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Relações de poder e empoderamento

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RELAÇÕES DE PODER, EMPODERAMENTO E GÊNERO

2.1 Relações de poder e empoderamento

Tentando compreender as vinculações entre relações de poder e empoderamento se pode partir da diferenciação entre duas grandes concepções sobre poder, a primeira delas vê o poder sobre como capacidade de controle sobre algo ou alguém. Apresenta-se como substância, finita, transferível, tomável: se alguém ganha poder outros o perdem. Pode ser delegado (por exemplo, em representantes), ou tirado (por exemplo: das bases). A segunda concepção baseia-se em Foucault que amplia a noção de poder, definindo-o como relacional e construído entre pessoas que têm algum grau de liberdade, existindo só quando se usa. Está presente em todas as relações e nesta concepção, a resistência é uma forma de poder: onde há poder há resistência (Romano, 2002).

A noção focaultiana evidencia a elucidação da multiplicidade de poderes que se exercem na esfera social. É uma trama de poder microscópica, capilar que não é o poder político nem os aparatos de Estado nem o de uma classe privilegiada, mas o conjunto de pequenos poderes e instituições situadas em um nível mais baixo. Não existe um poder único, pois na sociedade há múltiplas relações de autoridade situadas em diferentes níveis, apoiando- se mutuamente e manifestando-se de maneira sutil (Gallichio, 2002).

Entre homem e mulher, aluno e professor e no interior de uma família existem relações de autoridade que não projetam diretamente o poder soberano, mas possuem os condicionantes que possibilitam o funcionamento desse poder assegurando seu exercício. Neste sentido, o poder se constrói e funciona a partir de outros poderes, dos efeitos destes, independentes do processo econômico. As relações de poder se encontram estreitamente ligadas às familiares, sexuais, produtivas; intimamente entrelaçadas e desempenhando um papel de condicionante e condicionado. (Gallichio, 2002).

Complementarmente, ao poder sobre recursos, idéias, crenças, valores e atitudes são possíveis diferenciar outros tipos de exercício de poder: o poder para fazer uma coisa; o poder com no sentido de que o todo é maior que as partes, especialmente quando um grupo enfrenta os problemas de maneira conjunta; e o poder de dentro como força espiritual que reside em todos os seres humanos significando respeito e aceitação dos outros como iguais. Os três últimos tipos de poder: para, com e de dentro não são finitos podendo crescer com o seu exercício (Iorio, citada por Romano, 2002). As três formas de poder - para, poder com e poder de dentro - “são todas positivas e aditivas; um aumento no poder de uma pessoa aumenta o

Em se tratando do poder da mulher, para Deére e Leon (2002:53) citando Radtke e Stam o poder condiciona a experiência das mesmas em um duplo sentido: “é uma fonte de

sua opressão quando objeto de abuso e uma fonte de emancipação em seu uso”10.

Por sua vez, Costa (2001/2002:01) ao discutir os nós do poder afirma que

“... o poder não é, o poder se exerce. E se exerce em atos, em linguagem. Não é uma

essência. Ninguém pode tomar o poder e guardá-lo em uma caixa forte. Conservar o poder não é mantê-lo escondido, nem preservá-lo de elementos estranhos, é exercê-lo continuamente, é transformá-lo em atos repetidos ou simultâneos de fazer, e de fazer com que outros façam ou pensem. Tomar-se o poder é tomar-se a idéia e o ato”.

Nesse sentido, o poder pode ser visto como aspecto inerente a todas as relações econômicas, sociais e pessoais e o exercício do poder pode ser entendido enquanto processo de empoderamento.

Para Sen (2002) o empoderamento é o processo de ganhar poder, tanto para controlar os recursos externos, como para o crescimento da autoestima e capacidade interna. São as pessoas que se empoderam a “si mesmas”, ainda que os agentes externos de mudanças possam catalisar o processo ou criar um ambiente de apoio. O empoderamento não é um jogo de soma zero (um ganha e outro perde), ainda que possa haver ganhadores e perdedores em certos sentidos. Amiúde, os processos grupais são decisivos ao empoderamento, porém a transformação pessoal dos indivíduos é também essencial .

Fornecendo outros elementos para a análise, Romano (2002) ressalta a importância de distinguir empoderamento como abordagem e como processo. Como abordagem o empoderamento coloca as pessoas e o poder no centro dos processos de desenvolvimento, implicando no desenvolvimento de capacidades (“capabilities”) das pessoas e de suas organizações. Isto significando poder superar as principais fontes de privação das liberdades, construir novas opções, poder e saber escolher, poder implementar e poder se beneficiar de suas escolhas.

Por sua vez, o empoderamento entendido enquanto processo aponta para o conjunto de relações pelas quais as pessoas, as organizações, as comunidades tomam controle de seus próprios assuntos, de sua própria vida e tomam consciência da sua habilidade e competência para produzir, criar e gerir. São processos conflituosos, no sentido de que dizem respeito a situações de dominação explícitas ou implícitas.

10 As mesmas autoras (2001/2002:54) exemplificam as inter-relações entre os diferentes tipos de poder ao

considerar o processo do movimento de mulheres da América Latina. O “poder para” serve para catalisar a mudança quando uma pessoa ou um líder do grupo promove o entusiasmo e a ação de outros. É um poder gerador ou produtivo, um poder criativo ou facilitador que abre possibilidades e ações sem dominação- ou seja, sem o uso do “poder sobre”. O “poder para” está relacionado ao “poder com”, pois permite que o poder seja compartilhado. Isso se torna aparente quando um grupo gera uma solução coletiva para um problema comum, permitindo que todas as potencialidades sejam expressas na construção de uma agenda de grupo que também é assumida individualmente. O grupo pode ser superior à soma de suas partes individuais. Outra forma de poder positivo e “aditivo” é o poder “de dentro” ou poder interior. Este tem a ver com gerar força de dentro da pessoa e está relacionado à auto – estima. O ”poder de dentro” aparece quando alguém consegue resistir ao poder de outros ao rejeitar exigências indesejadas. Também inclui o reconhecimento, que se adquire com a experiência, do modo como a subordinação da mulher é mantida e reproduzida.

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