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Capítulo 3 METODOLOGIA PARA A ANÁLISE E ATUAÇÃO NO ENTORNO DE JARDINS DE INTERESSE HISTÓRICO

3.2. Praça da República

3.2.4 Estudos e delimitação do entorno

O Campo de Santana embora seja tombado pelo estado, não apresenta poligonal de entorno registrado em seus arquivos oficiais. A sua regulação de uso e ocupação é feita pelos instrumentos jurídicos do município, o Corredor Cultural130 (Decreto Municipal nº4141 de 14/01/1983). Nesta abordagem, o Campo de Santana não se configura como bem tombado, mas sim como unidade do conjunto urbanístico do Saara131, composto pelos sobrados característicos que o circundam. No entanto, a ausência da poligonal de entorno de conjuntos urbanísticos - defendida na metodologia de Ruiz (1997) como crucial - gera um isolamento espacial do conjunto urbanístico (Figuras 27 e 28).

Devido ao cancelamento de seu tombamento (1943), o jardim de interesse histórico é reconhecido pelo IPHAN (antigo SPHAN) apenas como entorno de bens tombados em sua vizinhança. Embora o Campo de Santana não tenha sido objeto de processos de entornos para instituir Portarias pelo IPHAN, a descaracterização de sua ambiência foi citada diretamente em outros estudos elaborados pelo instituto no final da década de 1980 (IPHAN, 2007). Esse foi o caso do estudo para uma nova edificação para o Tribunal Regional do Trabalho nas imediações do Campo de Santana, nas proximidades do entorno da Casa da Moeda e Casa de Deodoro, o Processo 72-E-89.

130 Com o objetivo de preservar e revitalizar áreas no Centro da Cidade levando em consideração os

elementos ambientais que representam valores culturais, históricos, arquitetônicos e tradicionais para a população foi criado na década de 1980 o “Plano de Preservação Paisagística e Ambiental” para as áreas consideradas de interesse histórico e arquitetônico localizadas no Centro da Cidade, o chamado “Corredor Cultural” (o atual Área de Proteção do Ambiente Cultural – APAC).

Figura 27 – Vista no interior do Parque do Campo de Santana. Obstrução visual do entorno. Fonte: ANDRADE, 2008.

Figura 28 – Foto aérea das áreas 03 e 04 do Corredor Cultural. Fonte: RIOARTE, 1995:21.

Esse processo do “Entorno da Casa da Moeda e Casa de Deodoro” é também significativo porque apresenta duas propostas de delimitação do entorno baseadas em premissas distintas desenvolvidas no âmbito do SPHAN. O debate, classificado como uma “absoluta divergência conceitual“ (IPHAN, 2007), travado no final da década de 1980, ilustra duas correntes de pensamento, uma proposta pela 6ªDR (Diretoria regional) e outra proposta pela Coordenadoria de Proteção, sobre o entorno: uma buscando adequá-lo a uma realidade presente e outra resgatando o seu papel urbano através da recontextualização histórica (Figuras 29 e 30).

A equipe que elaborou a proposta da 6ªDR usou critérios da Carta de Atenas (1933) para propor o ajardinamento da vizinhança imediata da Casa de Deodoro. Assim, buscando isolar e destacar os monumentos do novo prédio que seria construído, defende a manutenção da ambiência atual do espaço, inclusive sua relação com a Avenida Presidente Vargas e edificações de destacado gabarito da avenida, como o prédio do Banco Itaú (21 pavimentos). Já a equipe de técnicos da Coordenadoria de Proteção apresentou uma contraproposta para resgatar uma ambiência passada, rejeitando, assim, a abertura da Avenida Presidente Vargas como fato urbano e buscando recuperar a leitura espacial original da quadra (IPHAN, 2007).

A justificativa da 6ªDR é fundamentada em decisões anteriores do SPHAN (IPHAN, 2007) que validaram a criação de áreas ajardinadas no entorno da Casa de Deodoro (1963) e defenderam a desapropriação desta área para evitar construções de gabarito elevado (1976), bem como no princípio de que a introdução de áreas ajardinadas serviriam como espaço neutro de separação entre duas temporalidades distintas aceitas. Assim, a proposta estaria conservando as peculiaridades de cada temporalidade: do século XIX, ao qual pertence a Casa de Deodoro, e a do século XX, representada pela Avenida Presidente Vargas. Essa mentalidade esconde uma omissão grave, pois assume a disciplina da preservação como atividade “neutra”, isto é, sem juízo de valor.

