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1. Ensino Superior: aspectos conceituais/teóricos

1.4 O Ensino Superior Entre os Países Africanos de Língua Portuguesa (PALOP): O Caso

1.4.3 Ensino Superior em Cabo Verde

Na última década (2000-2010) a população cabo-verdiana cresceu de 434.625 habitantes para 491.575 habitantes, um ritmo de crescimento médio anual de 1,23% (INE, 2010).

Com o aumento populacional, é cada vez maior o número de crianças em idade escolar. A população em idade escolar aumenta rapidamente, o que coloca uma forte pressão sobre o sistema de ensino responder a essa demanda, não só no ensino básico e fundamental, mas consequentemente no ensino superior. Os resultados mostram que a

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população cabo-verdiana é jovem. A idade média é de 26,8 anos e 50% da população têm menos de 22 anos (Idem, 2010).

Passada pouco mais de uma década da criação do Ensino Superior em Cabo Verde, pode-se concordar com as palavras do Reitor da Uni-CV (2010): "uma experiência com muita vitalidade". Atualmente, o país conta com um sistema de ensino universitário, com instituições públicas, privadas e coorporativas, que tem estimulado o crescimento de frequências ao ensino superior.

Luís Manuel Alves (Diretor-Geral do Ensino Superior e Ciência do Ministério da Educação, Ciência e Cultura de Cabo Verde em 1998) explica o começo do ensino superior em Cabo Verde da seguinte maneira:

O ensino superior de curta duração (bacharelatos de 3 anos) nasce em Cabo Verde a partir do desenvolvimento de cursos de formação pós- secundária, criados para geralmente responder a necessidades de situações de crise: pela massificação do ensino que enfrentou uma carência de professores foi criados há quase 20 anos o Curso de Formação de Professores, depois Escola de Formação de Professores do Ensino Secundário (EFPES); um pouco mais tarde, para as necessidades da marinha mercante e de pesca em expansão, criou-se a Escola Náutica, depois Centro de Formação Náutica (CFN); e mais recentemente, para o desenvolvimento rural, criaram-se formações pós-secundárias no Instituto Nacional de Investigação Agrária (atual INIDA) (ALVES, 1998).

Sendo assim, o ensino superior visava aperfeiçoar e expandir as estruturas já existentes através de uma formação pós-secundária, com um olhar sobre o mundo empresarial e contando com “as competências cabo-verdianas residentes no país e no estrangeiro e a cooperação com instituições de ensino superior, segundo projetos específicos, e pela potenciação de acordos e convênios” (ALVES, 1998, s/p).

Contudo, os quadros para a formação do ensino superior em Cabo Verde continuaram sendo preparados a maioria no exterior, o que acarretava ao país um elevado custo financeiro frente às poucas possibilidades do país. “Cabo Verde suportara cerca de 60% das despesas de formação de cerca de 1.700 bolsistas espalhados em 160 escolas superiores de uma vintena de países estrangeiros, para além de 600 balseiros que frequentam as escolas nacionais” (ALVES, 1998, s/p).

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Esses dados mostram que Cabo Verde precisaria a médio/longo prazo procurar condições para responder a dois grandes desafios: a grande demanda no ensino superior e a formação dos seus próprios quadros dentro do território nacional. Segundo ALVES (1998, s/p), o cumprimento desses desafios, acabaram sendo traduzidos nos seguintes objetivos do ensino superior no país:

 Formar e qualificar quadros médios e superiores necessários ao desenvolvimento do país.

 Contribuir para a formação de uma massa crítica altamente especializada nos problemas do desenvolvimento de Cabo Verde.

 Facilitar a organização do sector da investigação, através dos recursos humanos e rentabilização dos recursos materiais.

 Aumentar a incorporação no sistema nacional do conhecimento exógeno.

 Contribuir para a criação e/ou reforço de uma capacidade endógena.

 Facilitar a adaptação e diversificação da tecnologia importada.

 Contribuir para a criação de um ambiente necessário à inovação.

