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1ª PARTE CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA 1 CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

4. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA (LP) COMO

4.4. O Ensino da Língua Portuguesa (LP) como segunda língua (L2) no contexto bilíngue para alunos surdos

A abordagem educacional bilíngue para alunos surdos, desenvolvida a partir da década de 1980, em decorrência das pesquisas sobre as Línguas Gestuais e acerca das comunidades surdas, considera que a Língua Gestual é a primeira língua (L1), e a majoritária da comunidade em que está inserido é a segunda língua do surdo. Dessa forma, a Língua Portuguesa (LP) passa a ser vista como uma segunda língua (L2), como uma língua instrumental, cujo ensino objetiva desenvolver no aluno habilidades de leitura e escrita (Quadros, 1997).

Ao assumirmos a perspectiva de uma educação bilíngue, que não se limita a aspectos linguísticos, psicológicos e pedagógicos, mas implica questões sociais, políticas e culturais, registramos o que Felipe (1995:61) e Skliar (1999:147) afirmam sobre alguns fatores importantes na implementação dessa abordagem educacional. Dentre outros, destacamos o que, no momento, é mais relevante para a nossa pesquisa: a construção de uma metodologia

111 para o ensino da segunda língua, considerando as interferências da língua gestual na escrita da língua oral e o papel da interlíngua produzida pelos alunos surdos no processo de aprendizagem da segunda língua, após a aquisição da primeira língua.

Há várias experiências de educação bilíngue para surdos que visam atender a esse direito da pessoa surda. No entanto, as diferentes experiências continuam reproduzindo um modelo de reparação e de tratamento da pessoa surda, conforme salientam Quadros (1997) e Skliar (1997; 1998).

Segundo Rebelo (2013), não só em Portugal como em outros países, a mudança de paradigma educativo, decorrente das propostas das investigações científicas das últimas décadas nas áreas das Ciências da Educação, veio proporcionar ao aluno surdo um ensino que lhe reconhece o direito à diferença, assegurando-lhe o pleno desenvolvimento cognitivo e comunicativo, e garantir o direito de igualdade no acesso ao currículo e, por extensão, à vida na sociedade ouvinte.

É sabido que, em Portugal, o documento legal que legitima claramente a filosofia bilíngue para a educação dos alunos surdos é o Decreto-Lei n°3/2008, de 7 de janeiro. Esse Documento instituiu a criação de Escolas de Referência para a Educação Bilíngue de Alunos Surdos (EREBAS), determinando igualmente a introdução de áreas específicas no currículo dos alunos surdos: LGP como primeira língua (L1) e Língua Portuguesa (LP) como segunda língua (L2).

Contudo, de acordo com Rebelo (2013), os alicerces do projeto educativo bilíngue viriam a ser reforçados, em 2011, com a homologação do Programa de Português Língua Segunda (PL2) para Alunos Surdos, para os Ensinos Básico e Secundário (Batista et al., 2011). É hoje uma evidência incontornável que a LGP deve ser a primeira língua dos alunos surdos, mas tal constatação não desvirtua a importância da LP como língua de acesso à relação com o mundo ouvinte. Além disso, o desenvolvimento das tecnologias de informação e de comunicação implica que a escrita adquira novos contextos de utilização no cotidiano.

Todo e qualquer programa curricular concebido para o ensino de uma língua segunda deve supor a planificação de atividades de contexto de uso de língua, o mais próximo possível, das reais necessidades da sua utilização em

112 sociedade. De igual forma, o ensino da segunda língua, neste caso, a Língua Portuguesa, deve revestir-se de propostas significativas para o aluno surdo, motivando-o a ler e a escrever com diferentes sentidos e intencionalidades, conforme nos diz Rebelo (2013).

O Programa de Português L2 (PL2) para Alunos Surdos foi elaborado para o 1°, 2° e 3° ciclos do Ensino Básico e Ensino Secundário (Batista et al., 2011). Esse Programa estrutura-se numa matriz comum e não se verifica uma visão estanque dos quatro ciclos – antes se evidencia uma progressão entre eles. Cada ciclo é visto como uma unidade dentro da qual se distribuem os vários conteúdos programáticos, e a gestão do Programa é realizada por cada escola autonomamente, que o articula e implementa-o, considerando o Projeto Educativo, o Projeto Curricular de Turma e o Programa Educativo Individual.

