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1ª PARTE CONTEXTUALIZAÇÃO TEÓRICA 1 CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

4. ESTRATÉGIAS PEDAGÓGICAS UTILIZADAS NO PROCESSO DE ENSINO-APRENDIZAGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA (LP) COMO

4.5. Programa de Língua Não Materna (PLNM): fundamentos e conceitos chave

O Programa de Língua Não Materna ou Português Língua Segunda (PLNM/PL2), que foi homologado em 14 de fevereiro de 2011 pelo MEC/PT, respeita os princípios expressos na Lei de Bases do Sistema Educativo e as orientações e pressupostos das Políticas do Ministério da Educação, tanto para o Ensino Básico quanto para o Secundário.

O Programa de Língua Portuguesa como Segunda Língua (PL2) (Batista et al., 2011) para alunos surdos tem por base uma matriz comum aos diferentes ciclos de ensino, pretendendo, dessa forma, facilitar a sua leitura vertical, evitar uma visão estanque de cada ciclo e evidenciar a progressão entre eles. Esse Programa foi elaborado tendo em conta uma série de referenciais em vigor para os ciclos e níveis de ensino em questão, dentre os quais importa salientar os seguintes: Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001); Programas de Língua Portuguesa do Ensino Básico (2009); Programas de Língua Portuguesa do Ensino Secundário (2001); Programa Nacional de Ensino do Português (iniciado em 2006); Orientações Programáticas de Português Língua Não Materna (disponível em: http://www.dgidc.min-educ.pteducacaoespecial).

Relativamente ao ensino da Língua Portuguesa para alunos surdos, mais uma vez, referimos que isso deve ser feito como aprendizagem de uma

125 segunda língua, pois, de acordo com Afonso (2008:162), “isso implica, evidentemente uma proficiência nas duas línguas que só pode existir se houver um processo normal de aquisição da primeira língua”.

O Programa de português L2 para alunos surdos destina-se a alunos que têm a língua gestual como primeira língua e que frequentam escolas de referência do ensino bilíngue (Ferreira, 2012).

Seguindo essa sequência lógica, após a publicação do Programa de PL2, como já foi dito anteriormente, é necessário agora conceber manuais escolares que sirvam esta disciplina, a Língua Portuguesa (LP) como L2 para alunos surdos, e que permitam a organização funcional dos conteúdos programáticos nas EREBAS.

Essa inovação em nível da aquisição da língua portuguesa como 2ª língua para alunos surdos indica que essa língua tem sido investigada de uma forma mais cuidadosa, pois, mais uma vez referimos, existe a necessidade de se estar atento às especificidades dos alunos surdos.

O Programa de Português L2 para alunos surdos foi apresentado em abril de 2010, no entanto só no ano letivo de 2012, com a homologação por parte da Direção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, é que começou a ser obrigatória a sua aplicação. Nesse momento, publicou-se também a lista de escolas de referência do ensino bilíngue: um total de 23 em todo o país (Ferreira, 2012:73).

Segundo o Decreto-Lei 3/2008, Artigo 23°,

As escolas de referência para a educação bilíngue de alunos surdos a que se refere a alínea a) do n° 2 do artigo 4° constituem uma resposta educativa especializada desenvolvida, em agrupamentos de escolas ou escolas secundárias que concentram estes alunos numa escola, em grupos ou turmas de alunos surdos.

Esse Programa, considerado uma iniciativa inovadora em Portugal, vem reconhecer a língua gestual como a língua natural da criança surda, e a língua portuguesa escrita, como segunda língua. Mediante isso, as escolas têm como principais objetivos na implementação do programa, de acordo com Batista e colaboradores (2011):

assegurar o desenvolvimento da LGP como primeira língua dos alunos surdos;

126 assegurar o desenvolvimento da língua portuguesa escrita como

segunda língua dos alunos surdos;

assegurar às crianças e jovens surdos suportes em nível da terapia da fala, do apoio pedagógico e do reforço das aprendizagens, dos equipamentos e materiais específicos, bem como de outros apoios que devam beneficiar;

organizar e apoiar os processos de transição para a vida pós-escola; criar espaços de reflexão e partilha de conhecimentos e experiências

numa perspectiva transdisciplinar de desenvolvimento de trabalho cooperativo entre profissionais com diferentes formações que desempenham as suas funções com os alunos surdos;

programar e desenvolver ações de formação em LGP para a comunidade escolar e para os familiares dos alunos surdos;

colaborar e desenvolver, com associações de pais e com associações de surdos, ações de diferentes âmbitos, visando à interação entre a comunidade surda e a comunidade ouvinte.