Embora aceitemos como correta a implantação de áreas ajardinadas no entorno da Casa de Deodoro, entendemos que a edificação do prédio 1733 da Av. Presidente Vargas, rompeu definitivamente com a

Vargas, concorrendo neste mesmo sentido, estabeleceu nova dimensão, escala urbana e forma de apreensão do conjunto [...] os estudos realizados levaram a uma proposta de integração das novas edificações à linguagem que é peculiar “a Av. Presidente Vargas, adequando-a “a proximidade com os bens tombados [...] Como elemento de integração das novas edificações propostas com as edificações históricas preservadas, utilizamos áreas livres, ajardinadas. Estas áreas verdes, consideradas como de transição e ligação entre o presente e o passado, estabelecem também uma profunda relação com a Praça da República. Resultam ainda na abertura de espaços de lazer e circulação, indispensáveis à harmonização do adensamento vertical proposto e construção ao longo da Av. Presidente Vargas. [...] define os seguintes critérios de ocupação: 1. construção de prédio com gabarito igual ao do número 1733 da Av. Presidente Vargas (21 pavimentos) [...] a lâmina resultante deverá ter como projeção um trapézio com área aproximada de 560,00m² (BARROSO, 1989 apud IPHAN, 2007:45- 46).

Ao contrário, para a Coordenadoria de Proteção não fazia sentido considerar a ambiência atual como referencial, pois a abertura da Avenida Presidente Vargas foi uma iniciativa equivocada:

Como no passado, a proposta da 6ªDR se limita a constatar as intervenções na área estudada sem nenhuma análise crítica. Deste modo, a abertura da Av. Presidente Vargas é apresentada como intervenção compatível que apenas modificou as relações urbanas na área, estabelecendo nova dimensão, escala urbana e forma de apreensão do conjunto. Nenhuma palavra sobre o caráter alienado e arbitrário dessa iniciativa, sobre os prejuízos que causou à cidade ou ainda, sobre o sacrifício inútil de alguns dos melhores exemplares da arquitetura religiosa e civil da cidade. É conveniente lembrar que, para a passagem da avenida tão estéril inaugurou-se dispositivo legal para destombamento do Campo de Santana (ARNAUT, 1989. apud IPHAN, 2007:47, grifo nosso).

Tratava-se, portanto, de uma oportunidade de resgatar a ambiência passada. Essa atitude pró-ativa reivindicava o cumprimento da missão da preservação de não somente mantedora de situações anteriores, mas o papel de produtora de novos relacionamentos das pré-existências com o tecido urbano.

Quando defendemos que os projetos de construção nos entornos das Casas da Moeda e de Deodoro devem ter como premissa o “resgate do papel urbano” daqueles bens, pretendemos afirmar seus valores como elementos referenciados do espaço urbano

carioca, valores que não são identificados na Av. Presidente Vargas

e no prédio 1733 da mesma avenida (ARNAUT, 1989. apud IPHAN, 2007:47, grifo nosso).

Figura 29 – Proposta volumétrica da quadra, segundo estudo da 6ªDiretoria Regional. Fonte: IPHAN, 2007:46.

Figura 30 – Proposta volumétrica da quadra, segundo estudo da Coordenadoria de Proteção. Fonte: IPHAN, 2007:46.

Ao final do processo, foi acatada a posição da Coordenadoria de Proteção, sendo justificado pelo parecer do Conselheiro Gilberto Velho: “[...] Desta forma, a

proposta da Coordenadoria foi recuperar a leitura espacial original da quadra e com isso recontextualizar a casa tombada” (VELHO, 1989. apud IPHAN, 2007: 47,

grifo nosso). A edificação nunca chegou a ser realizada, mas indica a não homogeneidade de percepção do papel do entorno e de seus componentes de legibilidade e ambiência do patrimônio, além de indicar visivelmente a deficiência dos estudos contínuos de entornos dentro do instituto.