Alves (1998) ainda acrescenta que o ensino superior deverá desenvolver-se nas áreas julgadas prioritárias para o desenvolvimento de Cabo Verde, a saber:

 Gestão e aproveitamento de energia, com especial realce para as energias renováveis.

 Gestão e aproveitamento dos recursos hídricos, com ênfase nos recursos hídricos de superfície.

 Desenvolvimento rural sustentável, com tônica nas técnicas de conservação de solo e água, luta contra a erosão e aridicultura.

 Engenharia aplicada à indústria, aos transportes e às comunicações.

 Ciências do mar, gestão e aproveitamento dos recursos haliêuticos e marinhos.

 Ciências da educação, ciências sociais, ciências de gestão, administração pública, gestão e aproveitamento dos recursos do ambiente, turismo.

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Numa primeira fase, de implementação, a Universidade de Cabo Verde constituiu o elemento “federador” das principais instituições de ensino superior e de investigação existentes em Cabo Verde:

 Instituto Superior de Educação (ISE);

 Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar (ISECMAR);

 Instituto Superior de Ciências Econômicas e Empresariais (ISCEE);

 Instituto Pedagógico (IP);

 Centro de Formação e Aperfeiçoamento Administrativo (CENFA);

 Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA);

 Instituto Nacional de Desenvolvimento das Pescas (INDP);

 Instituto Nacional de Energia (INERG);

 Instituto de Investigação Cultural (IIC);

 Laboratório de Engenharia de Cabo Verde (LEC);

 Centro de Documentação e de Informação para o Desenvolvimento (CDID);

 Arquivo Histórico Nacional (AHN).

Estes Institutos foram sendo criados pelo Governo de Cabo Verde para responder à necessidade mínima de formação de profissionais para o dia a dia da realidade cabo- verdiana, como, por exemplo, a criação do Instituto Pedagógico (IP) para a formação de professores do ensino básico, o Instituto Nacional de Investigação e Desenvolvimento Agrário (INIDA), para preparar profissionais para as áreas da agricultura e criação de gado, e todas as administrativas, a maioria na cidade da Praia (Capital), ilha bastante agrícola e onde concentra o poder político, empresarial e industrial; Instituto Superior de Engenharia e Ciências do Mar (ISEGMAR) foi criado na ilha de São Vicente, onde a pesca era bem desenvolvida e existe o maior porto do oceano Atlântico, assim cada um destes institutos foi criado para responder às necessidades mínimas para produção de bens e serviço em Cabo Verde, enquanto se formavam os quadros no ensino superior por meio da cooperação internacional. Com a criação da Universidade de Cabo Verde, estes institutos foram

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incorporados como cursos nas grandes áreas, e outros ficaram como Institutos da Universidade de Cabo Verde.

Após a jornada de um pouco mais de uma década do ensino superior em Cabo Verde, tem-se notado um nítido crescimento de frequência ao ensino superior, (como analisa o Capítulo III). E é cada vez mais comum a preferência dos alunos em realizar os seus estudos superiores no país, fato este que contraria a tendência das décadas passadas, segundo Arnaldo Brito30.

Isso mostra que a iniciativa do ensino superior de qualidade em Cabo Verde mostrou seus resultados, e projeta o país num novo panorama educacional não só nacional, mas a nível continental. E procura atender o que está proposto na sua Lei de Bases do Sistema Educativo quanto ao Ensino superior:

O ensino universitário visa, através da promoção da investigação e da criação do saber, assegurar uma sólida preparação científica, técnica e cultural dos indivíduos, habilitando-os para o desenvolvimento das capacidades de concepção, análise crítica e inovação para o exercício de atividades profissionais, socioeconômicas e culturais (Lei n.º 113/V/ 99).

No entanto, este crescimento trouxe alguns novos desafios ao ensino superior, isso devido à progressão dentro do próprio sistema educativo, sendo que os alunos chegam das classes básicas, para o mundo do ensino superior, com algumas limitações e deficiências nas mais diversas áreas que o ensino superior os apresenta, como, por exemplo, capacitação dos docentes em nível de mestrado e doutorado nestas fases e também no campo da investigação científica.

