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4. A ENCENAÇÃO COMO OBRA AUTORAL

4.1 A posição da doutrina e jurisprudência

4.1.2 Estados Unidos

Até meados da década de 1990, não havia disputa judicial sobre a proteção autoral do diretor de teatro, do que resulta um debate pouco aprofundado da matéria353. Por certo, a discussão sobre a proteção autoral da direção de palco ganha relevo após a inclusão da obra coreográfica e pantomímica na lista exemplificativa de obras protegidas pelo copyright. Deana Stein, contudo, aponta como diferença fundamental o fato de a direção de palco, separada da obra textual que lhe antecede, dos diálogos que lhe estão subjacentes, não constituir um “trabalho coerente”354. Assim é que, em 1995, o diretor teatral Gerald Gutierrez processou o teatro Drury Lane por violação de seus direitos autorais. Alegou o diretor que, no ano de 1994, o musical foi novamente encenado, com a direção de Gary Griffin, que teria, em verdade, copiado a sua obra de encenação após uma gravação da montagem. O diretor, quando dirigiu o musical The Most Happy Fella, em 1992, anotou as suas direções de palco e as registrou devidamente no Copyright Office, já que, para o sistema cpyrigth, o registro é condição de proteção355.

A doutrina, assim, debruçou-se sobre o tema, tendo John Weidman comentado o caso acima citado:

O senhor Gutierrez tentou proteger o seu trabalho, através do regime dos direitos de autor, ao apresentar uma cópia das suas indicações cênicas, escritas nas margens do texto de Frank Loesser, ao Copyright Office. (...) “The Most Happy Fella” foi apresentado pela primeira vez, na Broadway, em 1956. Nos 35 anos que passaram entre essa primeira apresentação e o seu relançamento por parte de Gutierrez, devem ter havido milhares de produções. Se Gutierrez adquirisse a proteção autoral da sua encenação, então os encenadores de todas as produções apresentadas também o poderiam adquirir. Se tal acontecesse, no decurso das últimas quatro décadas, “The Most Happy Fella” teria deixado de existir enquanto obra literária independente (…), restrigindo de forma desconhecida e imprevisível o direito fundamental do dramaturgo de controlar o que criou356.

353

STEIN, Deana S. “Every move that she makes”: Copyright protection for stage directions and the

fictional character standard, Cardoso Law Review, Vol. 34:1571-2013, p. 1581.

354

STEIN, Deana S., 2013, op. cit., p. 1587. Válido comentar que não se está levando em conta as obras de encenação que não tem como insumo um texto dramático.

355

LEITCHMAN, David. Most Unhappy Collaboratour: Na Argument Against the Recognition of

Property Ownership in Stage Directions. 20 Colum. –VLA J.L. & Art 683 (1995-1996), p. 683.

356

“Mr. Gutierrez attempted to copyright his work by filing a copy of his stage directions, written in the margins of Frank Loesser’s script, with the U.S. Copyright Office.(...) The Most Happy Fella opened on Broadway in 1956. In the 35 years between that opening and Gutierrez’s revival, there must have been thousands of productions. If Gutierrez could acquire copyright ownership of his staging, then the directors

101 Joan Channick, por sua vez, contradiz a conclusão acima:

A discussão sobre a protecção autoral da encenação parece ser baseada no medo que os direitos de um criador vão diminuir os direitos dos restantes. Mas se a encenação é protegida pelo direito de autor, é um trabalho totalmente separado do texto do dramaturgo, do mesmo modo que a coreografia é um trabalho totalmente separado da música do compositor (…). Ou por analogia às obras derivadas, o direito de autor na obra derivada (qualquer adaptação de uma criação para uma forma diferente) não diminui ou afecta os direitos de autor da criação originária e o que é protegido na obra derivada é o novo material criado357

Outro embate judicial sobre o tema vem a ocorrer em 1996, quando o diretor Joe Mantello processa a Caldwell Theater Company, na Flórida, alegando que a produção o espetáculo Love! Valour!Compassion! violou direitos autorais, reproduzindo a encenação de Mantello. O District Court for the Southern District of New York rejeitou o caso, por não ser a jurisdição competente, não se comentando as questões substantivas do caso358.

Em 2006, Edward Einhorn processou a dramaturga Nancy McLernan, que lhe negou o pagamento por sua encenação e coreografia da peça Tam Lin. Einhorn havia sido demitido dias antes da estreia do espetaculo e, segundo ele, a sua encenação foi mantida. O Tribunal apenas abordou a legitimidade do pedido, avaliando as condições contratuais, não chegando a analisar se a encenação de Einhorn deveria ser protegida por direitos autorais.

