesmas autoras citam Antrobus (1989) ao argumentar que o empoderamento pode ser conquistado através de diferentes pontos de partida, incluindo mobilização política, tomada de consciência e educação. Articulando-se ainda com mudanças onde e quando necessário, em leis, código civil, sistema de direito de propriedades, controle sobre seus próprios corpos, instituições legais e sociais que controlem e subscrevam o privilégio masculino, para que se diminua a desigualdade entre homens e mulheres.

Outra abordagem sobre empoderamento e gênero apresentada por Stromquist (1995), citada por Bisnath & Élson (2000), interpreta o processo de empoderamento como um conceito sócio político que vai além da participação política formal e do aumento da consciência. Ela argumenta que uma completa definição de empoderamento deve incluir componentes cognitivos, psicológicos, políticos e econômicos. E explica que a dimensão cognitiva refere-se a que a mulher tenha uma compreensão das condições e causas de sua subordinação aos níveis micro e macro. E que este processo envolve fazer escolhas que podem ir contra expectativas e normas culturais.

O componente econômico, segundo a autora, requer que a mulher tenha acesso e controle sobre, recursos produtivos, assegurando desta forma alguns graus de autonomia financeira. Todavia ela observa que as mudanças no balanço econômico de poder não necessariamente altera as tradicionais normas e papéis de gênero.O elemento político é bastante importante, pois impõem que a mulher tenha a capacidade para analisar, organizar e mobilizar a mudança social. A dimensão psicológica inclui a crença de que a mulher pode agir nos níveis pessoal e social para melhorar sua realidade individual e a sociedade em que

vive. Stromquist (1995) apud Bisnath & Elson (2000) observa que de maneira geral a concordância desses componentes deve estar inter-relacionada.

O que se observa é que várias pessoas tem escrito sobre o empoderamento da mulher e múltiplos são os significados para o conceito apresentados nos anos 90, uma vez que uma pesquisa na literatura revela uma grande diversidade de interpretações em comparação com os anos 80. Diversos escritos destacaram o argumento original ressaltando tanto a associação com um objetivo, quanto com um processo, neste caso definindo empoderamento como sendo fundamentalmente conectado com democratização, direitos humanos e auto determinação de mulheres e homens, enquanto outros invocam de algum modo uma definição limitada situada dentro de uma estrutura de expansão de escolhas e participação em estruturas existentes. Alguns autores mencionam ter se tornado o “falatório” dos anos 90, sobrepondo conceitos, incluindo direitos, interesses, autonomia, bem-estar, desigualdade, poder e falta de poder. Em complementação agencias de desenvolvimento passam a desenvolver projetos para “empoderar mulheres”(Bisnath & Elson, 2000).

Nesta perspectiva de raciocínio, Mayoux (1998) citada por Bisnath & Elson (2000) ao discutir abordagens de micro financiamentos direcionados ao empoderamento de mulheres, argumenta que o paradigma feminista para micro finanças representa uma importante alternativa para responder a uma necessidade prática imediata do setor informal das mulheres trabalhadoras pobres, como parte de uma estratégia para ampliar o empoderamento político e social da mulher. Para ela esta abordagem é diferenciada, pois não trabalha apenas a liberação de crédito individualmente, e considera a subordinação de gênero que é vista como um processo complexo, multidimensional e ao mesmo tempo generalizado, que afeta todos os aspectos da vida das mulheres e enraíza-se em níveis diferentes que se reforçam mutuamente: consciência individual, a família, o trabalho, legislação, estruturas de estado e sistemas políticos e econômicos nacionais e internacionais.

Como a subordinação da mulher parece “normal” dentro da sociedade patriarcal13 torna-se difícil falar em mudança entre as relações de gênero como um processo linear e/ou que surja espontaneamente da própria condição de subordinação. “O empoderamento deve ser

induzido primeiro pela criação de uma consciência da discriminação de gênero. Isto exige que a mulher mude a autopercepção negativa, assim como suas crenças relativas a direitos e capacidades. Facilitar as condições para encorajar estas mudanças é o papel de agentes externos” (Deére e Leon, 2002:55).

Destaca-se assim a importância e necessidade de atores sociais com poder diferente para atuarem como catalisadores no processo de empoderamento. Haverá diferenças em função da natureza da mediação e do tipo de mediadores, por exemplo: movimentos sociais, Ong’s, governos, agências multilaterais. Alguns exemplos podem ser destacados onde se associa o empoderamento “a mudança no âmbito de como encarar a vida”. Os exemplos estão associados ao acesso a recursos, à aquisição de direitos, e ao processo permanente, onde a capacidade de agir pode modificar relações de poder.