Tanto o reitor da Universidade de Cabo Verde, Correia e Silva, e Jorge Brito, reitor do Instituto Jean Piaget, estão em comum acordo quanto às deficiências que os alunos trazem para o ensino superior e afirmam a necessidade de serem dedicadas em cada semestre 60 horas para reforço de competências básicas, com a oferta de alguns pequenos cursos.

Como já mencionado, o outro campo que tem merecido grande atenção é o da iniciação científica. Há um grande incentivo para que quadros cabo-verdianos preparem teses de doutorado e mestrado nas universidades nacionais:

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Neste quadro, as instituições de ensino superior devem ver na função investigadora a chave que dote os estudantes de ferramentas para fazer face aos problemas identificados, quer no âmbito global, quer regional. Devem assumir o papel de criar e difundir os conhecimentos através de pesquisas voltadas para o desenvolvimento, envolvendo outros parceiros, apresentando objetivos claros e ser capazes de realizar inovações (RODRIGUES , 2005).

Segundo Correia e Silva, as parcerias com o Brasil têm sido de grande valia, pois esses alunos durante os seus estudos neste país têm a oportunidade de trabalhar nos laboratórios das universidades, que nesta nova fase da Universidade de Cabo Verde servem de referencial a outros alunos. Os projetos de iniciação científica desenvolvidos em parceria com o Brasil devem continuar: "É um programa de criação de vocações. Fizemos um no ano passado e o feedback que temos do Brasil é muito bom" (JM/AA, 2010).

Já o reitor do Instituto Jean Piaget fala da “revista científica” como meio de estimular a prática da produção no ensino superior, ao acreditar que a estrutura educativa em Cabo Verde possui condições de avançar no campo das investigações.

Francisco Carvalho, presidente da Associação de Jovens Investigadores Cabo- verdianos (AJIC)vê tudo isso com bons olhos, mas alerta para o seguinte:

Há vontade, dinamismo, mas é preciso ter cuidado com o que vai acontecer dentro das paredes das universidades, com os conteúdos, os cursos, a preparação dos professores. Há grandes ideias, que bem delineadas podem ter sucesso, mas há que ter em atenção a qualidade e a preparação dos professores, a qualidade dos currículos, etc. Estamos numa fase inicial, porque o ensino universitário público também está no início. Têm é de ser criadas as bases estruturantes para o futuro (In ALVES, 1998).

Continua sendo desafio para o sistema educativo nacional mais professores doutorados e mestrados. Arnaldo Brito indica que “para ser professor nos institutos de ensino superior em Cabo Verde é necessário ter alta qualificação”, e irem um pouco mais além do grau acadêmico de se esforçarem para produzir conhecimento, ou seja, “os professores que lecionam têm de fazer investigação", reforça Francisco Carvalho, "isso ainda não acontece em Cabo Verde” (JM/AA, 2010).

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O ensino superior em Cabo Verde ainda precisa superar alguns desafios, e para isso é necessária uma visão clara do futuro e da realidade nacional, das necessidades e prioridades no desenvolvimento do país, e como a formação superior de qualidade e especificidade contribuirá para esse melhoramento, “se os contornos desse sistema dependem do que se prevê para o país no futuro (visão do ensino superior como ‘fruto’ do desenvolvimento), não é menos certo que esse retrato não poderá concretizar-se sem um ensino superior dinâmico e coerente (visão do ensino superior como ‘motor’ do desenvolvimento)” (BRITO, 1997).

No momento em que o desenvolvimento de um país está baseado na sua riqueza, e atualmente tem-se constatado que a maior riqueza de um país, segundo o que impõe a economia mundial, não está na terra, nas máquinas ou no capital físico, mas passa a ser do “conhecimento e da capacidade pericial do indivíduo”. Por isso, o ensino superior nos Estados em desenvolvimento torna-se uma forte aposta.

O programa do Governo para a VI legislatura elege a educação como uma área de intervenção prioritária, defendendo que hoje, mais do que nunca, a ciência e suas aplicações, as humanidades e a investigação aplicada exigem um ensino superior de qualidade cuja pertinência socioeconômica e cultural requer a sua acoplagem a atividades de investigação para o desenvolvimento, tendo em vista a produção, disseminação e exploração de novos conhecimentos (RODRIGUES, 2005).

