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Proteômica estrutural por troca de hidrogênio-deutério acoplada

1. INTRODUÇÃO

1.11. Proteômica estrutural por troca de hidrogênio-deutério acoplada

A troca hidrogênio-deutério (HDX) é um fenômeno químico em que os átomos de hidrogênios lábeis de moléculas são trocados por átomos de deutério presente na solução.103 Em peptídeos, existem diversos tipos de átomos de hidrogênio (Figura 18), dentre eles os átomos de hidrogênio associados com átomos de carbono, nitrogênio, oxigênio e enxofre que apresentam diferentes constantes de troca. Os átomos de hidrogênio das cadeias laterais de aminoácidos que possuem os grupos SH, OH e NH apresentam elevadas velocidades de troca, portanto, não permitem determinação de sua cinética utilizando MS. Os átomos de hidrogênio ligados a átomos de carbono não são trocados por átomos de deutério e os átomos de hidrogênio das ligações peptídicas da cadeia principal, por sua vez, apresentam uma velocidade de troca menor quando comparado com a velocidade de troca dos demais átomos de hidrogênio de um peptídeo, portanto, permitem a determinação de sua cinética utilizando MS. A velocidade de troca dos átomos de hidrogênio das ligações peptídicas depende principalmente do grau de exposição desses átomos ao solvente e do perfil de ligações de hidrogênio desses átomos, isto é, hidrogênios envolvidos com ligação de hidrogênio em estruturas secundárias, alfa-hélice e folha beta, apresentam uma velocidade de troca menor quando comparado com hidrogênios de loops (Figura 19). 104,105

29 Figura 18. Tipos de átomos de hidrogênio encontrados em peptídeos. Os diferentes átomos presentes nos resíduos de aminoácidos estão representados em diferentes cores conforme descrito na legenda. Os átomos de hidrogênio das ligações peptídicas da cadeia principal estão representados em amarelo e os demais átomos de hidrogênio representados em verde. Os resíduos de aminoácidos estão representados na forma abreviada com as três letras do código dos aminoácidos.105

Figura 19. Troca hidrogênio-deutério para um determinado complexo proteico. Os átomos de hidrogênio lábeis da cadeia principal (representados como bolas azuis) são trocados por átomos de deutério quando colocados em solução de D2O. Os átomos de hidrogênio

que não se apresentam em ligações de hidrogênio e estão em regiões acessíveis ao solvente são trocados por átomos de deutério rapidamente. Entretanto, átomos de hidrogênio que estão acessíveis ao solvente mas pertencem a algum tipo de estrutura secundária, como alfa-hélice e folhas betas, ou apresentam alguma ligação de hidrogênio são protegidos desta troca. Interações entre cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos podem não perturbar a taxa de incorporação de deutério da cadeia principal. Exemplo baseado na estrutura da lisozima interagindo com anticorpo (PDB 1MEL).103

Existem fatores que influenciam na constante de troca dos átomos de hidrogênio para deutério incluindo pH, temperatura, solvente, pressão e efeito indutivo das cadeias laterais dos aminoácidos vizinhos, sendo que os únicos fatores que podem ser controlados experimentalmente nos ensaios de HDX são

30 pH e temperatura, consequentemente, serão discutidos com mais detalhes a seguir.

O pH do meio é o fator que mais influência na constante de troca, portanto, alterações no pH da solução de 1 unidade podem resultar em uma mudança na constante de troca de 10 vezes, consequentemente, este fator deve ser bem controlado durante os experimentos de HDX. O gráfico das constantes de troca hidrogênio – deutério para os tipos de átomos de hidrogênio presentes em peptídeos em função dos valores de pH podem ser observados na Figura 20, onde verifica-se que para a maioria dos tipos de átomos de hidrogênio a constante de troca mínima ocorre entre os valores de pH 2 e 6, e para os átomos de hidrogênio da cadeia principal da ligação peptídica a menor taxa de troca ocorre aproximadamente em pH 2,5. Por consequência dessas constantes de troca hidrogênio-deutério o valor de pH entre 2,0 e 3,0 da solução é utilizado após os experimentos de troca para diminuir a taxa de troca reversa. Para as reações de troca hidrogênio-deutério são utilizados normalmente os valores de pH nos quais as proteínas são estáveis, entre pH 7,0 e 8,0, em que a constante de troca é cerca de 10000 vezes maior que a constante de troca entre pH 2 e 3. 105,106

Figura 20. Gráfico do logaritmo da constante de troca (kex) hidrogênio-deutério para os

diferentes tipos de hidrogênios lábeis encontrados em proteínas e peptídeos em função do pH da solução. O mínimo de troca para os hidrogênios da cadeia principal é em torno de pH 2,5. As faixas em amarelo demonstram as faixas de pH da solução utilizadas nos experimentos de HDX para realizar as reações de troca (pH 7,0-8,0) e para diminuir a taxa de troca reversa dos ensaios (pH 2,0-3,0). 105

31 A constante de troca do átomo de hidrogênio (kex) da cadeia principal depende da constante da catálise ácida, da constante da catálise básica, assim como da constante de equilíbrio da água, esta função é apresentada na Equação 01.105,106

𝑘𝑒𝑥= 𝑘𝐻3𝑂+[𝐻3𝑂 +] + 𝑘

𝑂𝐻−[𝑂𝐻−] + 𝑘𝐻2𝑂 Eq. 01

Onde, 𝑘𝐻3𝑂+ é constante da catálise ácida, [𝐻3𝑂+] é a concentração de H3O+, 𝑘𝑂𝐻− é a constante da catálise básica, [OH-] é a concentração de hidroxila, e 𝑘𝐻

2𝑂

é a constante de equilíbrio da água.

