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Nesse tópico lançamo-nos a realizar uma apresentação sobre o Ensino Médio em nosso estado entre 1996 e 2017. Como, nesse capítulo, estamos tratando das normativas prescritas pela administração pública frente à questão curricular, manteremos essa base de documentos oficiais também na construção dessa narrativa.

No Estado do Espírito Santo, após a implantação da LBD (1996), foi elaborado em âmbito local, o Plano Estadual de Educação para o período 1996 a 1999, durante o governo Vitor Buaiz (1995 – 1999). Este plano norteou as ações da Secretaria Estadual de Educação frente toda a educação básica. Todavia, podemos observar um destaque para a etapa do Ensino Médio, dado que ele alertava para a necessidade de “ampliar a cobertura de modo a torná-la acessível a todos” (ESPÍRITO SANTO, 1995, p. 91).

Com a mudança de governo por ocasião da posse de José Ignácio Ferreira (1999 – 2002), este plano foi abandonado, servindo mais como um exemplo de que, em nosso país, a educação é vista como projeto de governo e não de Estado. Somente em 2004 tivemos um novo esforço de retomar as discussões em torno de uma política educacional organizada em âmbito estadual, com a publicação do documento Política Educacional do Espírito Santo, que, basicamente, consiste em um relatório diagnóstico da realidade da educação espírito-santense no período. Este documento reconhecia a ausência de integração de ações por parte da Secretaria Estadual de Educação ao afirmar que “[...] a SEDU vinha implementando projetos advindos do Governo Federal ou de Minas Gerais, sem uma necessária articulação entre eles

e, sobretudo sem definição de uma proposta pedagógica que pudesse dar organicidade às ações”. (ESPÍRITO SANTO, 2004, p. 10).

Um novo plano que previa ações articuladas na área da educação, em nosso Estado, foi lançado somente em 2006, no governo de Paulo César Hartung Gomes (2003- 2011), o Plano de Desenvolvimento Espírito Santo 2025. Ele não foi específico para a educação e previa ações integradas que impulsionassem o desenvolvimento do estado em diversas áreas, tais como agricultura, infraestrutura, saúde e segurança60. No que se refere ao ensino médio, ele apontava a necessidade de

reorganização da oferta de infraestrutura específica para o ensino médio da rede pública. Desenvolvimento de modelos pedagógicos que aumentem a atratividade da escola para os jovens. Flexibilização curricular. Equipamento das escolas com laboratórios, bibliotecas e informática para uso pedagógico. Formação e capacitação de professores. Transferência condicionada de renda para atrair e reter jovens carentes entre 15 e 17 anos. Instituição de programa de leitura em todas as séries. Ampliação das oportunidades para Educação de Jovens e Adultos, mediante a concessão de bolsas para utilização no sistema privado e no terceiro setor (ESPIRITO SANTO, 2006, p. 92-93).

Silva (2014) destaca que uma das críticas que podemos tecer em relação a esse plano é o fato dele conceber a educação dentro de uma lógica administrativa empresarial, focada na capacitação de gestores, na busca de resultados, concebendo os sujeitos do universo escolar como capital humano, no qual alunos e demais servidores são tidos como um investimento do qual se espera resultados produtivos. Ele estipulava dezoito metas a serem obtidas ao longo de sua aplicação nos diferentes setores. A meta estipulada para melhoria na qualidade do Ensino Médio seria, até 2010, elevá-lo para “acima de 350 pontos (Português) e 400 (Matemática) nas avaliações do SAEB61”(ESPÍRITO SANTO, 2006, p. 72).

Parte das ações previstas para serem desenvolvidas até 2010 foram implantadas, tais como a oferta do Ensino Médio Profissional Integrado, a adesão ao programa Ensino Médio inovador do Governo Federal, o aumento gradativo do tempo do educando na escola, a elaboração de uma proposta curricular visando a criação de uma identidade mais uniforme às

60 Disponível no site: http://www.planejamento.es.gov.br/default.asp?arq=plano_2025. Acesso em 23 de jun.

2018.