Na investigação realizada como pesquisa doutoral, pudemos conhecer a realidade efetiva na aplicabilidade desse Programa de Português (PL2) em duas EREBAS localizadas no Norte de Portugal.

O Português escrito complementa a LGP, “como seu suporte gráfico, e tem a função de permanência, de registro dos conceitos, da informação, dos saberes” (Baptista et al., 2011: 17). Segundo Baptista e colaboradores (2011), o Programa de Português L2 é hoje uma evidência incontornável que

a LGP tem de ser a primeira língua dos surdos pela simples razão de que é a única acessível nos primeiros anos de vida. (…) Mas o fato de a LGP ser a primeira língua dos surdos não retira a importância da LP como porta de acesso à relação com o mundo ouvinte, começando nos pais e no meio onde vive (Batista et al., 2011:18). Ainda segundo Rebelo (2013), o professor da disciplina de PL2, enquanto agente de desenvolvimento curricular, tem a responsabilidade de operacionalizar o que está disposto no Programa, tendo em conta a realidade educativa da sua escola e os alunos surdos a quem leciona.

Na aula de PL2, determinados termos, sobretudo os que dizem respeito aos aspectos gramaticais, os que se referem à linguística textual e à literatura, não têm ainda gesto correspondente em LGP ou, existindo, não estão estabilizados. Por isso, a criação desse material proporcionará uniformidade, relativamente ao uso de terminologia nas práticas dos professores de LP como L2 e beneficiará os alunos surdos, que poderão aceder ao termo aprendido na

113 aula, por meio do Português escrito e do vídeo em LGP, conforme afirmam Morgado (2013) e Rebelo (2013).

Os autores do Programa de Português L2 (Batista et al., 2011) tomam como referência o modelo antropológico, que considera os surdos como uma minoria linguística e cultural. Defendem, por isso, o ensino do Português enquanto segunda língua numa perspectiva de educação bilíngue. Como está explícito no “Manual de Apoio à Prática para a Educação Bilíngue de Alunos Surdos” (Almeida et al., 2009), advoga-se uma pedagogia da diferença.

O professor ouvinte não pode ensinar um surdo como ensina um ouvinte. Quando ensinamos uma criança surda ou um jovem surdo, temos de utilizar o olhar. A pedagogia tem de utilizar fortemente o olhar. Todo o processo de ensino aprendizagem do surdo deve, de uma forma natural, funcionar com esta sua potencialidade extraordinária, adequando o nosso olhar ao seu (Almeida et al., 2009: 39).

Gomes (2012) destaca que o conceito de “língua segunda” não implica um estatuto de inferioridade, apenas remete a um momento diferente no acesso à sua aprendizagem. Nessa mesma perspectiva, Batista e colaboradores (2011: 7) afirmam que

O percurso linguístico natural dos surdos não tem a ver com a importância relativa da LP ou da LGP. Tem a ver com as características físicas e com as possibilidades de acesso à linguagem em geral e às línguas em particular. As duas línguas são fundamentais para a criança surda, mas é distinto o momento de acesso a cada uma delas.

Segundo Fiorin (2008:23), é preciso compreender que

Não basta saber que o significa cada uma das unidades da língua que compõem esse enunciado, para apreender seu sentido. É preciso perceber as relações dialógicas que ele mantém com outros enunciados do discurso.

Assim, o usuário da língua deve ser capaz de compreender que o enunciado é mais do que um sistema de regras. E, quando se trata do aluno surdo inserido nesse sistema social, a língua portuguesa ganha um lugar de destaque (Moura, 2013).

Essa compreensão nos reporta a um fragmento da Carta de São Paulo aos Coríntios:

114 Há no mundo uma quantidade de línguas e todas elas são compreensíveis. Se, porém, não conheço o sentido das palavras, serei como um estranho diante daquele que fala e também o que me fala será para mim um estranho (Primeira Carta de São Paulo aos Coríntios 14,10-11).

Como já dito anteriormente, a produção escrita dos alunos surdos é foco de muitas pesquisas que procuram demonstrar as principais dificuldades dos alunos surdos. Entre elas, destacam-se a ausência de artigos, flexões verbais e organização frasal que não corresponde à ordem convencional da Língua Portuguesa. Ao produzirem suas frases, obedecem à hierarquia semântica, ou seja, os conteúdos de maior significação e importância são colocados em destaque no início da oração. Além da organização frasal, encontramos, segundo Moura (2013), nos enunciados, a ausência de determinantes e marcações de gênero bem como o uso equivocado de verbos e de preposições.

