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Estatuto da Rainha Ana

2. COMPREENSÃO DOGMÁTICA DO DIREITO AUTORAL

2.2 Breve análise da evolução histórica do Direito Autoral

2.2.4 Estatuto da Rainha Ana

Em 1710, na Inglaterra, reconhecendo aos autores o direito exclusivo de imprimir e dispor das cópias de quaisquer livros – o qual poderia ser transferido ao

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LEITE, Eduardo Lycurgo. A História do Direito de Autor no Ocidente e os Tipos Móveis de

Gutenberg. Revista de Direito Autoral, São Paulo, Ano I, n. II, fevereiro de 2005, pp. 143 e 144.

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ZANINI, Leonardo Estevam de Assis, 2014, op. cit., p. 216.

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Leonardo Zanini afirma ainda que “o filósofo atacava o caráter perpétuo do privilégio, que levava os membros da Company of Stationers a produzir edições caras e de péssima qualidade, bem como se opunha ao ato que autorizava a Coroa a inspecionar a casa daqueles que eram suspeitos de possuir livros em situação irregular, o que fomentava perseguições. Ademais, asseverava que o monopólio sacrificava a liberdade de imprensa, de comércio e de cultura” (ZANINI, Leonardo Estevam de Assis, 2014, op.cit. p. 218).

33 editor – é aprovada a primeira lei de direitos autorais, denominado Estatuto da Rainha Ana, também designada Copyright Act71.

Leonardo Zanini destaca, em relação à nova regulamentação, o seguinte:

O objetivo precípuo do novo sistema não era a proteção dos autores, pretendia--se regular o comércio de livros na ausência de monopólio e censura (PATTERSON,1968, p. 143). Desse modo, o reconhecimento de direitos aos autores no Estatuto da Rainha Ana deu-se de forma meramente incidental72.

Alguns dos mandamentos fundamentais da lei inglesa foram, em relação aos livros ainda não publicados na data do referido estatuto, a concessão do monopólio a todos os autores pelo período de 14 (quatorze) anos, contados da primeira publicação, com possibilidade de renovação por igual período, se o autor ainda estivesse vivo; para os livros já publicados, a concessão de um período único de proteção, improrrogável, de 21 (vinte e um) anos; a adoção de sanção que punia os infratores com multa73, além da perda dos livros contrafactados.

A natureza da reparação aos infratores era econômica, assim como no sistema de privilégios, e não foi objeto de normatização a violação a direitos morais do autor. Entretanto, tratou-se de “evidente avanço na regulamentação dos direitos de edição, por consistir em regras de caráter genérico e aplicável a todos, e não mais privilégios específicos garantidos a livreiros individualmente”74.

Na França, em 1777, antes da revolução que se aproximava, em razão do conflito de interesses entre livreiros75 e da defesa dos direitos de autor por determinados grupos sociais, como advogados, altos funcionários e escritores como Rousseau e

71

NETTO, José Carlos Costa, 2008, op. cit., p. 55.

72

ZANINI, Leonardo Estevam de Assis, 2014, op. cit., p. 217.

73

“Multa de um penny para cada folha, sendo metade desta destinada à Coroa britânica e a outra metade ao autor da herança” (STEPHEN STEWARD apud NETTO, José Carlos Costa, 2008, op. cit., p. 22).

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JUNIOR, Sergio Vieira Branco, 2007, op. cit, p.16. Leonardo Zanini, em relação ao Estatuto da Rainha Ana, conclui, entretanto, da seguinte maneira: “Em conclusão, em nossa leitura, como o estatuto não era propriamente uma lei de Direito de Autor, poderia ser considerado uma legislação de transição entre o regime dos privilégios e as modernas leis de direitos autorais, uma vez que possui elementos que remontam aos privilégios, bem como disposições que fazem parte das atuais leis autorais” (ZANINI, Leonardo Estevam de Assis, 2014, p. 219).

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Em Paris, já no início do século XVIII, havia litígios entre os livreiros que sustentavam a necessidade de renovação dos privilégios e aqueles que, por não possuírem privilégios ou possuírem poucos, impugnavam as renovações, sob a alegação de que atentava contra o interesse geral (LIPSZYC, Delia, op.

34 Voltaire, foram promulgados seis decretos que “consagraram pela primeira vez os direitos do autor”76.

Em tais decretos se reconheceu ao autor o direito de editar e vender suas obras, criando-se duas categorias de privilégios: a do editor, limitada e proporcional ao investimento realizado, e do autor, de caráter perpétuo. Delia Lipszyc observa ainda que os decretos eram aplicáveis apenas aos escritores, não atingindo, assim, “os autores de obras teatrais ou musicais”77.

O direito de autor – denominação adotada na França – e o copyright – na Inglaterra e Estados Unidos - se consolidaram a partir desses precedentes legais e das profundas mudanças políticas ocorridas na Europa e no continente americano (Revolução Francesa e independência colonial norte-americana).

Com a Revolução Francesa, foi abolido o sistema de privilégios e a regulamentação que se seguiu consolidou pela primeira vez a noção de propriedade artística e literária, atribuindo ao autor a propriedade da sua criação intelectual.

Em 19/1/1791, foi aprovado pela Assembléia Constituinte da Revolução o decreto que reconheceu aos autores de obras teatrais um monopólio perpétuo de exploração sobre a representação dos seus textos, bem como beneficiando ainda seus herdeiros ou cessionários por cinco anos após a morte do autor78. Já o decreto de 27/7/1793 ampliou o monopólio assegurado pelo decreto de 1791 para a reprodução de obras literárias, musicais e artísticas. Tais decretos perduraram por quase 170 anos com poucas alterações, sendo possível o desenvolvimento de uma jurisprudência de qualidade79, que foi dando contornos mais próximos ao direito de autor que hoje se conhece. É dessa jurisprudência que emerge o reconhecimento do direito moral de autor como um conceito jurídico. O direito moral de autor vai se agregar ao conceito já estabelecido de direitos de propriedade literária e artística, passando, aos poucos, do campo jurisprudencial e doutrinário para o reconhecimento legal, o que ficará mais

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ZANINI, Leonardo Estevam de Assis, 2014, op. cit., p. 219.

77

LIPSZYC, Delia, op. cit., p.33.

78

Pierre-Yves Gautier apud ZANINI, Leonardo Estevam de Assis, 2014, op. cit., p. 219. Restou consagrado aqui o direito de representação, restrito ao âmbito do teatro. Significava que as obras teatrais só poderiam ser representadas em qualquer teatro público com o consentimento formal e por escrito dos autores ou seus herdeiros, sob pena de confisco do produto das apresentações em proveito dos mesmos (CHAVES, Antonio, 1995,op. cit., p. 26).

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35 evidente nas legislações do início do século XX, particularmente após a 1ª Guerra Mundial80.

Leonardo Zanini, afirma, nas conclusões do seu estudo quanto à evolução histórica dos direitos de autor, que:

(...) a construção dos direitos morais se assentou em dois grandes alicerces: a) de um lado, temos a jurisprudência francesa do século XIX, que concebeu um direito cujo objetivo era a proteção dos interesses pessoais dos criadores intelectuais; b) de outro lado, a doutrina alemã da mesma época aprofundou a noção dos direitos da personalidade, o que auxiliou a compreensão e o desenvolvimento dos direitos reconhecidos pela jurisprudência81.