61 O Sistema de Avaliação da Educação Básica – SAEB, instituído em 1990, é composto por um conjunto de

avaliações externas em larga escala e tem como principal objetivo realizar um diagnóstico da educação básica brasileira e de alguns fatores que possam interferir no desempenho do estudante, fornecendo um indicativo sobre a qualidade do ensino ofertado. Em 2005, o SAEB foi reestruturado e passou a ser composto por duas avaliações: a Avaliação Nacional da Educação Básica (ANEB), que manteve as características, os objetivos e os procedimentos da avaliação efetuada até aquele momento pelo SAEB, e a Avaliação Nacional do Rendimento Escolar (Anresc), conhecida como Prova Brasil, criada com o objetivo de avaliar a qualidade do ensino ministrado nas escolas das redes públicas. No Ensino Médio somente a 3ª Série participa dessas avaliações. Em 2013, a Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA) foi incorporada ao Saeb para melhor aferir os níveis de alfabetização e letramento em Língua Portuguesa (leitura e escrita) e Matemática. Fonte: http://portal.inep.gov.br/educacao-basica/saeb. Acesso em: 29 jun. 2018.

escolas estaduais e os programas de capacitação de professores ministrados pela Gerência de Formação e valorização do magistério. Questionamos, o alcance dessas formações, dado que todos os nossos entrevistados relataram não terem acesso à formação continuada ofertada pela Secretaria de Educação em seu horário de trabalho, há pelo menos três anos.

Na sequência das ações do Plano Espírito Santo 2025, no final de 2007, o governo lançou o Plano Estratégico Nova Escola62. Para o Ensino Médio esse plano reforçou as ações previstas no plano 2025 e as metas de se ampliar a universalização e a qualidade desse nível de ensino. Além de ressaltar a imediata necessidade da reestruturação curricular, o que acabou dando origem ao Currículo Base da Escola Estadual (2009), foram feitos investimentos em reforma das unidades escolares, houve a concessão de bolsas de estudo de língua estrangeira em instituições privadas para alunos da rede estadual e a valorização do magistério. Em relação a este último item, o que se observa foi exatamente o oposto disso, pois

Sob a bandeira da qualidade foi instaurada uma nova legislação para regulamentação do sistema estadual de educação; houve a substituição do plano de cargos e salários por uma nova ordem de remuneração do magistério conhecida como subsídio (Lei complementar n° 428, de 17 de dezembro de 2007); o estabelecimento do Programa de Avaliação da Educação Básica do Espírito Santo – PAEBES; implementado o novo currículo básico comum (Portaria nº 143-R, de 17 de novembro de 2009) baseado nas noções de competências e habilidades; instaurado o IDE – Índice de Desenvolvimento da Educação (Lei Complementar nº 504 de 23 de Novembro de 2009) associado à bonificação por desempenho, além de outras medidas coerentes com as perspectivas das políticas de cunho neoliberal. (OLIVEIRA JR., 2013, p. 19 apud OLIVEIRA; LIRIO, 2017, p. 278.)

O plano Nova Escola visava a melhoria nos índices das avalições institucionais de larga escala. Como estas são focadas nas áreas de Língua Portuguesa e Matemática, a Secretaria Estadual implantou o

[...] multicurso Matemática no ensino médio por meio da formação de professores, pedagogos e diretores, material didático para aluno, cadernos pedagógicos para professores e sistema de monitoramento e avaliação de desempenho de alunos e professores: Entre Jovens – A Tutoria Melhorando o Desempenho Escolar que atua em turmas do 1º ano do ensino médio, por meio do reforço escolar em português e matemática, visando ampliar o rendimento escolar e redução das taxas de evasão e reprovação dos alunos (ESPÍRITO SANTO, 2008, p 38).

Silva (2014), baseado em dados do censo escolar (2011), chama a atenção para uma outra situação intrigante. Embora os planos acima mencionados almejassem um aumento do

62 Silva (2014) esclarece que O Plano Estratégico Nova Escola é um documento que evidencia uma agenda de

projetos e ações prioritárias para 2008 e para 2011. A elaboração do plano teve como referências o “Plano de Desenvolvimento – Espírito Santo 2025”, as “Diretrizes Estratégicas 2007-2010 – Mais Oportunidades para os Capixabas” e o “Compromisso Todos pela Educação”.

quantitativo dos alunos no ensino médio, o que se observou foi diminuição nas matrículas, que passaram de 123.602, em 2006, para 112.592 em 2011.

Quadro 4 – Dados educacionais do Ensino Médio no estado do Espírito Santo

Fonte: Censo Escolar – SEDU/GEIA/SEE. Disponível em http://www.SEDU.es.gov.br/web/censo_2011_ref.htm. Acesso em 10 fev.2018

No governo Renato Casagrande (2011 – 2014) as ações na área educacional foram incluídas no Plano estratégico 2011-2014. Este plano continuava enfatizando a busca pela melhoria da qualidade da educação e mantinha a lógica empresarial de eficiência de gestão na busca de metas e resultados. Entretanto, após críticas recebidas em relação a isso, o discurso governamental absorveu também um certo tom humanista, dado que este documento afirmava que “[...] a área de educação merecerá atenção especial, não somente por sua importância na promoção do desenvolvimento sustentável, mas também por sua função como instrumento de valorização das pessoas e consequente inclusão social” (ESPÍRITO SANTO, 2011, p. 23). Em relação ao Ensino Médio a única menção feita por este documento era a previsão de 14 novas unidades de ensino no estado até o ano de 2014.

