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Proteômica estrutural por ligação cruzada acoplada a MS

1. INTRODUÇÃO

1.10. Proteômica estrutural por ligação cruzada acoplada a MS

O fenômeno de ligação cruzada (cross-linking) compreende na união de duas espécies através da formação de uma ligação covalente utilizando um agente de ligação cruzada (ALC). Tais espécies podem representar diferentes classes químicas, variando de proteínas e ácidos nucléicos a partículas sólidas.74 Os ALCs são compostos orgânicos multifuncionais, contendo em geral dois ou três grupos reativos, unidos por uma cadeia espaçadora de comprimento variável.75 Quando em contato com proteínas em solução, os ALC são capazes de se ligar covalentemente nas cadeias laterais dos resíduos de aminoácidos, de acordo com suas respectivas especificidades e que estejam espacialmente separados, no máximo, pela distância da cadeia espaçadora.

24 Os grupos reativos dos ALCs podem ser idênticos (homobifuncionais) ou distintos (heterobifuncionais), permitindo maior versatilidade na especificidade de cada reagente. Como exemplos de grupos reativos mais empregados em ALCs estão os reativos frente a aminas, álcoois e tióis, como ésteres de N- hidróxisuccinimida (NHS) e imidoésteres; frente a ácidos carboxílicos, como carbodiimidas; frente à álcoois, como isocianatos; e específicos para tióis, como maleimidas.74

Atualmente, os ALCs mais utilizados são os reativos com amina primária devido a elevada presença de grupos aminos em proteínas, através de resíduos de lisina ou N-terminal; ao rendimento comparativamente alto de suas reações e à facilidade de sua obtenção (disponíveis comercialmente). Exemplos de ALCs com grupos éster de NHS podem ser observados na Figura 15.

Figura 15. Estrutura do ALC do tipo homobifuncional derivado de ésteres de N- hidróxisuccinimida (NHS) utilizados em experimentos de ligação cruzada com análise por MS.76

Os ALCs tem sido utilizados para estabilização de estruturas espaciais de proteínas, determinação da distância entre grupos reativos em uma mesma proteína ou entre subunidades proteicas, na identificação de receptores de membranas e, mais recentemente, em estudos estruturais de complexos proteicos, aliando-se esta metodologia à análise por MS. 77,78

25 O emprego de MS na análise de produtos de ligação cruzada permite identificar as espécies moleculares contendo os ALCs e obter as informações estruturais desejadas por meio de restrições de distâncias espaciais determinadas a partir dos resíduos de aminoácidos ligados pelo ALC e o tamanho da cadeia espaçadora do ALC. Essa metodologia tem sido muito utilizada atualmente na determinação de regiões de interações entre proteínas, como é o caso de complexos proteicos 79-83 e interação entre proteínas e ligantes 84,85. Um aspecto ainda pouco explorado dessa metodologia é a análise estrutural de proteínas onde se pode unir a modelagem molecular guiada pelas restrições de distância, que pode fornecer modelos de estruturas de proteínas ainda não resolvidas por técnicas de alta resolução.

A aplicação de ligação cruzada acoplada de MS e modelagem molecular para estudo de estruturas de proteínas foi proposta por Young, em 2000, no qual utilizaria as restrições de distâncias obtidas experimentalmente para determinar o tipo de enovelamento caso o número dessas restrições fosse igual a N/10 (onde N é o número de resíduos da proteína) utilizando métodos computacionais. Essa metodologia foi utilizada para provar uma estrutura tridimensional da albumina, já elucidada anteriormente. 86

Atualmente existem alguns estudos utilizando a técnica de ligação cruzada para obter informações sobre a estrutura de proteínas elucidadas por técnicas como RMN ou DRX 75,77,78,86-89. Entretanto, os únicos exemplos da aplicação desta técnica para elucidar estruturas tridimensionais de proteínas com auxílio de modelagem por homologia são da ATPase transportadora de cobre (CopA)90 e da Apolipoproteina A-IV 91,92.

A Figura 16 demonstra a representação esquemática das etapas de determinação estrutural utilizando ligação cruzada, na qual primeiramente, ocorre a reação da proteína alvo com o ALC desejado (1); seguido da digestão tríptica da proteína modificada (2), de modo a gerar peptídeos modificados pelo ALC e peptídeos não-modificados; análise da mistura de peptídeos por LC-MS/MS (3), visando identificar os peptídeos modificados e obter restrições de distâncias entre os resíduos de aminoácidos; agrupamento das restrições de distância obtidas pelo

26 experimento e desenho de um mapa de ligações cruzadas (4); uso do conjunto de restrições de distância na determinação e/ou validação de modelos estruturais compatíveis para a proteína alvo (5).

Figura 16. Esquema representativo da metodologia de ligação cruzada acoplada a MS para obter informações estruturais de proteínas. (1) Reação da proteína com ALC. (2) Digestão enzimática formando peptídeos. (3) Análise da mistura de peptídeos por LC- MS/MS. (4) Agrupamento das restrições de distância obtidas experimentalmente e formação do mapa de ligação cruzada. (5) Utilização das restrições de distância para determinação e/ou validação de modelos estruturais compatíveis com a proteína-alvo.

Através da reação de ligação cruzada da proteína seguida pela digestão enzimática, pode-se obter as espécies de peptídeos modificados com o ALC (Figura 17). Na espécie inter-peptídeo (Figura 17A), a reação de ligação cruzada ocorre entre resíduos de aminoácidos de cadeias peptídicas diferentes fornecendo informações de resíduos espacialmente próximos na estrutura nativa da proteínas. Na espécie intra-peptídeo (Figura 17B), a reação de ligação cruzada ocorre entre resíduos de aminoácidos no mesmo peptídeo, podendo fornecer informação de resíduos que estão espacialmente próximos, assim como informações da estrutura secundária do peptídeo93. Na espécie dead-end (Figura 17C), o ALC apresenta uma extremidade ligada ao resíduo de aminoácido e a outra extremidade

27 hidrolisada, essa espécie fornece informação de exposição do sítio reativo ao solvente.

Figura 17. Esquema representativo das espécies de ligação cruzada. (A) Espécie do tipo inter-peptídeo; (B) Espécie do tipo intra-peptídeo; (C) Espécie do tipo dead-end.

Embora bastante promissora na análise de complexos de proteínas e estruturas de proteínas, a metodologia de ligação cruzada acoplada a MS apresenta alguns desafios a serem vencidos, como detecção e identificação dos peptídeos modificados pelo ALC, pois estes se apresentam em quantidades subestequiométricas quando comparados com os peptídeos não modificados.75,94 Algumas estratégias vem sendo desenvolvidas com objetivo de solucionar esse problema, como: o uso de ALC marcado isotopicamente,96-97 que torna a síntese do ALC mais cara e a análise mais complexa; o uso de ALC modificados com grupos específicos visando purificação por cromatografia de afinidade dos peptídeos modificados, que provoca perda da amostra por extensa manipulação; 98,99 e o uso de ALC cliváveis visando facilitar a detecção dos peptídeos modificados,100-102 que necessita de instrumentos capazes de realizar experimentos de espectros de íons fragmentos do tipo multi-estágio (MSn).

Outro desafio relacionado a essa técnica envolve a necessidade de desenvolver reagentes de ligação cruzada com diferentes especificidades, pois a maioria os ALCs são reativos frente a grupos amino disponíveis em cadeias laterais de lisina e N-terminal de proteínas e, embora esses resíduos apresentem uma razoável frequência média nas proteínas, sua presença é muitas vezes restrita a proteínas específicas.

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1.11.

Proteômica estrutural por troca de hidrogênio-deutério