Isso ocorre devido ao fato de que, ao produzirem enunciados, os alunos surdos elaboram textos escritos com base nas habilidades desenvolvidas em sua primeira língua. Na perspectiva do desenvolvimento cognitivo, a aquisição de uma segunda língua é similar ao processo de aquisição da primeira língua, conforme estudos feitos por Quadros (2006). Nesse processo de aprendizagem, é possível identificar estágios de interlíngua, como afirma Ellis (1997:10):

Entre a primeira e a segunda língua, vários autores identificam a existência da interlíngua, um sistema que apresenta características linguísticas específicas com diferentes níveis de sofisticação até se aproximarem da língua alvo, no caso, a língua gestual portuguesa. Assim, Vygotsky (1988) reivindica que a aprendizagem de uma língua é um processo socialmente mediado. A mediação é um principio fundamental, e a língua é um artefato cultural que medeia as atividades psicológicas e sociais.

Dessa forma, relativamente à estrutura dos Programas de PL2, são enunciadas finalidades que abrangem os quatros ciclos. Apesar de nesta investigação doutoral não nos atermos a uma análise do Programa (PL2) em si, achamos relevante expor as quatro finalidades que o norteiam os quatro ciclos. A primeira finalidade desse Programa é promover uma educação academicamente desafiadora, mas acessível e em que os alunos desenvolvam um sentido positivo de autoestima e uma literacia fundada em bases sólidas. A

115 segunda finalidade é favorecer uma educação bilíngue e bicultural, de modo a formar cidadãos competentes e integrados, tanto na comunidade surda, como na ouvinte. A terceira finalidade é dotar os alunos de competências que lhes permitam ser pensadores críticos, criativos e reflexivos, capazes de tomar decisões e de resolver problemas, cooperando e colaborando efetivamente uns com os outros a fim de alcançarem objetivos comuns em situações de vida e de grupos que refletem diferenças culturais, sociais e acadêmicas. Finalmente, a quarta finalidade desse Programa é contribuir para facilitar o início de um projeto de vida baseado nos interesses, capacidades e características dos alunos, incorporando o conhecimento e a defesa dos seus direitos e mobilizando os recursos disponíveis para uma realização pessoal efetiva (Batista et al., 2011).

Os quatro ciclos do Programa de Português (PL2) apresentam Domínios Temáticos de Referência, eixos que contextualizam as aprendizagens e em torno dos quais se aglutinam os temas referentes à comunicação, pressupondo-se a adoção de uma metodologia próxima da que é utilizada no ensino das línguas estrangeiras. Para o 1°, 2° e 3° ciclos, os Domínios Temáticos de Referência são os mesmos.

Portanto, o Programa baseia-se na filosofia educativa de caráter bilíngue, defendendo a aprendizagem lexical por unidades temáticas na medida em que pressupõe a aquisição e aprendizagem prévias desse mesmo léxico na L1, a LGP. Logicamente, o trabalho articulado entre as duas disciplinas, PL2 e LGP, deve existir para que os mesmos temas sejam estudados nas duas aulas de língua e, assim, viabilizem o desenvolvimento das competências bilíngues que mutuamente se consolidam (idem: 20).

A criação e a aplicação do Programa de PL2 para alunos surdos representam uma das respostas para o ensino desta população, há muito desejada pelos professores de LP como L2 das EREBAS pesquisadas, o que constitui também o enquadramento teórico natural e previsível decorrente da adoção de um novo paradigma na educação dos alunos surdos. Faz, portanto, dois anos que as Escolas de Referência para a Educação Bilíngue de Alunos Surdos (EREBAS) seguem a planificação prevista com adaptações no referido programa, colocando em prática algumas das sugestões metodológicas

116 enunciadas no Programa de Português (PL2) pelo Ministério da Educação (Batista et al., 2011).

No entanto, a recente aplicação – ainda não perfez um ciclo completo de execução – não nos permite tecer grandes considerações, aferir sua pertinência e adequação ao perfil da população escolar surda na dimensão nacional. Só nos é possível, portanto, levantar algumas questões relativas à realidade observada no contexto do ensino de LP como L2 na perspectiva dos professores da LP como L2 dos 1°, 2° e 3° ciclos das EREBAS pesquisadas, ao fazerem uso de estratégias pedagógicas facilitadoras no processo de ensino-aprendizagem da LP como L2 (idem: 21).