O atual governo, o de Paulo César Hartung Gomes (2015- 2018), em seu terceiro mandato, repete as características de suas administrações anteriores: uma forte lógica

neoliberal que procura “atender a interesses ancorados na agenda da ONG ES em ação, organismo que congrega diversas empresas de grande porte e que controla a agenda política capixaba, impondo ao conjunto do Estado o seu projeto de desenvolvimento econômico e social”. (OLIVEIRA; LÍRIO, 2017, p.274). A tônica evocada pelo discurso governamental para o início dessa nova gestão foi a da austeridade fiscal e administrativa para sanar os problemas financeiros deixados por seu antecessor. Essa justificativa serviu para a redução de despesas, de investimento nas áreas sociais e de infraestrutura e congelamento de salários dos servidores.

Nesse contexto, o governo lançou, em julho de 2015, o Plano Estadual de Educação para o período 2015/202563. A lógica de gestão da educação com viés tecnocrático64 empresarial, visando ao estabelecimento de metas, com avalições periódicas dos resultados, que coloca em segundo plano o aspecto pedagógico, foi exaltada mais uma vez. Em relação ao Ensino Médio, o foco das ações desse plano se concentra na expansão da oferta de vagas de modo a atender a 100% da demanda dos jovens entre 15 e 17 anos até o fim de sua vigência (Meta 3). Há prioridade em se ofertar a modalidade integrada com a educação profissional. A articulação com o Instituto Federal do ES é muito citada nesta meta. A partir disso, almeja-se elevar a taxa líquida de matrículas no Ensino Médio para 85% (oitenta e cinco por cento).

Esse plano trata também da questão curricular, destacando que, para atingir os índices citados no parágrafo anterior, precede-se a implantação das

Diretrizes Curriculares Nacionais do Ensino Médio a fim de incentivar práticas pedagógicas com abordagens interdisciplinares estruturadas pela relação entre teoria e prática, por meio de currículos escolares que organizem, de maneira flexível e diversificada, conteúdos obrigatórios e eletivos articulados em dimensões como ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte. (ESPÍRITO SANTO B, LEI, 10.382, 2015, ESTRATÉGIA 3.1)

63 Criado pela Lei nº 10.382, publicado no Diário Oficial do Estado do Espírito Santo, o Plano Estadual de

Educação para o período 2015/2025, em cumprimento à Lei Federal n.º 13.005/2014, que aprovou o Plano Nacional de Educação. Composto por um conjunto de 20 metas e dezenas de estratégias, o plano estadual tem por objetivos a superação do analfabetismo, a universalização do ensino, além de elevar os níveis de qualidade da educação, entre outros. Fonte: www,portal.sedu.es.gov.br. Acesso em: 04 jun.2018.

64 A orientação do processo tecnocrático no Estado do Espírito Santo obedece aos preceitos gerais internacionais,

de formatação de parcerias e colegiados multilaterais, esvaziamento dos fóruns do Estado na formulação das políticas públicas, tentativa de “empoderamento” dos setores sociais junto às escolas como forma do estabelecimento de controle social externo, foco na primeira etapa da educação básica, devido às impossibilidades de inserção produtiva, descentralização, monitoramento e controle dos pretensos resultados, aspectos gerencial acentuado em detrimento do fazer pedagógico. (OLIVEIRA JR., 2013, p. 85 apud OLIVEIRA; LIRIO, 2017, p. 279.)

Podemos observar que este plano retoma os temas estruturantes sob os quais foi construído o Currículo Base da Escola Estadual (2009) – ciência, trabalho, linguagens, tecnologia, cultura e esporte –, reforçando a questão do desenvolvimento das competências e habilidades.

Na atual gestão, outro projeto voltado para o Ensino Médio, que o governo tem apontado como sua “menina dos olhos”, é o Programa de educação de tempo integral denominado Escola Viva, criado pela Lei Complementar nº 7.999, publicada no Diário Oficial Estadual em 15 de junho de 2015.