A língua natural é fruto de um contato sistemático com ela própria e, por isso, esse contato é essencial para um surdo desde o seu nascimento, de forma a incutir-lhe um desenvolvimento linguístico adequado. É também fundamental para a aquisição de uma segunda língua (L2), ou seja, a aprendizagem de uma primeira língua (L1) é essencial para facilitar a compreensão de uma segunda língua (L2).

Diante disso, o Ministério da Educação, conforme indica o Manual da Direção Geral de Inovação e de Desenvolvimento Curricular (Batista et al., 2011:4), definiu os seguintes pressupostos:

1°) reconhecer o modelo de educação bilíngue com base na equidade entre língua gestual portuguesa (LGP) e a língua portuguesa (LP) escrita, e na afirmação do grupo minoritário, pressupondo também um modelo bicultural;

2°) considerar a LGP como a língua natural/materna do surdo, como primeira língua, e a língua portuguesa escrita, e eventualmente falada, como segunda língua. O português L2 para alunos surdos não pode ser encarado como uma língua estrangeira, mas como uma língua específica para alunos surdos;

3°) considerar-se o aluno surdo segundo o modelo antropológico da surdez;

127 4°) propõe-se uma abordagem visual do ensino, enquadrada por uma “pedagogia surda”.

Esses pressupostos são reflexos das alterações no nível da educação que tem sido desenvolvida em Portugal, de acordo com as investigações realizadas no âmbito da surdez. Segundo Ferreira (2012), a surdez deixou de ser enquadrada no âmbito da medicina, sendo atualmente abraçada pelos estudos culturais, uma vez que se consideram os surdos como uma minoria linguística e cultural.

Assim, em termos de organização, o Programa de Português L2 para alunos surdos segue uma matriz comum aos diferentes ciclos de ensino com o intuito de facilitar a sua consulta, existindo também articulação entre os vários ciclos de ensino (Batista et al., 2011).

O PLNM/PL2 está organizado em dois blocos importantes. O primeiro apresenta questões gerais – como a estrutura do programa, documentos base e conceitos – e o segundo bloco traz o programa propriamente dito, onde estão inseridas as finalidades e domínios a serem abordados.

Ferreira (2012) recorda que o ensino de uma segunda língua deverá ter uma metodologia diferenciada, visto que ambas as línguas são totalmente diferentes: a L1 é uma língua espaço-visual e a L2 é uma língua oral-auditiva.

Nessa perspectiva, Quadros (1997:84) defende que “a necessidade formal do ensino da língua portuguesa evidencia que essa língua é, por excelência, uma segunda língua para a pessoa surda”.

Por outro lado, o Programa PLNM/PL2 terá que ser flexível de modo a adequar-se às características específicas de cada aluno surdo no contexto local, grupal e individual existente nas EREBAS (Batista et al., 2011).

Em relação às competências específicas (leitura, escrita e conhecimento da língua) da Língua Portuguesa, o PLNM/PL2 assenta-se no conceito-chave de que a aula de língua deve privilegiar o desenvolvimento dessas competências tal como definidas no Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas (2001); nos Programas de Língua Portuguesa do Ensino Básico (2009); nos Programas de Língua Portuguesa do Ensino Secundário (2001); no Programa Nacional de Ensino do Português (iniciado em 2006); e as já citadas Orientações Programáticas de Português Língua Não Materna.

128 Portanto, segundo o QECRL (Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas), complementando-se com as particularidades decorrentes da especificidade das competências específicas (leitura, escrita e conhecimento da língua), entende-se a leitura a partir do seguinte conceito (Batista et al., 2011):

[A leitura é] o processo interativo que se estabelece entre o leitor e o texto, em que o primeiro aprende e constrói o significado ou os significados do segundo. Portanto, a leitura exige vários processos de atuação interligados (decifração de sequências grafemáticas, acesso a informação semântica, construção de conhecimento, etc.); em termos translatos, a leitura pode ainda ser entendida como atividade que incide sobre textos em diversos suportes e linguagens, além da escrita verbal(Batista et al., 2011:15).

No nível da leitura, a imagem visual assume um relevo particular, na medida em que, para o surdo, ela não é apenas ilustrativa ou decorativa, nem tem só a função de motivação. É muito mais que isso. Faz parte da identidade e da cultura surda. A imagem desencadeia a curiosidade e o interesse, mantém a atenção, pelo fato de que à função de motivação se associam as de compreensão, de metamemória, de memorização e de desenvolvimento cognitivo e linguístico (idem: 16).

