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Enfoque do Planejamento Ecológico da Paisagem: conseqüência da urbanização sobre o território

Capítulo 1 Proteção do Patrimônio Verde Público Urbano

1.4 Crise ambiental e Política da Paisagem

1.4.3 Enfoque do Planejamento Ecológico da Paisagem: conseqüência da urbanização sobre o território

O Planejamento Ecológico da Paisagem tem seu quadro conceitual iniciado no século XIX – nos movimentos de preservação e conservação de remanescentes de ecossistemas naturais – e organizado a partir do final da década de 1960. Contribuiu para a definição do seu corpo teórico e metodológico a obra de Ian McHarg intitulada “Design with Nature” (1969). Outros trabalhos se seguiram tratando da problemática ambiental urbana sob o prisma da urbanização e da transformação do território, tendo grande repercussão as obras de Michael Houg (“Natureza e cidade” de 1995) e de Anne Whiston Spirn (“Jardim de Granito” de 1995). Atualmente, o Planejamento Ecológico da Paisagem incorpora a premissa da sustentabilidade do meio pelo uso equilibrado dos recursos naturais, da convivência das áreas naturais remanescentes com o ambiente urbano, da redução dos conflitos ambientais e o controle dos impactos negativos que causam a sua degradação.

A legislação brasileira, seguindo a pauta das Conferências Internacionais (1960-1990), passa a elaborar, a partir da Constituição Federal de 1988, normas e diretrizes para mitigar os impactos ambientais e atribui à coletividade o direito ao meio ambiente equilibrado, isto é, o desenvolvimento sustentável. O desenvolvimento sustentável pressupõe uma operacionalidade para contribuir para o sucesso econômico da cidade e para a vitalidade sociocultural. Assim, deve ser estabelecida uma política que abranja a totalidade da paisagem e que estabeleça a proteção unificada dos interesses culturais, estéticos, ecológicos, econômicos e sociais do respectivo território.

Em áreas densamente construídas e com alta concentração populacional, como nas capitais brasileiras, os efeitos negativos da urbanização para o conforto térmico e a salubridade da população tem sido facilmente percebidos, ao contrário de outras variantes físicas, como o impacto ambiental causado pelo ruído urbano ou a sombra projetada. As variantes físicas que ocorrem na camada de cobertura

urbana têm conseqüências diretas no consumo de energia elétrica, pois são determinantes na sensação de conforto ou desconforto no interior das edificações, contribuindo para a necessidade de condicionamento artificial que altera o microclima das edificações históricas. Já no recinto urbano, os efeitos da apropriação de recursos ambientais do entorno, juntamente ao desenvolvimento urbano desequilibrado, são as causas da poluição visual (obstruções na paisagem), da poluição sonora e principalmente da poluição ambiental, seja na atmosfera, no terreno ou do lençol freático dos espaços verdes, inclusive nos jardins de interesse histórico.

A produção de poluentes originada pelo tráfego e pelas indústrias são responsáveis por modificações nas condições climáticas dos ambientes urbanos, acarretando prejuízos para a qualidade de vida e o meio ambiente. O efeito dessa mudança climática em escala local é o aumento da temperatura nos centros urbanos mais densos, configurando o fenômeno da “ilha de calor”. Entre as causas que influenciam a formação da ilha de calor, podem ser destacadas: o aumento da área da superfície construída exposta, o aumento da poluição do ar, a redução do fator de visão do céu, as perdas de calor dos edifícios, o aumento do tráfego urbano, o aumento da inércia térmica na escolha dos materiais, o aumento da impermeabilidade e a redução da incidência dos ventos. Ressalta-se que as taxas de ocupação muito altas, o excesso de pavimentação nas áreas de circulação ou mesmo a concentração de construções, tornam a superfície muito reflexiva (aumento térmico do ambiente) e facilitam a ocorrência de inundações, na ocasião de chuvas intensas.

Quanto mais alto o grau de urbanização, maior é a quantidade de radiação armazenada pela excessiva cobertura pavimentada do solo e pelos materiais dos edifícios (“porosidade”). Embora a produção de calor seja grande, devido aos níveis altos de contaminantes atomosféricos, ocorre uma redução da difusão do calor, aliada a uma evaporação reduzida. Esses condicionantes atrapalham, por serem obstáculos, atrapalham a penetração dos ventos, já que a umidade do ar é reduzida. Entre as outras variantes físicas, ressalta-se a ventilação, uma vez que é

conforto térmico em regiões de clima quente e úmido, caso do Rio de Janeiro. O aproveitamento do movimento do ar é importante para a salubridade das populações, sendo que um mínimo de ventilação permanente é indispensável para evitar a transmissão de doenças e, em climas tropicais, contribuir para acelerar a perda da umidade dos corpos e aumentar assim a sensação de conforto térmico.

