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Capítulo 1 Proteção do Patrimônio Verde Público Urbano

1.5 Patrimônio Verde Público Urbano Carioca: implicações da proteção dos jardins de interesse histórico na contemporaneidade

1.5.3 Intervenções incompatíveis em jardins de interesse histórico

Na cidade do Rio de Janeiro, as diferentes gestões da Prefeitura ao longo dos anos recentes têm proposto projetos polêmicos para os espaços verdes, que encontram justificativas pelo prisma da “eficiência”. Neste processo, os órgãos de preservação são vistos como ameaças às medidas de “renovação urbana” e seus profissionais alvo de ofensas e desrespeito.

Desde 1999, projetos desenvolvidos pela Prefeitura do Rio de Janeiro para o Parque Brigadeiro Eduardo Gomes têm sido objeto de embargos e restrições pelo IPHAN. A partir de denúncias de irregularidade na Marina da Glória e no Restaurante Porcão Rio´s, o IPHAN acionou judicialmente a prefeitura por ter permitido as obras. As obras faziam parte de um projeto de revitalização, cujo projeto elaborado desviava a Marina de suas funções náuticas. Caso permitido, essas mudanças desvirtuariam o parque público. O arquiteto e então prefeito Luiz Paulo Conde em entrevista acusou o superintende regional (6ªSR) do IPHAN, o arquiteto José Pêssoa55, de incompetência por criar obstáculos às mudanças

promovidas pelo “Projeto de revitalização” do parque:

Lá [na 6ªSR do IPHAN] estão pessoas, com alguma exceções, que nunca fizeram nada. Esse José Pêssoa (superintendente do IPHAN) é um bobo, nunca desenhou nem um canil, é um incompetente que nunca escreveu ou desenhou uma linha que preste. Ele é um pau- mandado de político (Luiz Paulo Conde, Jornal do Brasil, Cidade, 29/10/1999).

55 O arquiteto José Pêssoa foi premiado na Bienal de Quito 2008 pelo livro “Atlas dos Centros

Em 2000, uma parte do terreno do Jardim de Alah (trecho da praça da Grécia), foi cedida para a criação do Espaço Olímpico Brasileiro, um centro cultural do Comitê Olímpico Brasileiro (COB). O projeto previa espaço para museu, cafeteria, ponto comercial e local de espetáculos (Figura 10). Além da concessão por 10 anos, estaria ao encargo da instituição a adequação da Praça Grécia. A obra foi embargada por ação civil pública por desconfiança de irregularidades e baseada nos artigos 235 da Lei Orgânica do Município e 66 (inciso 1) do Código Civil, os quais afirmam que as praças e jardins são parte do patrimônio público inalienável, não podendo ser cedidas ou concedidas. Como o jardim não é protegido ou tutelado em nenhuma esfera, a Divisão do Patrimônio Cultural (DGPC), órgão da Prefeitura responsável pelo patrimônio cultural, não havia sido consultado sobre a obra.

A associação local de moradores (Ama-Já) acusava que o processo de licitação tinha caráter fraudulento e de interesse especulativo, uma vez que não teria sido realizado um relatório de impacto ambiental, tendo o empreendimento características de um mini-shopping center. Ainda segundo a associação, embora o terreno do centro cultural ficasse em uma área isolada, o terreno cedido ao COB avançava em uma área de interesse histórico. Enquanto a associação de moradores defendia a manutenção da vocação à contemplação da área, o Prefeito Luiz Paulo Conde e o arquiteto do projeto, Paulo Casé, mostravam insensibilidade quanto à proposta de preservar a contemplação e o entorno de um jardim de interesse histórico:

As atividades hoje têm que ser ativas, e não passivas. O conceito da paisagem bucólica é ultrapassado; por isso é preciso que o equipamento se integre ao ambiente. O museu do COB vai dinamizar a região, vai enriquecer um lugar que está morto (CASÉ, 2000 apud Jornal do Brasil, 10/07/2000, grifo nosso).

Já em 2006, foi divulgado um projeto elaborado pelos arquitetos Carlos Meliande e Vera Dodsworth, da Fundação Parques e Jardins da prefeitura da cidade, que previa a construção de uma pirâmide – “réplica” da pirâmide do Museu do Louvre (Paris) - no meio da Praça Paris (Figura 11). A iniciativa foi avaliada como “interessante” pelo Prefeito César Maia, já que poderia ser inaugurada junto aos Jogos Pan-americanos de 2007. O programa da edificação previa a construção, no

escadas rolantes, rampas de acesso para deficientes e elevador, a estrutura seria vazada, pois o revestimento em vidro foi descartado devido ao custo elevado. A implantação desta intervenção repercutiria no deslocamento de uma fileira de seis amendoeiras, árvores tombadas pelo órgão estadual (INEPAC). Em nenhum momento foi avaliado o real impacto dessa construção monumental para o jardim, ou para o seu entorno, cercado por outros espaços verdes de interesse histórico (Passeio Público e Parque Brigadeiro Eduardo Gomes). O sítio do jardim localiza-se em uma área de aterro, cujo lençol freático é muito próximo da superfície e em suas imediações está implantada uma linha de metrô (linha 1). Inclusive, o jardim abriga os respiradouros do metrô. O projeto não foi levado à frente devido à falta de verbas, que deveriam provir da iniciativa privada.

Em 2004, a prefeitura inaugurou na Praça Luis de Camões56 o Memorial Getúlio Vargas, centro cultural projetado por Henock de Almeida. Essa reforma alterou a composição paisagística simétrica da pitoresca praça e a ambiência do conjunto urbanístico formado por edificações ecléticas e pelo Hotel Glória. A escala monumental da edificação semi-enterrada é claramente inadequada e incoerente com o contexto do entorno consolidado. O projeto arquitetônico foi projetado antes da escolha de seu sítio e a implantação da edificação não contou com estudos específicos prévios de impactos de vizinhança.

Os poderes públicos não têm conseguido ordenar o crescimento e a renovação urbana harmonizando-os com o desenvolvimento sustentável57 e as pré-existências

no ambiente urbano. A razão é que quando o ambiente urbano é tratado como uma mercadoria, voltada para gerar atraentes vantagens e oportunidades econômicas, acaba por obedecer somente às leis do mercado e não à qualidade de vida. A preservação desse patrimônio esbarra, dessa maneira, com a gestão idealizada pelos administradores públicos. Munidos com o discurso do "desenvolvimento" da cidade através do retorno de capital, são capazes das maiores atrocidades e omissões.

56 Praça fica nas imediações da Praça Nossa Senhora da Glória.

57 Como esclarece Oliveira (2003:16), o desenvolvimento sustentável "[...] significa que o

desenvolvimento deve ser norteado a não exceder a capacidade do meio ambiente para não esgotá- lo ou destruí-lo".

Figura 10 – Perspectiva do Projeto do Museu do COB no Jardim de Alah, na zona sul da cidade do Rio de Janeiro. Discurso oficial da requalificação urbana. Fonte: Jornal do Brasil, Cidade,

10/07/2000.

Figura 11 – Fotomontagem do Projeto de Pirâmide na Praça Paris, no centro do Rio de Janeiro. Discurso oficial da requalificação urbana. Fonte: O Globo, Rio, 18/05/2006.

Capítulo 2 PRESERVAÇÃO DO CONTEXTO URBANO: AMBIENTE E