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na área de português para estrangeiros

2.2 o português brasileiro como língua transnacional

2.2.1 o ensino de Português Língua Estrangeira em Buenos Aires

Na Argentina, o francês dominou como língua de prestígio até 1941. A partir daí, uma reforma educativa instaurou o inglês como língua prioritária, e sua hegemonia pode ser verificada até os dias de hoje no ensino público (cf. ARNOUX; BEIN, 2015). O aumento do interesse pelo português brasileiro aconteceu somente a partir dos anos 2000, quando posicionamentos governamentais favoreceram o fortalecimento do Mercosul para além de relações estritamente comerciais (ARNOUX; BEIN, 2015; RUBIO SCOLA, 2019).

Na nova Ley de Educación Nacional publicada em 2006 (LEN 26.206/2006)120 – que,

entre outras medidas, tornou o ensino secundário obrigatório para a população e afirmou, em seu artigo 52, a importância de “um diálogo mutuamente enriquecedor de conhecimentos e valores entre os povos indígenas e populações étnica, linguística e culturalmente diferentes”121

(ARGENTINA, 2006) –, o inglês deixou de constar explicitamente como obrigatório. Conforme pudemos verificar nos registros ISBN na Argentina, buscas pela palavra-chave “portugués” mostram que a produção editorial local de materiais de português começou nesse ano (com uma única publicação anterior, em dezembro de 2005), o mesmo do lançamento da coleção da FUNCEB.

No entanto, a Argentina não respondeu, naquele momento, à política então estabelecida no Brasil com respeito à obrigatoriedade da oferta do castelhano no ensino público. Somente em 2009 foi promulgada a Lei 26.468,122 que estabeleceu como obrigatória a oferta de ensino

de português nas escolas secundárias e estipulou como prazo de implementação o ano de 2016.

118 RAMEH, C. Português Contemporâneo. Washington: Georgetown University Press, 1971.

119 GUERRERO, S. S. B. Viajando ao Brasil. Assunção: Editora Ilpor, 2012.

120 Disponível em: http://www.inet.edu.ar/wp-content/uploads/2013/03/ley_de_educ_nac1.pdf. Último acesso em:

30 out. 2019.

121 Tradução livre de: “[…] un diálogo mutuamente enriquecedor de conocimientos y valores entre los pueblos

indígenas y poblaciones étnica, lingüística y culturalmente diferentes” (ARGENTINA, 2006).

122 Disponível em: http://www.sindicatouda.org.ar/biblioteca-y-legislacion/ley-26468-inclusion-del-portugues-

Segundo Rubio Scola (2019),

Diferentemente do Brasil, que incluiu o espanhol em suas orientações curriculares (OCEM, 2006) e em programas nacionais de grande alcance (ENEM e PNLD), na Argentina não houve um planejamento para a implementação do português na escola secundária, etapa escolar durante a qual, segundo a lei, sua oferta deveria ser obrigatória. De fato, a lei não chegou nem mesmo a se refletir no “Projeto de melhoria para a formação inicial de professores de nível secundário” (2010), reduzindo-se a uma nota de rodapé nos parâmetros nacionais, Núcleos Prioritários de Aprendizagem de Línguas Estrangeiras elaborados em 2012. Ainda assim, pode-se destacar um avanço na publicação das primeiras propostas didáticas de português pelos ministérios de educação da Cidade de Buenos Aires e da Nação (mesmo que tenham sido apenas três) (RUBIO SCOLA, 2019, p. 239).123

Embora não se tenha efetivado satisfatoriamente no prazo determinado, para Arnoux e Bein (2015),

[...] a promulgação da lei obrigou, pelo menos, que se pensasse sobre o espaço das línguas estrangeiras, incluindo o status do português; e, na medida em que estabeleceu o “caráter optativo” para os estudantes, obrigou também que fossem pensadas formas de sensibilizar funcionários, docentes e a população em seu conjunto acerca da importância do ensino de línguas no processo estratégico de integração regional sul-americano (ARNOUX; BEIN, 2015, p. 27).124

