• Nenhum resultado encontrado

O encenador – titular de direito conexo?

No documento A encenação no teatro e o direito de autor (páginas 110-113)

4. A ENCENAÇÃO COMO OBRA AUTORAL

4.7 O encenador – titular de direito conexo?

Como já salientado acima, o entendimento de parte da doutrina de que o encenador seria titular de direitos conexos tem como fundamento a atribuição da sua qualidade de artista responsável pela comunicação ao público de obra pré-existente, já que o seu trabalho não se caracterizaria como criação original nem mesmo derivada.

A qualidade de artista do encenador parece óbvia. A lei brasileira 6.533 de 1978, que dispõe sobre a regulamentação das profissões de artistas e de técnico em espetáculos, apresenta o seguinte conceito de artista, no qual inclui o diretor: “profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública”383.

Mas seria o encenador um “artista intérprete”, ou um “artista executante”?

383

Artigo 2º da Lei 6.533/78:

Art . 2º - Para os efeitos desta lei, é considerado:

I - Artista, o profissional que cria, interpreta ou executa obra de caráter cultural de qualquer natureza, para efeito de exibição ou divulgação pública, através de meios de comunicação de massa ou em locais onde se realizam espetáculos de diversão pública;

111 Oliveira Ascensão já acentuou que a lei não contempla três categorias distintas, artistas, intérpretes e executantes, mas apenas duas: os artistas intérpretes e os artistas executantes, sendo o problema da distinção de ambas meramente terminológico, uma vez que não há diferença de regime ligada a tal qualificação384.

A Convenção de Roma, de 1961, que equipara essas categorias, diz que, “para os fins da presente Convenção, entende-se por: a) "artistas intérpretes ou executantes", os atores, cantores, músicos, dançarinos e outras pessoas que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem, por qualquer forma, obras literárias ou artísticas”385.

Pode-se dizer que intérprete é aquele que dá vida a uma obra, permitindo ao espectador a sua fruição em forma visual e/ou auditiva, sendo ele o termo genérico. Executante, segundo a linguagem comum, é aquele que interpreta através de instrumentos386.

Mesmo que se considere, por exemplo, que um ator que interpreta determinada obra não deixe de “criar”, em sentido amplo, de acordo com sua individualidade387, a atribuição de direitos conexos aos atores tem como fundamento a possibilidade de exploração econômica da sua apresentação pessoal, que é impossível de ser copiada, e não a sua “criação”. Com efeito, ainda nas palavras de Oliveira Ascensão, “plagiam-se obras, não artistas ou fonogramas. Quem toma o jeito de Elvis Presley ou da Makarova procede licitamente. A característica da “individualidade” é só da obra, não da prestação”388.

O encenador, por sua vez, não interpreta ou executa a obra dramática ou dramático-musical (enquanto obras preexistentes), não havendo apresentação pessoal a exigir proteção contra a apropriação mediata por meios técnicos389. Só muito forçadamente, e apenas para justificar o enquadramento do diretor ou encenador na

384

ASCENSÃO, José de Oliveira, 2007, op. cit., pp. 470 e 471.

385

Artigo 3º, “a”, da Convenção Internacional para Proteção aos Artistas Intérpretes ou Executantes, aos Produtores de Fonogramas e aos Organismos de Radiodifusão:

Para os fins da presente Convenção, entende-se por: a) "artistas intérpretes ou executantes", os atores, cantores, músicos, dançarinos e outras pessoas que representem, cantem, recitem, declamem, interpretem ou executem, por qualquer forma, obras literárias ou artísticas;

386

ASCENSÃO, José de Oliveira, 2007, op. cit, pp. 473 e 474.

387

MARONATO, Antonio Carlos, op. cit., p. 45. Walter Moraes já lecionava que a interpretação “(...) caracteriza-se pela presença de uma atividade de elaboração pessoal no desempenho da obra, por um acréscimo de produção intelectual ou um plus de ‘criação’ emanado da personalidade do executante” (MORAES, Walter. Artistas, Intérpretes e Executantes. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1976, p.47).

388

ASCENSÃO, José de Oliveira, 2007, op. cit., p. 469.

389

112 categoria ora apresentada, dir-se-ia que o encenador “interpreta” o texto dramático ou literário para a construção da cena com os atores e demais profissionais artísticos e técnicos envolvidos. Haveria uma distorção absoluta do sentido de artista intérprete e, de todo modo, caso a representação cênica não tivesse como insumo um texto, já não se poderia atribuir ao diretor ou encenador direitos conexos.

Veja-se que a regra legal contida tanto na LDA390 como no CDADC391, de que o “diretor do conjunto” exercerá os direitos conexos dos artistas intérpretes ou executantes, quando houver pluralidade deles (e falta de acordo, consoante o CDADC), não parece estar atribuindo verdadeiro direito conexo ao diretor ou encenador. Primeiro: a regra legal dispõe sobre representação dos artistas, estes sim titulares dos direitos conexos. Segundo: o encenador da peça teatral nem sempre é o “diretor do conjunto”, mas apenas um artista convidado por um grupo de teatro para uma determinada montagem. Sendo assim, nessas hipóteses, nada autorizaria o encenador a ser o representante dos atores, cantores ou músicos que participassem do espetáculo.

Há ainda outro ponto interessante: a lei somente protege os artistas intérpretes ou executantes de obras literárias ou artísticas, protegidas ou não. Sendo assim, na hipótese de o encenador trabalhar com os atores a interpretação de uma lista de supermercado, criando um espetáculo teatral, teríamos a seguinte situação: a apresentação dos atores não poderia ser tutelada pelos direitos conexos, já que a lista de supermercado não se poderia supor obra literária ou artística. E mais: não haveria qualquer atitude ilícita se outros artistas resolvessem ensaiar e apresentar espetáculo idêntico, já que o mesmo não estaria protegido pelas regras do direito autoral, nem mesmo haveria autor de obra intelectual a reinvindicar pra si o exclusivo autoral.

390

Artigo 90, § 1º, da LDA:

§ 1º Quando na interpretação ou na execução participarem vários artistas, seus direitos serão exercidos pelo diretor do conjunto.

391

Artigo 181.º do CDADC:

Artigo 181.º (Representação dos artistas) 1 – Quando na prestação participem vários artistas, os seus direitos serão exercidos, na falta de acordo, pelo director do conjunto. 2 – Não havendo director do conjunto, os actores serão representados pelo encenador e os membros da orquestra ou os membros do coro pelo maestro ou director respectivo.

113

No documento A encenação no teatro e o direito de autor (páginas 110-113)