Entendemos, pois, que a LGP (Língua Gestual Portuguesa) deverá ser utilizada como meio para ensinar a língua portuguesa e não enquanto direito, que se justifica por si só, de a pessoa surda usar a sua língua, uma língua que traduz a experiência visual.

Segundo Gomes (2012), com a introdução da LGP como primeira língua dos alunos surdos em ensino bilíngue, a Língua Portuguesa passou a enquadrar-se no currículo destes alunos como língua segunda, implicando a existência de um programa curricular próprio. Esse programa não foi, no entanto, publicado ao mesmo tempo que o Programa Curricular de LGP.

Foi apresentado para discussão pública em abril de 2010, promulgado em fevereiro de 2011 e entrou em vigor apenas no ano letivo 2011/2012, para o 1º, 5º, 7º e 10º anos de escolaridade. No enquadramento teórico do Programa de Português L2, salienta-se que a criação desse programa se baseia no pressuposto de que os alunos surdos necessitam de metodologias próprias, consoantes a sua especificidade, “uma abordagem visual do ensino, enquadrada por uma pedagogia surda” (Baptista et al., 2011: 4).

Relembra-se ainda que tal proposta não surge de “decisões políticas infundadas ou de interesses que não são os dos surdos” (ibidem).

Pelo contrário, as mudanças propostas são

o resultado da investigação científica das últimas décadas nas áreas das ciências médicas (neurobiologia da surdez), das ciências da linguagem (linguagem e línguas gestuais) e das ciências da educação (aptidão para a linguagem e ambientes de aprendizagem adequados à educação de surdos) (Baptista et al., 2011: 4).

117 As implicações do reconhecimento do direito linguístico dos surdos a terem acesso à sua língua são as seguintes: aquisição da linguagem; a língua enquanto meio e fim da interação social, cultural, política e científica; a língua como parte da constituição do sujeito, significação de si e reconhecimento da própria imagem diante das relações sociais – conforme defende Vygotsky (1978); a língua enquanto instrumento formal de ensino da língua nativa, ou seja, ensinada, na alfabetização e nas disciplinas de língua gestual, como parte do currículo da formação de pessoas surdas; e, por fim, a língua portuguesa como segunda língua (alfabetização e letramento).

Os professores não acreditam que, por meio da LGP, seja de fato possível discutir avanços científicos e tecnológicos que devem ser trabalhados pela escola. Assim, delega-se à escrita o papel de assumir tal função e, mais uma vez, sobrepõe-se a Língua Portuguesa (língua majoritária) à LGP, como aconteceu ao longo da história de educação dos surdos e ainda acontece (Fischer & Lane, 1993). No entanto, essa situação reflete muito mais uma realidade semelhante à do ensino da Língua Portuguesa no ensino regular, que também tem fracassado, observando-se, é claro, as peculiaridades da LGP.

A aquisição da linguagem por crianças surdas deve ocorrer por meio de uma língua viso-espacial, ou seja, por meio da Língua Gestual – no caso de Portugal, Língua Gestual Portuguesa, a LGP. Isso independe de propostas pedagógicas (desenvolvimento da cidadania, alfabetização, aquisição do Português, aquisição de conhecimento etc.), pois é algo que deve ser pressuposto na educação de alunos surdos (Rebelo, 2013; Sim-Sim, 2005; Morgado, 2013). No caso da LGP, os surdos adquirem-na normalmente por meio do contato com outros surdos também usuários dessa língua. Essa aquisição ocorre com grande êxito, assim como acontece com ouvintes, quando expostos à língua da comunidade em que estão inseridos. A LGP é considerada, portanto, língua natural para os surdos, pois eles apresentam plenas possibilidades de desenvolvê-la sem dificuldades.

Por isso, concordamos com outros autores para os quais a LGP é, ou pelo menos deveria ser, L1 para a maioria dos surdos portugueses – conforme postula Coelho (2010) em vários estudos –, se não houvesse uma defasagem muito grande em relação à aquisição da língua natural dos surdos.

118 Levando em consideração que, hoje, quase a totalidade dos surdos no 1º, 2º ciclos já domina a LGP, resta-lhes adquirir a Língua Portuguesa na modalidade escrita, pois vivem em um país que tem essa língua como oficial. Nesse caso, iremos considerá-la como segunda língua (L2).

Pereira (2013) diz que, na literatura sobre a educação de alunos surdos, muitas vezes se confundem abordagens de ensino com abordagens de exposição à língua. O estabelecimento de abordagem a ser adotada no ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos deve se fundamentar, principalmente, na concepção de língua que será escolhida.