E Cabo Verde mais do que nunca precisa apostar no ensino superior nacional, isto foi alvo da chamada de atenção31 (BRITO, 2001). A aposta no ensino superior de qualidade em Cabo Verde é reforçada pelos adquiridos de Bolonha que, segundo a Ministra do Ensino Superior, Ciência e Cultura, ao referir na conferência "Importância do Ensino Superior para Mudança Social e Desenvolvimento"32 sobre a alteração da Lei de Bases do Sistema

31 BRITO (2001) Como Implementar o Ensino Superior em Cabo Verde (meios e estratégia) –

número especial da revista CULTURA em comemoração do XXV Aniversário da Independência de Cabo Verde.

32 Conferência, organizada pela Direção-Geral do Ensino Superior e Ciência, sob o lema

"Importância do Ensino Superior para Mudança Social e Desenvolvimento". Quatro oradores de Portugal, dois de Cabo Verde e uma do Brasil abordaram temas propostos pela organização, a pensar no desenvolvimento do ensino superior de Cabo Verde que, nas palavras de boas-vindas do Diretor-Geral, "encontra-se neste momento numa fase crucial do seu desenvolvimento, imposta pela

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Educativo já aprovado pelo Governo, e o pacote legislativo do ensino superior em preparação e que deveria ficar pronto até o final de 2010.

O Ensino Superior em Cabo Verde tem dado passos consideráveis para sua consolidação. Através de um longo percurso de cooperações internacionais, reorganização e junção de forças, o Ensino Superior em Cabo Verde começa a responder à demanda nacional, com menos dependência de cooperações internacionais. O grande fator para isso é o surgimento de muitas Universidades e Institutos de Ensino Superior Privado, e também de uma Universidade Pública capaz, estruturada e de abrangência considerável.

Tendo em vista as grandes mudanças do mundo moderno, o ensino superior, reforçado pela investigação científica, surge como forma decisiva na busca de soluções aos desafios impostos pelas mudanças globais. Objetivando o cumprimento da sua “missão de educar, formar e promover a investigação, oferecendo serviços de qualidade à comunidade e possibilitando o desenvolvimento de todo o sistema educativo” (MED, 2010).

Com a expansão do ensino secundário, mesmo nos “pequenos Estados insulares”, grupo este que Cabo Verde pertence, esse fato leva obrigatoriamente a um ensino superior que dê continuidade à expansão educacional na sua totalidade. Daí, a necessidade de uma estrutura de ensino pós-secundário voltada para a alta qualificação de docentes, quadros de qualidade necessários ao desenvolvimento científico, tecnológico e socioeconômico.

Considerando a pouca capacidade financeira, e a fraca base demográfica, não têm configurados empecilhos para os “pequenos estados” acompanharem as tendências modernas de ensino superior, que por sua vez têm sido motivadas pelo forte crescimento do ensino secundário nas últimas décadas e também pela forte demanda social (Idem, 2010).

Os pequenos países buscam ajuda e exemplo nos grandes referenciais mundiais de maneira a construírem um ensino superior de qualidade. Pelo seu esforço e boa administração muitos destes países, inclusive Cabo Verde, têm superado e demonstrado grande vontade e capacidade de responder aos requisitos globais, mesmo que com dificuldades e inúmeros desafios ainda por serem vencidos.

Conclui-se, portanto, que o ensino superior nos PALOP, e especialmente em Cabo Verde, tem alcançado seus objetivos e tem se estabelecido com apoio das cooperações e

necessidade de fazer face aos desafios do milênio e pela sua ascensão à categoria de PDM" (País de Desenvolvimento Médio - 11/05/10).

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influências de sistemas educativos de referência de todas as regiões do globo. Não é tarefa fácil, mas ao que parece o “trabalho de casa” está sendo feito por parte destes países. O presente é de expectativas, e o futuro é muito promissor.

73 CAPÍTULO II

A COOPERAÇÃO BILATERAL ENTRE BRASIL E CABO VERDE