Já em relação à escrita, segundo o QECRL, entende-se que ela é

o resultado, dotado de significado e conforme a gramática da língua, de um processo de fixação linguística que convoca o conhecimento do sistema de representação gráfica adotado, bem como processos cognitivos e translinguísticos complexos (planejamento, textualização, revisão, correção e reformulação(Batista et al., 2011:17).

Por fim, ainda de acordo com o QERCL, entende-se por competência linguística, a capacidade de mobilizar o conhecimento gramatical para “elaborar e formular mensagens corretas e significativas” (QERCL: 10).

Dada a especificidade do público-alvo – alunos surdos usuários da LGP como primeira língua e Língua Portuguesa escrita como segunda língua –, esse conhecimento gramatical inclui necessariamente a memorização de regras, porque são convenções (ortografia, acentuação gráfica, pontuação etc.) indispensáveis à recepção e produção de enunciados (Batista et al., 2011). Contudo, apesar de se pretender que os alunos sejam capazes de identificar e classificar estruturas da língua, esse conhecimento deve refletir-se positivamente na compreensão e expressão.

129 Assim, o PLNM/PL2 tem a finalidade de promover: a) uma educação academicamente desafiadora, mas acessível e em que os alunos desenvolvam um sentido positivo de autoestima e uma literacia fundada em bases sólidas; b) uma educação bilíngue e bicultural, de modo a formar cidadãos competentes e integrados, tanto na comunidade surda quanto na comunidade ouvinte; c) o desenvolvimento das competências comunicativas, tanto na LGP como em LP, a fim de formar cidadãos interventivos e capazes de interagir em sociedade, com sucesso e autonomia; d) munir os alunos de competências que lhes permitam ser pensadores críticos, criativos e reflexivos, capazes de tomar decisões e de resolver problemas, cooperando e colaborando efetivamente uns com os outros a fim de alcançarem objetivos comuns em situações de vida e de grupos que refletem diferenças culturais, sociais e acadêmicas (Batista et al., 2011).

Além disso, o PLNM/PL2 pretende contribuir para facilitar o início de um projeto de vida baseado nos interesses, capacidades e características do aluno surdo, incorporando o conhecimento e a defesa dos seus direitos e mobilizando os recursos disponíveis para uma realização pessoal efetiva (Batista et al., 2011).

Os domínios temáticos de referência do PLNM/PL2 tomam como ponto de partida o QECRL (Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas), segundo o qual as atividades linguísticas podem ser elencadas no interior de quatro domínios distintos: o público, o privado, o educativo e o profissional.

Portanto, no ensino básico, alvo da nossa pesquisa doutoral, consideramos três domínios temáticos de referência em torno dos quais se aglutinam os temas de comunicação: Eu e família; Eu e os outros; Eu e o mundo (Batista et al., 2011).

A compreensão e a expressão em uma língua implicam o conhecimento de palavras. Sendo o léxico uma ferramenta indispensável à comunicação, é pertinente que ele seja explicitamente ensinado aos alunos surdos que, mesmo em situações ideais – leia-se, mesmo quando são competentes em LGP (L1) –, precisam construir uma competência lexical, o que implica, no seu caso particular, a construção de imagens mentais das palavras escritas. A competência lexical é construída por meio do conhecimento do sentido referencial de novas palavras, mas também da exploração de valores

130 polissêmicos, das suas extensões semânticas e da sua adequação aos contextos de uso (pragmática) (Batista et al., 2011).

Um dos grandes desafios que se coloca aos alunos surdos é a aquisição de um repertório lexical que inclua desde o vocabulário concreto (o nome dos objetos, das partes do corpo humano, da casa, nomes dos parentes etc.) até o mais abstrato, que lhes permitirá, numa fase mais avançada da sua escolarização, ler e escrever sobre ideias, conceitos, filosofia, religião etc. Portanto, a Língua Portuguesa constitui o modo privilegiado para os alunos surdos acederem, contactarem e interagirem com o mundo, com o conhecimento e com a cultura (Orientações Programáticas de Português Língua Não Materna/http://dt.dgidc.min-edu.pt/).

A aprendizagem do léxico por unidades temáticas pressupõe a aquisição e aprendizagem prévias desses mesmos conceitos em LGP. Deverá, portanto, haver uma articulação entre as disciplinas de LGP e de LP como L2 para que os mesmos temas sejam estudados nas duas disciplinas, sempre que necessário, em simultâneo, conforme apregoam os autores do PLNM/PL2. As aulas de LGP e de Língua Portuguesa como segunda língua (L2) devem funcionar de uma forma articulada, permitindo, assim, o desenvolvimento de competências bilíngues que mutuamente se reforçam (Batista et al., 2011).

4.6. Há algum tipo de material pedagógico ao qual podemos recorrer para