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Questões complementares

No documento A encenação no teatro e o direito de autor (páginas 113-116)

4. A ENCENAÇÃO COMO OBRA AUTORAL

4.8 Questões complementares

Até mesmo em razão da celeuma que sempre existiu quanto aos conceitos de obra dramática, texto dramático, encenação, teatro, espetáculo, mostra-se necessária breve análise do chamado “direito ao espetáculo”, fazendo notar que não se confunde com a obra de encenação, bem como não a afeta.

E mais. Apresenta-se resumidamente o direito do tradutor, que obrigatoriamente tem como insumo do seu trabalho uma obra literária que lhe é anterior, como reforço do quanto defendido nesse trabalho, que é a proteção autoral da obra de encenação e do seu sujeito criador, o diretor teatral.

4.8.1 Direito ao Espetáculo

O chamado direito ao espetáculo, de base consuetudinária e não legal, é defendido pelo autoralista Oliveira Ascensão392. De fato, em todo o mundo há o entendimento de que não é possível a transmissão de qualquer espetáculo público, do qual o teatro, gratuito ou oneroso, é um exemplo, sem a autorização de quem o organizou, mormente o empresário.

Embora englobe espetáculos artísticos, não se restringe. Fala-se em “prestação organizativo-financeira do empresário, que justifica a tutela que recebe”, sendo o objeto do direito o próprio espetáculo, que não poderá ser fixado, transmitido ou retransmitido sem a devida autorização393, a exemplo de uma corrida de Fórmula 1.

Caracteriza-se o direito ao espetáculo como direto, já que só abrange os atos pelos quais se faz a comunicação pública ou atos que sejam preparatórios desta (filmagem, gravação); absoluto, já que se opõe a todos aqueles que possam violar o direito de comunicação pública; e efêmero, pois a intenção é reservar para o empresário a comunicação pública do espetáculo como acontecimento atual, não havendo que se

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O Direito de Arena, previsto na legislação brasileira, e que surgiu a propósito de um espetáculo desportivo público, com entrada paga, e foi atribuído à entidade em que esteja vinculado o atleta, “é afinal apenas um afloramento, de base legal, de um direito mais vasto, de base consuetudinária: o direito ao espetáculo” (ASCENSÃO, José de Oliveira, 2007, op.cit., p. 513)

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114 falar em prazo de proteção. “Quando a cortina da atualidade baixa, o direito extingue- se”394.

Recairia sobre a encenação o direito ao espetáculo?

Durante a temporada de uma determinada peça de teatro, pode-se dizer que haverá incidência do direito ao espetáculo, sim, a ser exercido por quem a organizou. Mas isso não afeta eventual proteção autoral da encenação, assim como não afeta os direitos conexos dos artistas intérpretes e executantes, a quem caberá autorizar futuras comunicações públicas de suas apresentações.

4.8.2 Do direito autoral do tradutor

Em defesa do quanto aqui apresentado em relação a proteção autoral, é válida uma reflexão sobre o trabalho do tradutor. É que, para o labor do tradutor, sempre haverá um texto anterior (obra literária ou artística) como ponto de partida e a LDA395 e o CDADC396 destacam a tradução como criação intelectual nova, inserindo-a como obra protegida.

Quanto às características das obras protegidas pelo regramento jusautoral, destaca-se a originalidade, que é justamente aquele contributo mínimo criativo que a obra deve apresentar a justificar a proteção jusautoral. Teria a atividade do tradutor o caráter de originalidade?

Doutrina e jurisprudência parecem não terem grandes dificuldades em concordar que no trabalho do tradutor há a sua marca pessoal para concepção do texto

394

ASCENSÃO, José de Oliveira, 2007, op. cit., 523.

395

Artigo 7º, inciso XI, da LDA:

Art. 7º São obras intelectuais protegidas as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente no futuro, tais como:

(...)

XI - as adaptações, traduções e outras transformações de obras originais, apresentadas como criação intelectual nova;

396

Artigo 3.º do CDADC:

Artigo 3.º (Obras equiparadas a originais) 1 – São obras equiparadas a originais: a) As traduções, arranjos, instrumentações, dramatizações, cinematizações e outras transformações de qualquer obra, ainda que esta não seja objecto de protecção;

115 de chegada. O professor e tradutor Paulo Henriques Britto, em seu livro A Tradução

Literária, discorre sobre a atividade do tradutor, fazendo a seguinte consideração:

(...) impossível que uma tradução seja absolutamente fiel a um original, por todos os motivos enumerados pelos tradutólogos: um mesmo original pode dar margem a uma multiplicidade de leituras diferentes, sem que tenhamos um meio de determinar de modo absolutamente inquestionável qual delas seria a correta; o idioma do original e o da tradução não são sistemas perfeitamente equivalentes, de modo que nem tudo que se diz num pode ser dito exatamente do mesmo modo no outro; e as avaliações do grau de fidelidade variam (...) ou seja, não há e não pode haver uma fidelidade absoluta e inconteste”397.

O que confere à obra traduzida o caráter de pessoalidade é justamente a escolha das palavras, das expressões, os recursos gramaticais e expressivos que serão escolhidos e hierarquizados pelo tradutor. De todo modo, o próprio Paulo Henriques Britto afirma que a tradução deve corresponder de modo razoável ao texto original.

Por certo, não é toda e qualquer tradução a merecer a proteção jusautoral, já que “uma tradução mecânica ou rotineira não passa os umbrais do direito de autor”398.

Esta sucinta abordagem do trabalho do tradutor não tem como objetivo contestar a proteção conferida pela lei jusautoral às obras traduzidas, mas trazer a seguinte indagação: se há um fácil entendimento de que o trabalho do tradutor, que, ainda que represente a sua expressão criativa, não deixa de recriar a expressão criativa do autor do texto original, merece a proteção jusautoral que lhe está assegurada, não se concebe a grande dificuldade em se compreender o trabalho do encenador, que, ainda que se utilize de um texto preexistente, traz a conhecer uma obra cinética absolutamente nova e original.

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BRITTO, Paulo Henriques. Tradução literária. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2012, pp. 36 e 37.

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