Além do pH, a temperatura também influencia bastante na constante de troca hidrogênio-deutério, portanto, quanto menor a temperatura de reação, menor o número e frequência de colisões entre as moléculas e menor a constante de troca, assim como todas as reações químicas. Essa dependência pode ser expressa através da equação de Arrhenius (Equação 02). 105,107,108

𝑘 (𝑥)𝑇 = 𝑘(𝑥)293exp (− 𝐸𝑎(𝑥) 𝑅 [ 1 𝑇− 1 293]) Eq. 02

Onde, k(x)T é a constante de velocidade de reação relacionada com a temperatura, k(x)293 é a constante de velocidade da referência a 20 ºC, Ea é a energia de ativação da reação, R a constante de gases e T a temperatura. Um gráfico de valores de constante de troca versus temperatura é apresentado na Figura 21. Este gráfico apresenta os valores de constante de troca hidrogênio- deutério em pH 7,0 para os átomos de hidrogênio da ligação peptídica da cadeia principal para um peptídeo modelo de poli-alanina, onde observa-se que a diferença da constante de troca entre a temperatura ambiente e 0ºC é de cerca de 7 vezes maior. Com isso, nos experimentos de HDX, as reações são realizadas em temperatura ambiente, enquanto que, as análises são realizadas em 0ºC, para evitar a troca reversa. 105

32 Figura 21. Efeitos da temperatura na constante de troca hidrogênio-deutério um peptídeo modelo de poli-alanina em solução com pH 7,0. A equação de Arrhenius foi utilizada para calcular as constantes de troca em diferentes temperaturas. A constante de troca hidrogênio-deutério em 25ºC é aproximadamente 7 vezes maior que a constante de troca hidrogênio-deutério em 0ºC.105

Os experimentos de HDX em proteínas podem ser monitorados por RMN ou MS. Neste trabalho, os ensaios de HDX foram detectados por MS por existir algumas vantagens de realizar detecção por essa técnica, como: utilizar baixas quantidade de amostras, já que são necessários cerca de 10-25 pmol de proteína para cada ponto da cinética de troca hidrogênio-deutério; realizar ensaios com proteína com baixas concentrações (acima de 0,01 µM), o que permite análise de proteínas que formam agregados em concentrações elevadas; e a análise pode ser realizada para complexos proteicos e proteínas com alta massa molecular. 103,105

Para detecção dos ensaios de HDX por MS o fluxograma experimental pode ser observado através da Figura 22, onde primeiramente ocorre a etapa de troca hidrogênio-deutério adicionando um excesso de tampão deuterante (1); seguido da adição de um tampão que diminui a taxa de troca hidrogênio-deutério (tampão desenovelamente de pH 2,5 e temperatura de aproximadamente 0ºC) em diferentes tempo de reação para construir uma cinética de troca (2); digestão enzimática a 15ºC por aproximadamente 3 minutos (3); análise dos peptídeos por

33 LC-MS a 0ºC por aproximadamente 10 minutos (4); processamento dos dados (5); e interpretação dos dados na estrutura das proteínas (6).105

Figura 22. Esquema representativo do experimento de HDX acoplado a MS. (1) Diluição da proteína em tampão D2O. (2) Parar a troca hidrogênio-deutério em diferentes tempos

de incubação para construir a cinética de troca hidrogênio-deutério, utilizando um tampão desenovelante pH 2,5, 0ºC. (3) Digestão das amostras utilizando pepsina. (4) Análise dos peptídeos separados através de cromatografia por MS. (5) Processamento das amostras obtendo informações do número de átomos de deutério incorporados por um determinado peptídeo através da comparação do padrão isotópico deste peptídeo na amostra controle e na amostra da cinética. (6) Interpretação dos dados de incorporação de deutério na estrutura da proteína. 105

Os experimentos de HDX foram realizados utilizando um módulo de HDX automatizado com digestão online à temperatura controlada (15ºC) seguido da separação cromatográfica do peptídeos a 0ºC, desenvolvido pela Waters Co. Esse sistema permite uma alta reprodutibilidade entre as análises, um alto mapa de cobertura das proteínas, além de minimizar a taxa de troca reversa através da baixa temperatura na qual a digestão e cromatografia são realizadas, além da rápida separação cromatográfica. A digestão enzimática das proteínas online é realizada utilizando a enzima pepsina imobilizada em fase sólida, devido às condições experimentais que são necessárias para esse procedimento. Isto é, a pepsina é a única enzima que apresenta o pH ótimo de digestão em cerca de 2,5 e realiza a digestão rápida em cerca de três minutos, podendo também ser

34 utilizada a 15 ºC. Apesar desta enzima não apresentar um sítio de clivagem específico, apresenta reprodutibilidade na digestão entre as amostras.105,109

Apesar das dificuldades apresentadas, HDX-MS tem sido aplicado com sucesso para o estudo de enovelamento e estabilidade de proteínas 110, mudanças conformacionais de proteínas mediante a interação com ligantes 111,112 e no estudo de interação proteína-proteína113. Apesar desta técnica ser bastante utilizada para obter informações de mudanças conformacionais de proteínas, não existe relatos na literatura da aplicação desta técnica em conjunta com as técnicas de ligação cruzada acoplada com MS e modelagem molecular para determinação estrutural de proteínas.

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