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Os sistemas jurídicos: droit d’auteur e copyright

2. COMPREENSÃO DOGMÁTICA DO DIREITO AUTORAL

2.4 Os sistemas jurídicos: droit d’auteur e copyright

Nos ensinamentos de Delia Lipszyc, o copyright anglo-americano – de orientação comercial, nascido do Estatuto da Rainha Ana, cujo regime jurídico é denominado objetivo, com enfoque principal na obra em si – de um lado, e o direito de autor – de orientação individualista, nascido dos decretos da Revolução Francesa, cujo regime jurídico é denominado subjetivo, focado na tutela do criador intelectual ou autor – de outro, formam a origem da moderna legislação sobre o direito autoral nos países de tradição jurídica baseada no common law e de tradição jurídica continental européia ou latina, respectivamente120.

O common law manteve a visão do sistema de privilégios, já que basicamente não foi afetado pela Revolução Francesa, sendo fundamentalmente utilitarista121. Conforme Oliveira Ascensão,

119

Houve um forte empenho dos Estados Unidos em incorporar o acordo TRIPS na esfera da OMC, em razão da adoção internacional de sanções de natureza comercial como instrumento eficaz no combate da prática ilícita no terreno da propriedade intelectual (NETTO, José Carlos Costa, 2008, op. cit., p. 60).

120

LIPSZYC, Delia, op. cit., p.35.

121

“Neste ponto, aliás, a Constituição norte-americana limitou-se a repercutir a concepção fundamental que já informava o Copyright Act inglês de 1709 (em vigor desde 1710), também conhecido como

Estatuto da Rainha Ana, em cujo preâmbulo se declarava expressamente ser seu propósito <<incentivar

os homens cultos a comporem e escreverem livros úteis>>” (VICENTE, Dário Moura, 2008, op. cit., p.57).

45 Isto conduziu a uma certa materialização do direito de autor. A base do direito era a obra copiável; a faculdade paradigmática era a da reprodução (copyright). O copyright assenta assim principalmente na realização de cópias, de maneira que a utilidade económica da cópia passa a ser mais relevante que a criatividade da matéria a ser copiada122.

Nos países do sistema romanístico do direito, por sua vez, o fundamento do direito de autor era a dignidade da criação intelectual, algo que respeita mais ao autor, pessoa dotada de criatividade, que propriamente à obra, sendo, assim, o objeto de proteção jusautoral neste sistema diverso do copyright.

Apresentando como uma das diferenças fundamentais entre os sistemas a questão da titularidade do direito de autor sobre as obras feitas por encomenda ou em execução de um contrato de trabalho, Dário Moura Vicente aponta que, nos de droit

d’auteur, o direito de exclusivo sobre a obra intelectual é conferida ao criador dela; nos

de copyright, a quem assume o risco financeiro inerente à sua criação123. Em outras palavras, o regime de direito de autor nos sistemas jurídicos continentais é caracterizado por um certo favor auctoris, e nos sistemas anglo-saxônicos, por um monopólio de exploração econômica de uma obra fixada em suporte tangível, especialmente por aquelas pessoas responsáveis pelo investimento na sua criação, por tempo limitado e na medida do interesse do mercado consumidor.

Também o objeto de proteção difere nos dois sistemas. Enquanto a tradição jurídica romanista aponta para a proteção de expressões criativas do homem dotadas de originalidade124, o copyright protege expressões criativas do homem que não sejam copiadas de outra.

Outra importante marca distintiva é o reconhecimento pelo sistema romanístico do chamado direito moral do autor125, que é “o conjunto de faculdades que visam tutelar os interesses não patrimoniais do criador da obra a esta respeitantes, com a reivindicação da sua paternidade e a preservação da sua genuinidade e integridade”126. O sistema jurídico inglês e o norte-americano desconhecem semelhante direito.

122

ASCENSÂO, José de Oliveira. Direito de Autor sem Autor e sem Obra. in Revista de Direito das Novas Tecnologias (no prelo).

123

VICENTE, Dário Moura, 2008, op. cit., p.39.

124

O grau de originalidade exigível, vale dizer, pode ser relativamente baixo mesmo nesse sistema (VICENTE, Dário Moura, 2008, op. cit., p.41).

125

Os direitos morais serão adiante apresentados de forma mais detalhada.

126

46 Quanto aos direitos patrimoniais, tem-se outra distinção nos sistemas de

droit d’auteur e de copyright. Nos primeiros, estão reservados ao criador da obra todas

as formas de utilização e exploração econômica de sua obra por qualquer modalidade existente ou que venha a ser criada127. Nos segundos, ao contrário, enunciam-se taxativamente na lei as formas de utilização das obras intelectuais128.

As exceções aos direitos autorais e conexos estão tipificadas na lei através de uma enumeração exaustiva, nos sistemas droit d’auteur. Nos sistemas de

copyright, as exceções resultam não apenas de regras legais específicas, sendo mais

flexível e mais abrangente, em abstrato, que as regras continentais, “logo, mais favorável ao livre acesso do público aos bens culturais e à criação de novos bens intelectuais (mormente obras derivadas) a partir de obras protegidas”129.

Outra distinção importante refere-se aos direitos conexos, que são aqueles direitos exclusivos, vizinhos ao direito de autor, concedidos, nos sistemas de

droit d’auteur, aos artistas e às entidades que fixam e difundem as suas apresentações:

produtores de fonogramas e organismos de radiodifusão. Esta proteção tende a ser inferior à que é concedida aos autores pelo que respeita às suas obras. Nos sistemas de

copyright, as apresentações dos artistas intérpretes e executantes, bem como o trabalho

de fixação e divulgação das obras realizado pelos produtores de fonogramas e radiodifusores, são protegidas como obras pelo direito de autor.

Muito embora a tendência seja para um certo esbatimento das diferenças entre os dois sistemas, “dado que essa diversidade de concepções radica, em última análise, em diferenças filosóficas, culturais e econômicas, é de supor que ela subsistirá no futuro próximo”130.

127

Artigo 29, inciso X, da LDA:

Art. 29. Depende de autorização prévia e expressa do autor a utilização da obra, por quaisquer modalidades, tais como:

(...)

X- quaisquer outras modalidades de utilização existentes ou que venham a ser inventadas. Artigo 68.º, nº 1, do CDADC:

Artigo 68.º (Formas de utilização)

1 – A exploração e, em geral, a utilização da obra podem fazer-se, segundo a sua espécie e natureza, por qualquer dos modos actualmente conhecidos ou que de futuro o venham a conhecer.

128

VICENTE, Dário Moura, 2008, op. cit., p.45.

129

VICENTE, Dário Moura, 2008, op. cit., p. 49.

130

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