No que concerne ao ensino de português fora do sistema educacional público da cidade de Buenos Aires, podem ser verificadas iniciativas pelo menos desde a década de 1950. O Centro de Estudos Brasileiros (CEB) começou suas atividades em 1954 e se manteve até a inauguração da Fundación Centro de Estudos Brasileiros (Funceb) em 1996, instituição

123 Tradução livre de: “[…] a diferencia de Brasil, que incluyó el español en sus orientaciones curriculares (OCEM,

2006) y en programas nacionales de gran alcance (ENEM y PNLD), en Argentina no hubo una planificación para la implementación del portugués en la escuela secundaria, etapa escolar durante la cual, según la ley, su oferta debía ser obligatoria. De hecho, la ley ni siquiera llegó a reflejarse en el “Proyecto de mejora para la formación inicial de profesores para el nivel secundario” (2010) y quedó marginalizada a una nota a pie de página en los lineamientos nacionales, Núcleos de Aprendizaje Prioritarios de Lenguas Extranjeras elaborados en 2012. Sin embargo, un avance que podemos destacar fue la publicación de las primeras propuestas didácticas de portugués por los ministerios de educación de la Ciudad de Buenos Aires y de la Nación, aunque solo fueron tres” (RUBIO SCOLA, 2019, p. 239).

124 Tradução livre de: “[…] al menos la promulgación de la ley ha obligado a pensar el espacio de las lenguas

extranjeras, incluido el estatuto del portugués; y, en la medida en que establece el “carácter optativo” para los estudiantes, ha obligado también a estudiar las formas de sensibilizar a los funcionarios, a los docentes y a la población en su conjunto respecto de la importancia de la enseñanza de lenguas en el proceso estratégico de integración regional sudamericano” (ARNOUX; BEIN, 2015, p. 27).

privada que também mantinha suas atividades em estreita relação com a embaixada brasileira. Segundo dados registrados por Contursi (2010) a partir do site da embaixada à época,

“as origens da Funceb remontam a 1954, quando foi criado o Centro de Estudos Brasileiros em Buenos Aires, que integrava a estrutura da Embaixada e regulava as diretrizes culturais do Ministério de Relações Exteriores brasileiro. Com a finalidade de outorgar uma maior independência e capacidade de gestão àquela estrutura, decitiu-se converter o CEB em uma Fundação autônoma, transformando sua organização jurídica.” Foi assim que o CEB se transformou em Fundação em outubro de 1996, a partir de um processo de “privatização” dos Centros de Estudos Brasileiros distribuídos pelo mundo. A Fundação “tem como objetivo a difusão da língua portuguesa e da cultura brasileira na Argentina. Para isso, trabalha conjuntamente com a Embaixada do Brasil, principal responsável por sua manutenção, segundo os termos do Convenio firmado entre ambos.” (CONTURSI, 2010, p. 188, itálicos nossos).125,126

A Funceb encerrou suas atividades em 2013, mesmo ano da criação do Centro Cultural do Brasil-Argentina (CCBA). Parte de seu corpo docente foi contratado mediante concurso público por essa instituição, e outros professores se redistribuíram em outros centros ou acabaram saindo da área.127

O Centro de Língua Portuguesa (CLP)/Camões, I.P., sediado em uma sala do Instituto

de Enseñanza Superior en Lenguas Vivas “Juan Ramón Fernandez” (IES em Lenguas Vivas)

em Buenos Aires, não está neste recorte porque, de acordo com informações obtidas na secretaria do Centro em agosto de 2017, em visita local, ele não oferece cursos de língua próprios, de modo que o ensino de PE tem inserção somente em uma disciplina (“Língua Portuguesa IV”) do Professorado em Português do IES, ministrada pela então leitora Irma Aurélia González. Também fomos informados de que os alunos do Lenguas Vivas podem optar por fazer a disciplina com a leitora do Centro ou com um docente que ensine português

125 Os trechos aspeados na citação – grifados por nós em itálico –foram retirados pela própria autora do site da

Fundação, então hospedado no seguinte endereço, hoje já indisponível: http://www.brasil.org.ar/fundacion-centro- de-estudos-brasileiros-funceb/.