Segundo a propaganda do site da SEDU, esse programa é inovador, pois o aluno tem uma carga horária diária de 9h e 30 min, fazendo refeições na escola. As unidades de ensino que sediam o programa têm moderna estrutura e são amplamente equipadas com recursos pedagógicos para dinamizar o ensino. Em relação ao currículo, além da base de disciplinas obrigatórias estipuladas pelas Diretrizes Nacionais (2013) são ofertadas disciplinas complementares de livre escolha pelos alunos, tais como cinema, fotografia, robótica música, empreendedorismo e teatro. Há também o estímulo ao desenvolvimento de atividades diversificadas, como elaboração do jornal e rádio da escola e a formação de clubes juvenis.

Oliveira e Lírio (2017) em um artigo intitulado O Projeto Escola Viva: a política de

educação neoliberal de Paulo Hartung, no Espírito Santo, defendem que o projeto de

educação integral pública, de qualidade e democrática há tempos defendida pelo magistério e pela sociedade, foi solapada pela Escola Viva.

Os autores destacam que o Programa Escola Viva, implantado em terras capixabas, foi transposto do modelo desenvolvido em Pernambuco, na gestão do governador Eduardo Campos, em que as associações sindicais já denunciavam seu caráter eleitoreiro e empresarial de gestão de resultados. Diferentemente do que argumenta o governo em sua propaganda oficial, que reforça o caráter democrático das discussões para implantação do programa, o fato é que ele foi imposto de forma autoritária sem o devido debate com a sociedade e especialmente com os profissionais de educação. Prova disso é o fato de o mesmo ter sido encaminhado no início de março de 2015 para a votação em regime de urgência na Assembleia Legislativa, dado que o governo planejava o início da implantação para junho deste mesmo ano.

Isso gerou grande mobilização contrária ao projeto por parte do sindicato dos professores, sobre os problemas que a jornada de 40 horas semanais prevista no Escola Viva para o trabalho docente poderia causar na carreira, caso não houvesse acertos na atual legislação construída em torno de 25 horas semanais. O movimento estudantil, a associação de pais e outros movimentos da sociedade civil organizada também não foram ouvidos na

elaboração do projeto. Em virtude dessa pressão, o caráter de urgência da votação foi retirado da Assembleia Legislativa do ES em 19 de março de 2015. Entretanto, a abertura esperada para as discussões não ocorreu e seu texto original foi aprovado na integralidade.

Outro ponto muito questionado nesse programa é o fato de um de seus gestores ser a ONG (Organização Não Governamental) empresarial Espírito Santo em Ação, grande aliada do governo na elaboração de seus programas de planejamento. Essa ONG tem a direção do Instituto de Corresponsabilidade pela Educação (ICE), uma organização de caráter privado, que se tornou a responsável pela coordenação da seleção dos gestores e professores que atuam nas unidades do Escola Viva. Isso reduziu a autonomia do poder público no processo decisório referentes a questões da educação em nosso estado.

Oliveira e Lírio (2017) acrescentam que, após a implantação do Programa, o Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Espírito Santo (SINDIUPES) passou a denunciar o governo que, para priorizar esse programa e enxugar os gastos públicos em educação nas outras etapas da educação básica, procedeu o fechamento de turmas e escolas, transferindo alunos para outras unidades de ensino. Para os pesquisadores é correto afirmar que Programa

Escola Viva constitui, juntamente com outras ações do atual governo, um conjunto de

medidas que têm por objetivo passar adiante a responsabilidade da educação pública para a iniciativa privada. Além disso, “[...] tal projeto evidencia uma face autoritária da gestão Hartung que nega abrir canais de diálogo com a sociedade civil organizada na construção desse e de outros projetos que envolvam a educação”. (OLIVEIRA; LÍRIO, 2017, p. 292).

Objetivando o encerramento desse tópico, pedimos espaço para dois simples esclarecimentos. Primeiro: não estamos tratando da questão do ensino de História nos documentos citados aqui, pois estes não pontuam esse assunto especificamente. Frisamos que na leitura dos planos de governo para educação observamos pouquíssimas menções a uma formação de cunho humanístico e uma predominância pela formação tecnológica. Segundo: outra situação que não pode ser esquecida é que, ao priorizar o Ensino Médio, o governo estadual, por meio de ações de municipalização, repassou às prefeituras a maioria das escolas de ensino fundamental que eram mantidas por ele, reduzindo sua responsabilidade constitucional solidária, prevista no artigo Art. 211, § 3º, da CF 1988, com esse nível de ensino. Hoje muitas prefeituras estão em atrito com o governo estadual, como por exemplo, a de Serra, exigindo que o estado aumente sua contribuição no ensino fundamental, dado que a municipalidade não tem tido condições de arcar sozinha com a crescente demanda de vagas, pois o repasse de verbas por parte do governo estadual tem sido insuficiente.