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1. INTRODUÇÃO

1.2. Enovelamento de Proteínas

O mecanismo de enovelamento de proteínas é bastante estudado experimentalmente e teoricamente por diversos cientistas. Um grande estímulo para estes estudos é originário do dogma de Anfinsen e o paradoxo de Levinthal.

O dogma de Anfinsen foi postulado a partir de estudos de desenovelamento com a proteína ribonuclease A, onde foi demonstrado que proteínas enovelam-se reversivelmente. Através desta observação, foi instituído que para proteínas pequenas e globulares a estrutura nativa depende apenas da sequência de aminoácidos e das condições do meio para se enovelar, consequentemente, o caminho para seu enovelamento deve levar à uma estrutura termodinamicamente estável. 9,10

Na mesma época, estudos teóricos realizados por Levinthal demonstraram que o enovelamento de uma cadeia polipeptídica, testando todo espaço conformacional possível, levaria um tempo maior que a idade do universo. Entretanto, experimentalmente isso não foi observado. Através dessa evidência, foi sugerido que o processo de enovelamento para uma proteína deve experimentar apenas uma parte do espaço conformacional, pressupondo que existem vias cinéticas de enovelamento. Essa diferença entre o tempo de enovelamento experimental e o tempo calculado ficou conhecido como paradoxo de Levinthal.11

Atualmente, sabe-se que o enovelamento proteico deve satisfazer dois requisitos: a termodinâmica e a cinética. Termodinamicamente a cadeia polipeptídica deve obter uma estrutura nativa única estável em condições fisiológicas e com menor energia livre independente das vias de enovelamento.

7 Cineticamente a cadeia polipeptídica deve obter a estrutura nativa rapidamente, em escala de tempos biológicos. 12, 13

Existem diversas teorias referentes ao enovelamento de proteínas, uma dessas teorias diz que o enovelamento acontece a partir de um colapso hidrofóbico. Nessa etapa, o agrupamento das cadeias laterais de resíduos hidrofóbicos da cadeia polipeptídica ocorre espontaneamente, através de uma etapa rápida, formando um estado mais compacto, denominado de molten globule. A energia de formação desse intermediário é energeticamente estabilizada pelo sequestro das cadeias laterais hidrofóbicas do ambiente aquoso, originando um intermediário em que as cadeias laterais hidrofóbicas são mantidas na parte interna da proteína, enquanto que as cadeias laterais hidrofílicas ficam expostas ao solvente na superfície da proteína (Figura 7). Após a formação do intermediário molten globule, ocorre um rearranjo entre as interações dos resíduos de aminoácidos formando estruturas secundárias e domínios da estrutura nativa, a partir de uma etapa lenta.1,14,15

Figura 7. Etapas do enovelamento de proteínas pela teoria do colapso hidrofóbico. Inicialmente ocorre um colapso hidrofóbico, etapa rápida, no qual, tende-se isolar os resíduos de aminoácidos hidrofóbicos em contato com o solvente, seguido de um rearranjo das cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos através das interações internas que levam a estrutura nativa da cadeia polipeptídica a partir de uma etapa lenta. Nesta figura, os resíduos de aminoácidos hidrofóbicos estão representados em cinza, enquanto que os resíduos de aminoácidos hidrofílicos em branco. 14,15

8 O processo de enovelamento proteico aceito atualmente é descrito através de um funil de potencial de energia, proposto inicialmente por Baldwin, conforme apresentado na Figura 8. A cadeia polipeptídica inicialmente desenovelada possui uma alta energia e grande número de conformações. O afunilamento estrutural buscando obter a menor energia livre ocorre através do colapso e interações entre os resíduos de aminoácidos da cadeia polipeptídica até a proteína alcançar um estado nativo. Essa teoria possibilita a formação do estado nativo através de diversos caminhos. A formação de intermediários estáveis para algumas proteínas pode ocorrer durante o processo de enovelamento sendo encontrados em pequenas depressões no funil denominadas de mínimo locais de energia. 16-19

Figura 8. Representação do funil de potencial de energia de enovelamento e de formação de agregados. A região roxa (esquerda) demonstra o afunilamento da cadeia polipeptídica ocasionada por contatos intramoleculares para o estado nativo da proteína, com menor entropia que a cadeia polipeptídica desenovelada. A região rosa (direita) demonstra as conformações da cadeia polipeptídica se movendo em direção a formação de agregados proteicos (agregado amorfo, oligômero e fibra amilóide) através de contatos intermoleculares. Os funis estão sobrepostos pois a formação de agregados pode ocorrer a partir de intermediários durante o processo de enovelamento, assim como da desestabilização da estrutura nativa. Os agregados proteicos e estruturas parcialmente enoveladas podem ser prevenidas através de chaperonas moleculares.19

9 O processo de enovelamento in vivo é mais complexo devido a fatores presentes no ambiente celular, como força iônica e concentração de proteínas. Em virtude dessa complexidade do processo de enovelamento nesse ambiente, alterações na estrutura nativa de proteínas podem ocorrer, formando proteínas instáveis ou proteínas parcialmente enoveladas que podem favorecer a formação de agregados proteicos a partir da interação intermolecular de cadeias laterais hidrofóbicas, que em estados nativo estariam internalizadas (Figura 8).17-20

A agregação de proteínas desestruturadas ou parcialmente desestruturadas pode inicialmente formar estruturas amorfas, entretanto, interações mais complexas podem levar a formação de agregados proteicos fibrilares altamente organizados perpendicularmente por estruturas ricas em folha beta, denominados de fibras amilóides. Os diferentes tipos de agregados proteicos quando formados em células, se tornam tóxicos e no caso dos seres humanos são os causadores de diversas doenças neurodegenerativas como Parkinson, Alzheimer, Huntington, além de diabetes tipo II, câncer, dentre outras doenças.21,22

Para prevenir a formação de proteínas parcialmente desestruturas, em células, existe uma classe de proteínas denominadas chaperonas moleculares que são capazes de assistir o enovelamento de outras proteínas. Proteínas dessa classe, reconhecem cadeias polipeptídicas parcialmente enoveladas através das regiões hidrofóbicas expostas ao solvente, e a partir da energia liberada pela hidrólise de ATP, as chaperonas moleculares desenovelam essas cadeias polipeptídicas possibilitando um novo enovelamento para esse substrato. Além dessa função, essas proteínas também auxiliam na prevenção da formação de agregados proteicos, na desagregação de agregados proteicos, na translocação de proteínas para compartimentos sub-celulares específicos, assim como, no transporte de proteínas desestruturadas para degradação, colaborando efetivamente com o sistema de controle de qualidade das proteínas na célula. 18,19

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