126 Tradução livre de: “[…] ‘los orígenes de la FUNCEB se remontan al año 1954, cuando fue creado el Centro de

Estudios Brasileños en Buenos Aires, que integraba la estructura de la Embajada y regula las directivas culturales del Ministerio de Relaciones Exteriores brasileño. A fines de otorgarle mayor independencia y capacidad de gestión a aquella estructura, se decidió convertir el CEB en una Fundación autónoma, transformando su organización jurídica’. Fue así que el CEB se convirtió en Fundación en octubre de 1996, a partir de un proceso de ‘privatización’ de los Centros de Estudios Brasileños distribuidos por el mundo. La Fundación ‘tiene como objetivo la difusión de la lengua portuguesa y de la cultura brasileña en la Argentina. Para ello, trabaja en estrecha coordinación con la Embajada del Brasil, principal responsable por su mantenimiento, según los términos del Convenio entre ambas firmado’” (CONTURSI, 2010, p. 188, itálicos nossos).

127 Depoimentos e notícias da época indicam um decurso conflituoso, com processos trabalhistas e abaixo-

assinados de docentes e alunos (cf. “Entrevista a Aurimar Nunes, director del Centro Cultural Brasil-Argentina” – disponível em: https://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/espectaculos/2-29676-2013-08-26.html – e “Ni

voz ni voto”, disponível em: https://www.pagina12.com.ar/diario/suplementos/

brasileiro. Segundo a secretaria, a atuação dessa extensão do CLP na Argentina é mais dirigida ao empréstimo de materiais de seu acervo e à promoção de eventos e oficinas de cunho cultural, além da aplicação do exame de proficiência do CAPLE/Camões, I.P, do que ao ensino da língua portuguesa. Todos os materiais do exame são produzidos em Portugal, e a produção dos examinandos é enviada para Lisboa para avaliação.

Conforme depoimentos coletados em entrevistas com coordenadores da área de português de três das quatro instituições de ensino de PLE selecionadas para compor o córpus, o número de inscrições de alunos teve um aumento expressivo nos anos 2000 e continuou em ascensão até meados de 2012, 2013. Posteriormente, esse número passou a cair drasticamente. A conjuntura de 2016 até este momento é bastante diferente daquela da década anterior – o que se deve, em boa medida, às mudanças de governos na região e, portanto, a sua participação em organismos em que, até há pouco, incentivavam-se iniciativas de intercâmbio na América Latina, especialmente no Cone Sul. Esta nova conjuntura marca posicionamentos que retomam uma aproximação com os Estados Unidos, a exemplo do Governo Macri, na Argentina, e dos Governos Temer e Bolsonaro, no Brasil (cf. ARNOUX, 2017).

O momento que flagramos no mercado editorial de português para estrangeiros no ano de 2017 em Buenos Aires foi interessante porque, até a publicação da primeira versão do Brasil

Intercultural pela Casa do Brasil em 2011 – hoje utilizada, inclusive, em diversos colégios

particulares da província –,128 havia uma única coleção produzida localmente com circulação

expressiva, pelo que pudemos mapear: Um português bem brasileiro, cujos seis volumes começaram a ser publicados pela Funceb em 1996129 e se mantiveram em circulação até o encerramento da Fundação em 2013.

A coleção era usada pela própria Funceb e pelo Centro Universitário de Idiomas (CUI), além de outros possíveis centros de ensino. Nessa época, o Laboratorio de Idiomas da

Universidad de Buenos Aires (UBA) e a Casa do Brasil adotavam livros importados do Brasil

(como é o caso do Bem-Vindo e do Avenida Brasil, citados por coordenadores das instituições mencionadas), ou partes deles (cf. CAPÍTULO 3).

128 Conforme informações do site oficial da coleção. Disponível em:

http://www.brasilintercultural.com.ar/institucionesqueutilizanbi.php. Último acesso em 10 nov. 2019.