Até a década de 1980, predominou a concepção de língua como um código por meio do qual um emissor comunica mensagens a um receptor. A principal função da linguagem, segundo essa concepção, é a transmissão de informações. De acordo com essa concepção, o texto é visto como produto de codificação de um emissor a ser decodificado pelo leitor/ouvinte, bastando a este o conhecimento do código. A leitura se caracteriza como decodificação de mensagem e a escrita, como codificação de mensagem a ser decodificada por um outro leitor. A ideia central é que, conhecendo o código, o aluno surdo pode compreender e usar corretamente a língua. Dessa forma, no ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos, assim como para os aprendizes de línguas estrangeiras, ensinavam-se as palavras e prosseguia-se com a utilização delas em estruturas frasais, primeiramente simples e depois cada vez mais longas e morfossintaticamente mais complexas. Por meio de exercícios de substituição e repetição, esperava-se que os alunos surdos memorizassem as estruturas frasais trabalhadas e as usassem (Pereira, 2013).

No caso específico dos alunos surdos, a preocupação dos professores em ensinar a Língua Portuguesa levou-os a trabalharem intensivamente o vocabulário com seus alunos. O foco nas palavras resultou na tendência aos alunos surdos se aterem a cada palavra individualmente, sem relacioná-las às outras no texto. O grande número de palavras desconhecidas nos textos provocava desânimo nos alunos surdos e, além de afastá-los da leitura, contribuía para o estabelecimento de uma representação da leitura como difícil e deles como incapazes de ler. Já os professores, por sua vez, evitavam propor textos para os alunos lerem e, quando o faziam, geralmente eram textos adaptados e simplificados, tanto em relação ao vocabulário como às estruturas

119 sintáticas, visando à compreensão deles pelos alunos. Com pouca leitura, o conhecimento da Língua Portuguesa não se ampliava e os alunos apresentavam cada vez mais dificuldades para ler, até se tornarem completamente desinteressados pela leitura (Pereira, 2013).

Já em relação à escrita, ainda segundo a mesma autora acima citada, a ênfase no ensino estruturado da língua e a falta de leitura resultaram no uso de frases estereotipadas, usadas de forma mecânica, nas quais se observava desorganização morfossintática acentuada, frases desestruturadas, sem elementos de ligação, flexões, entre outros elementos. Era como se os alunos surdos aprendessem mecanicamente a língua, de fora para dentro, sem conseguirem fazer uma reflexão sobre o seu funcionamento. As dificuldades eram tão gerais que passaram a atribuí-las à surdez. Assim, os alunos surdos foram representados como incapazes de atribuir sentido à leitura e de produzir sentido na escrita.

Mas, nos anos 1980, por influência das ideias de Vygotsky (1988), a linguagem passou a ser concebida como atividade, como lugar de interação humana, de interlocução, entendida como espaço de produção de linguagem e de constituição de sujeitos. Segundo essa concepção, a língua não está pronta de antemão, dada como um sistema de que o sujeito se apropria para usá-la, mas é (re)construída na atividade de linguagem. Produzir linguagem significa, de acordo com essa concepção, produzir discurso. O discurso, quando produzido, manifesta-se linguisticamente por meio do texto, considerado produto da atividade oral ou escrita que forma um todo significativo, qualquer que seja a sua extensão (Pereira, 2013). Como atividade discursiva, o foco é colocado no texto, e não nos vocábulos, e o objetivo deixa de ser a condução do aprendizado pelo professor e passa a ser o resultado do processo interativo entre professores, alunos e textos. São as situações de uso da escrita que possibilitam a apreensão da sua convencionalidade.

O professor deixa de ocupar o papel principal no processo de ensino- aprendizagem, o de detentor do conhecimento, para assumir o papel de parceiro, ajudando cada aluno a progredir no processo de aprendizagem. Para Pereira (2013), a adoção da concepção de língua como atividade discursiva pela escola trouxe mudanças para o ensino da Língua Portuguesa a alunos surdos. O ensino da língua deixou de obedecer a padrões preestabelecidos

120 pelo professor, que passou a expor os alunos surdos à Língua Portuguesa escrita sem a preocupação de ensiná-los.

Assim, é possível se delinearem duas abordagens de ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos: uma que valorizava o código e outra que valorizava, e ainda valoriza, a atividade discursiva. O professor que valorizava