Entre os exemplos, que tratam do empoderamento da mulher com um enfoque mais econômico, observa-se o relato de experiências de empréstimos solidários através do Banco Grameen realizadas durante o período de 1976 a 1996 em Bangladesh. Yunus e Jolis (2000) afirmam que, a partir do momento que se decidiu conceder empréstimos a mulheres,

produziam-se mudanças mais rapidamente do que quando o dinheiro ia para os homens. Considerar as mulheres como atores privilegiados do desenvolvimento, contribuiu também para que pequenas mudanças começassem a ocorrer. Afirmações do tipo “ter medo de tudo na

vida”, como se fosse impossível superar esse medo. Ou estudos que observaram mudanças no tratamento recebido pelas mulheres, de seus maridos, quando se tratava de espancamento. Observa-se neste caso mudança não só na condição material de vida, mas também no âmbito de como encarar a vida.

Santos (2002) apresenta outro estudo realizado na União Geral de Cooperativas Agropecuárias de Maputo (UGC) em Moçambique. Ao destacar o trabalho com as mulheres, o empoderamento - como uma forma individual e coletiva de poder decidir, controlar e transformar – levou aos associados a adquirirem capacidade que lhes permitam alterar o curso dos acontecimentos em seu próprio benefício. A experiência da UCG, “ajudou as mulheres a

pensarem mais e a tomarem suas decisões” (Santos, 2002: 380). Na luta pelo acesso ao poder, a mudança veio de dentro, foi parte de uma luta que contou com a participação das cooperativas. Não foi imposta por modelos importados, nem funcionou na base do paternalismo. Foi preciso ir além de uma cidadania formal, consentida pelo sistema, passando pela construção gradual de novas atitudes e novos valores. O processo de empoderamento neste caso passou pelo acesso à possibilidade das mulheres criarem uma atividade geradora de receitas. Centra-se na capacidade criada para que a mulher tomasse consciência de sua cidadania real, abrindo espaços ou para acesso ao poder ou para contribuição na mudança gradual das relações de gênero na família e na sociedade (Santos, 2002).

Uma outra exemplificação foi feita por autoras como Sen & Grown (1987) e Antrobus (1989) citadas por Bisnath & Elson (2000) que justificam argumentando que organizações de mulheres têm um papel importante para facilitar o empoderamento das mulheres. Estas organizações orientam-se de maneira geral para desenvolver novas estruturas e culturas que refletem as necessidades das mulheres, interesses e preferências de comportamento. A Self- Employed Women´s Association (SEWA), por exemplo, é uma união comercial que organizou mais de 40.000 mulheres trabalhadoras pobres no estado de Gujarat na Índia, estando atenta ao empoderamento das mulheres. Esta organização estava estabilizada em 1972 quando um grupo de vendedores(as) de roupa (sacoleiros(as), catadores(as), vendedores(as) de frutas e verduras e ambulantes se reuniram para formar uma associação de trabalhadores(as). Segundo Elba Bhatt(1989) citada por Bisnath & Elson (2000), organizações como SEWA representam um novo fenômeno na história das organizações. Elas atacam uma variedade de problemas envolvendo o trabalho em muitos e diferentes comércios e ocupações. Por exemplo, SEWA está engajada em lutas por direitos das mulheres no trabalho, por salário justo e melhores condições, e para terem proteção legal e seguridade social. Bhatt (1989) define organização como um mecanismo para as pessoas se reunirem apoiadas por outras para pensarem através de seus problemas comuns, para discutirem sobre suas questões comuns e para decidirem questões coletivas.

Mayoux (1998) citada por Bisnath & Elson (2000) faz um destaque alertando que mais recentemente, os projetos de empoderamento de muitas agencias de desenvolvimento tem se preocupado com a expansão das escolhas individuais e capacidades para alto-confiança, especialmente através de financiamento de micro projetos, os quais, em sua maior parte, não promovem uma abordagem feminista de empoderamento das mulheres. Estes projetos focam as mulheres isoladas mais do que as relações de gênero ou classe como propõem as teóricas feministas, e dão ênfase à mudanças individuais em atitudes para alcançar a alto confiança , mais do que mudanças estruturais.

As autoras acima alertam também para o fato de que o empoderamento das mulheres deve ter como propósito fundamental a mudança não somente na ‘condição’ de vida das mulheres mas prioritariamente em sua ‘posição política’ na sociedade (Bisnath & Elson, 2000).

2.3 Muito trabalho, pouco poder: a condição de “des” empoderamento das

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