129 FUNDACIÓN CENTRO DE ESTUDOS BRASILEIROS – FUNCEB. Um português bem brasileiro. Buenos

Outro material produzido localmente que deixou de ser editado é o livro Horizontes:

rumo à proficiência em Língua Portuguesa (2010),130 que, como mencionamos no CAPÍTULO 1, segue sendo utilizado, ao menos no Laboratorio de Idiomas da UBA, incorporado sob a forma de fotocópia nas apostilas dos níveis 6 e 7 da coleção CM!,131 disponibilizadas aos alunos após autorização concedida por uma das autoras. O livro também era usado na Casa do Brasil até sua saída de circulação, e uma de suas autoras é também autora de dois níveis da coleção BI (ciclos Básico e Intermediário) (MOREIRA et al., 2014; NASCENTE BARBOSA; SCHRÄGLE, 2013a; 2013b).

O fechamento da Funceb e a abertura do CCBA em 2013 – que marca uma retomada do Estado brasileiro na função de disseminação “da língua e da cultura do Brasil” – geraram uma instabilidade significativa na área de PLE em Buenos Aires e uma redistribuição das relações de forças entre as instituições. Ainda que a partir de 2015 tenha havido a liberação das restrições de importações e um aumento na compra de materiais didáticos de línguas estrangeiras em geral na Argentina, no âmbito do PLE houve um aumento da produção local – que ocorreu, inclusive, apesar do custo de impressão expressivamente mais elevado nesse país do que em vizinhos, como se lê na pesquisa realizada pela Cámara Argentina de Publicaciones (CAP):

[…] quando as restrições a importações de livros que vigoraram entre 2010 e 2015 na Argentina terminaram, elas aumentaram significativamente, ainda que, até esse momento, não tenham chegado a recuperar os níveis do ano de 2011. Por outro lado, é importante destacar que o impulso maior desse aumento foi devido a importações industriais, principalmente de livros com ISBN estrangeiro (que aumentaram quase 9 vezes). Essas importações correspondem a edições internacionais, muitas das quais são de livros de textos e manuais para o ensino de idiomas.

[...] O principal motivo das importações industriais mais significativas deve- se aos altos custos argentinos, informado separadamente neste informe (cf. na página 8 a comparação entre custos locais e estrangeiros para um mesmo tipo de livro, que chega a ser o dobro do valor encontrado em parques editoriais de outros países) (CAP,2017, p. 2).132

130 ALMEIDA, A.; NASCENTE BARBOSA, C. Horizontes: rumo à proficiência em língua portuguesa. Buenos

Aires: LiBreAr, 2010.

131 O livro Horizontes também continuou presente em bibliografias de cursos de português de outros centros de

ensino, como por exemplo o da Universidad Nacional del Centro (Unicen), da província de Buenos Aires, até 2016. Nesta instituição, passou a ser substituído, em 2017, pelo Brasil Intercultural (cf.

http://www.unicen.edu.ar/lenguas/Programas/2016/pportuguesintermediosuperior2016.pdf e

http://www.unicen.edu.ar/lenguas/Programas/2017/portuguesintermediosuperior2017.pdf.). Sua fotocópia

também é disponibilizada como apostila dos cursos de níveis 5 e 6 do Laboratorio de Idiomas da UBA em duas fotocopiadoras próximas aos locais em que as aulas são realizadas.

132 Tradução livre de: “[…] al liberarse las restricciones a las importaciones de libros, que rigieron entre 2010 y

2015 en Argentina, estas han aumentado fuertemente, aunque no han llegado todavía a recuperar los niveles del 2011. Por otra parte, es importante destacar que el impulso mayor de este aumento está dado por las importaciones industriales, en particular de libros con ISBN extranjero (aumentaron casi 9 veces). Estas corresponden a ediciones

Uma hipótese possível é a de que o aumento da competitividade no mercado, associado a questões relativas à logística de livros comerciais, levou à necessidade de se “marcar” o lugar de ensino por meio do efeito consagrador que um livro didático próprio produz. De toda forma, essa alteração teve como uma de suas consequências decisões importantes relacionadas aos materiais didáticos usados em cada uma das instituições, culminando na produção de coleções próprias de que trataremos no CAPÍTULO 3 a partir de relatos concedidos por coordenadores, autores e diretores das instituições sobre seu processo de produção.