A dramaturga Nancy McLernan, entretanto, apontou o seguinte:

Os "limites apropriados" relativamente aos direitos de autor de um encenador é não ter qualquer protecção autoral. E não só por razões

of each and every one of these productions could have acquired copyright ownership of theirs as well. Had this happened, over the course of the past four decades The Most Happy Fella would have gradually ceased to exist as an independent piece of literature...restricting-often in unknown and unpredictable ways - the playwright’s fundamental right to control what He has created” (WEIDMAN, Jonh. No Copyright

For Directors. The Dramatist, November-Dezember 1999, pp. 1 e 2)

357

Joan Channick apud MENEZES LEITÃO, Paula Isabel Pratas Teles de. Direitos de Autor na

Encenação de Obras Dramáticas. Dissertação do 2º Ciclo de Estudos conducente ao grau de Mestre em

Direito Forense da Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa: outubro de 2015, pp. 23 e 24.

358

102 legais - o encenador interpreta o texto do dramaturgo, assim como (...) o maestro interpreta uma música de Mozart. Se é aceite o argumento que afirma que a interpretação de um encenador é sujeita a direitos de autor, porque é que um qualquer maestro não sujeita ao regime dos direitos de autor, em seguida, a sua interpretação (…)359.

Apesar de não se pronunciar sobre a questão, o tribunal observou que uma decisão sobre o mérito desta reivindicação exigiria a consideração de uma série de questões, incluindo o exame e a aplicação da exigência de fixação e da doutrina scène à

faire360.

Paula Menezes Leitão escreve:

A doutrina de scènes a faire é, de acordo com Jennifer J. Maxwell, “a limitação mais relevante a nível de direitos de autor, no contexto da encenação”. Esta doutrina “não permite que a parte queixosa prove a violação de direitos de autor, através da divisão da criação em partes não protegidas, porque é a combinação de elementos que proporciona a originalidade mínima requerida para a protecção autoral”. Como vemos, esta doutrina deriva do requisito da originalidade, necessário para a protecção autoral de qualquer obra361.

Desse modo é que cenas individuais cuja encenação tenha “formas óbvias” não são protegidas pelo direito autoral, não havendo que se falar em “aprisionamento” do texto pelo diretor teatral, que parece ser o receio maior dos dramaturgos.

4.2 “Obra dramática” protegida pela LDA como sinônimo de encenação: uma interpretação possível

Após todo o quanto analisado, e ao contrário do entendimento de parte da doutrina, pode-se dizer que a encenação é obra nova, cinética, resultante da ação criativa do diretor de teatro, que coordena todos os elementos artísticos e técnicos nela

359

Nancy McLernan apud MENEZES LEITÃO, Paula Isabel Pratas Teles de, 2015, op. cit., p. 22.

360

STEIN, Deana S., 2013, op. cit., p. 1582.

361

103 envolvidos, derivada ou não de texto dramático, e está prevista no artigo 7º, inciso III, da LDA.

Com efeito, a LDA aponta expressamente como obras “os textos de obras literárias ou artísticas” e “as obras dramáticas ou dramático-musicais”, respectivamente, nos incisos I e III do art.7º. Se se considerar que “obras dramáticas” são os “textos dramáticos”, como o faz a doutrina majoritária, está-se protegendo o gênero - texto literário – e uma das suas espécies - texto dramático. Daí resulta que é perfeitamente possível concluir que a LDA, ao contrário, protege os “textos literários e artísticos” e ainda os “textos teatrais”, expressão sinônima de escrita cênica que nada mais é que a própria encenação.

O fato de a encenação estar ou não mencionada na lista exemplificativa de obras protegidas contida na LDA tem implicações legais. Se está prevista, goza da proteção de presunção362 - presunção relativa, vale dizer. Ou seja, presume-se ab initio que se trata de obra protegida pela lei autoral; somente se a encenação em questão não preencher os requisitos exigidos para a proteção autoral de toda e qualquer obra é que tal condição deve ser alegada e devidamente provada.

É importante salientar que nem toda a encenação será protegida pelo Direito Autoral, mas somente aquela que, preenchendo os demais requisitos já apontados, seja dotada de “originalidade”. Caso a peça teatral que tenha como insumo um texto dramático, por exemplo, se restrinja a seguir as indicações constantes das rubricas do texto, apresentando uma forma óbvia das cenas, não há que se falar em obra autoral.

Como refere Sophie Proust:

Um aspecto paradoxal na qualidade de autor do encenador retem toda a nossa atenção. Efetivamente, para obter esse estatuto, o encenador deve

poder demonstrar a marca da sua personalidade quando,

simultaneamente, deve respeitar o direito de autor da obra original e não alterar a sua natureza. (…). Assim, uma encenação que seja muito “respeitadora” do texto e utilize totalmente as didascálias, por exemplo, impedirá a priori que a obra do encenador tenha protecção autoral”363

362

PROUST, Sophie, 2012, op. cit., p. 52.

363

PROUST, Sophie, 2012, op. cit., p.110. Didascálias são “instruções dadas pelo autor a seus atores (teatro grego , por exemplo), para interpretar o texto dramático. Por extensão, no emprego moderno:

104

No documento A encenação no teatro e o direito de autor (páginas 100-104)