A velocidade de deslocamento das massas de ar é menor em regiões com maior rugosidade, isto é, densamente construídas, já que perde energia com o atrito. Esta grande turbulência do fluxo do ar causa baixa velocidade do ar ao nível do piso e alta nas maiores alturas, já que na altitude o vento desloca-se livremente. A porosidade dos materiais também influencia o fluxo de ar. Os sítios compactos, ou “sítio opaco” (SOUZA; ROMERO, 2005), acumulam mais calor devido à propriedade térmica dos materiais e se torna fundamental uma maior ventilação para realizar as trocas térmicas. Já um sítio mais poroso, com maior número de espaços verdes dispostos na malha urbana e com variações de gabaritos, são mais fáceis a renovação de ar e a ventilação cruzada. Assim, quanto mais reduzida a velocidade dos ventos, mais tempo será necessário para o deslocamento dos poluentes da atmosfera urbana, inclusive a poluição causada pelo trânsito de veículos.

O impacto do ruído no meio urbano também influencia a permanência dos indivíduos nos espaços, na saúde e na qualidade de vida. Estudos de variação de ruído (BERRETTINI; SILVA; SILVEIRA, 1998) dentro do ambiente urbano indicam que os meios de transporte são os principais emissores de ruído, já que apresentam

uma constância42 em sua produção, com destaque para os emitidos pelos veículos

urbanos. Já não é mais percebido o efeito da “declividade do ruído” dos veículos em vias principais de cidades de médio e grande porte, uma vez que o fluxo é intenso em vários sentidos. Os espaços verdes, com topografias moduladas e grandes maciços de indivíduos vegetais, podem amenizar o impacto acústico de grandes eixos de circulação nas proximidades. As vibrações - causadas também por outros meios de transporte, como aeronaves e trens e metrô - podem interferir

42 Por representarem emissões temporárias são descartadas dos estudos e dos levantamentos de

nível de ruído as fontes originadas por obras civis, shows e eventos artísticos (BERRETTINI; SILVA; SILVEIRA, 1998).

negativamente no sítio do espaço verde, por ser prejudicial à permanência humana e da fauna do local.

As vibrações no subsolo são graves, pois podem gerar recalques43 que

comprometem a estrutura de conjuntos edificados de valor histórico e da flora local do jardim de interesse histórico. Podem ser produzidas pela ação de cargas verticais das edificações e pelo movimento de terra durante os trabalhos de fundações de novos empreendimentos imobiliários no entorno. Em terrenos originados de aterros ou com lençol freático muito próximo, a execução de fundações profundas pode afetar as águas dormentes dos jardins de interesse histórico, provocando um desequilíbrio que atinge o desenvolvimento da flora local.

A sombra projetada de edificações está sempre presente nos recintos urbanos. Esta característica é um fator importante para a debilitação dos espaços verdes. O crescimento urbano e a especulação imobiliária tendem a verticalizar as construções, especialmente ao redor de áreas valorizadas, gerando obstáculos à entrada de iluminação natural e à ventilação, prejudicando a condição dos jardins históricos ali situados.

Outro fator característico do crescimento urbano são as obras de infra- estrutura (principalmente com o objetivo de ampliar o sistema de transportes), as quais tendem a sacrificar partes ou mesmo espaços verdes inteiros. Essas iniciativas podem, inclusive, deturpar os jardins de interesse histórico, uma vez que comprometem a integridade da composição paisagística de valor patrimonial e possíveis vestígios arqueológicos de um sítio histórico. Acaba-se por perder parte importante da cobertura vegetal do recinto urbano.

O desmatamento da cobertura vegetal44 contribui para a ocorrência de

deslizamento de terras, assoreamento e contaminação do ciclo hídrico na cidade. Por sua vez, a descarga de resíduos sólidos e líquidos e de efluentes industriais e

43 O terreno natural pode não resistir à descarga das fundações e causar deformações diferenciais

residenciais contribui para a contaminação das nascentes dos rios. Tal contaminação impede uma captação da água sem que se introduza um sistema de tratamento para o consumo humano. Esse tratamento tem que ser químico e, caso não controlado, pode acarretar danos ou prejudicar a saúde dos animais domésticos e do ser humano. Muitos resíduos são altamente poluentes e podem contaminar os solos, os lençóis freáticos, os rios e as nascentes, e em especial, quando estão nas vizinhanças de lixões ou de aterros sanitários.

O ciclo hídrico na cidade também sofre impacto com a impermeabilidade do solo urbano. As águas pluviais deveriam, pela permeabilidade do solo, ser drenadas naturalmente, mas o excesso de superfícies impermeáveis acarreta enchentes e, novamente, deslizamentos de terra. As bacias hidrográficas que abastecem os lençóis freáticos podem estar contaminados por resíduos sólidos prejudicando o desenvolvimento e germinação nos espaços verdes, assim, acelerando a degradação da flora e perda da fauna local.

As variantes físicas contribuem na ambiência de um sítio de valor patrimonial, como os jardins de interesse histórico, de maneira que seus impactos podem aumentar a rapidez e intensidade do processo de deterioração e descaracterização do patrimônio. O estabelecimento de indicadores45 físicos, ambientais, sociais e econômicos para a sustentabilidade e qualidade do ambiente urbano são propostos na década de 1980. Contribuem para o debate e o incentivo a estudos sobre os indicadores de impactos produzidos por atividades antrópicas ao meio ambiente e a qualidade de vida no espaço urbano os seguintes documentos internacionais: a Declaração de Estocolmo (Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente/ UNEP, 1972), a Carta do Rio (Organização das Nações Unidas para o Meio Ambiente/ UNEP, 1992) e mais recentemente a Convenção Européia da Paisagem (Comitê de Ministros do Conselho da Europa, 2000).

45 Indicadores são estatísticas que fornecem informações sobre as tendências e comportamentos de

determinados fenômenos. São medidas ao longo do tempo e mensuradas em um determinado espaço. As qualidades dos indicadores são de sintetizar e refletir da forma mais próxima à realidade, permitir coerência estatística e lógica, comunicar eficientemente o estado do fenômeno observado, ser válido, e atender as necessidades dos seus usuários (ROMERO, 2005).

Entre os modelos de indicadores, o modelo dividido em “Pressão, Estado e Resposta” desenvolvido pela Organization for Economic Co-operation and

Development (OECD) é muito utilizado pelos pesquisadores do campo (ROMERO,

2005). Os indicadores de pressão ambiental estabelecem as pressões antrópicas exercidas sobre o meio ambiente que causam mudanças qualitativas e quantitativas nos recursos naturais. Já os indicadores de estado (ou condições ambientais) estabelecem o “estado” do meio ambiente e seu desenvolvimento ao longo do tempo. E os indicadores de resposta correspondem às políticas para mitigar ou prevenir impactos negativos induzidos pelas atividades humanas.

No Brasil, ainda não se tem indicadores que meçam os impactos da urbanização no que tange a sua relação com as pré-existências de interesse patrimonial. Por isso, é crucial que o monitoramento e controle da qualidade ambiental utilize métodos de identificação de impactos. Tais métodos podem ser de vários tipos, sendo os mais usuais, as checklists, as matrizes, os métodos quantitativos, as redes e os mapas sobrepostos. A busca é pelo agente causador, de maneira a contribuir para uma estratégia de gestão da conservação patrimonial que a longo prazo poderá criar indicadores de sustentabilidade intra-urbana. O estudo, de escopo interdisciplinar, desse sistema de indicadores pode gerar índices de qualidade e de vulnerabilidade do ambiente urbano, aplicados à preservação do patrimônio cultural.

Os indicadores de ventilação, ruído e sombra projetada irão contribuir com parâmetros para a realização de diagnósticos, de monitoramentos e para a definição de prioridades de programas e projetos de política da paisagem, incluída nestas a ação de preservação do patrimônio verde público urbano. Esses impactos de variantes físicas podem e devem ser minimizados através de uma política de paisagem que promova a implantação e o manejo de espaços verdes nos sítios urbanos, controlando a densidade de ocupação, permeabilidade do solo, índices de elevação e fluxos viários. A degradação dos espaços verdes urbanos representa não só perdas à qualidade ambiental da malha urbana (microclima), mas também lacunas em nosso passado histórico e o comprometimento de nossa herança patrimonial.