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ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA REVISTA ÍNTIMA

Após a teoria da problemática proposta por este trabalho, é de grande importância desenvolver alguns comentários acerca das decisões no ordenamento jurídico pátrio. Por ser o procedimento da revista íntima uma prática extremamente violenta e questionada nos dias atuais, algumas demandas sobre o caso chegam ao âmbito judicial, as quais serão abordadas a partir de agora, com a análise de seus fundamentos e argumentos empregados em cada decisão.

A jurisprudência reconhece que o procedimento é vexatório e degradante, devendo-se utilizar de medidas alternativas nos casos de fundada suspeita, evitando qualquer método invasivo, como descreve decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. INGRESSO EM ESTABELECIMENTO PRISIONAL. CRIME IMPOSSÍVEL. ATIPICIDADE. Crime impossível. A ré pretendia fazer uma visita no presídio e levava maconha em seu corpo. A prova oral denota que houve revista minuciosa na recorrente, tendo sido encontrada a droga. Verificada a ineficácia absoluta do meio utilizado para consumação do fato. Crime de mera conduta. A jurisprudência e a doutrina apontam expressões nucleares do tipo do artigo 33 da Lei n.º 11.343 /2006 que possibilitam a forma tentada. Aplicação crítica da lei, não acrítica. Conforme o constitucionalismo contemporâneo há uma reaproximação da ética ao Direito na aplicação. O princípio da razoabilidade serve de exemplo. Doutrina. Deficiência do Estado. A deficiência do Estado na sua infra-estrutura prisional não pode ser solucionada pela imposição

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de pena a fatos que, em sentido lógico e rigoroso, jamais seriam concretizados em ilícitos penais. A permissão de facções no interior de casas prisionais não pode ser esquecida. Uma vez que o sistema prisional se auxilia da organização interna que permite nos estabelecimentos carcerários, deve atentar para a imposição de ordens a apenados para que tragam substâncias entorpecentes, as quais, em situações normais, não deixariam de ser apreendidas. Revista íntima. A realização de revista íntima

se constitui medida vexatória e somente deve ser realizada excepcionalmente com a observância de procedimentos adequados para assegurar que não haja violação à dignidade da pessoa humana. A inviolabilidade do corpo adquire proteção constitucional, em interpretação do artigo 5º, III e XLIX, da Constituição Federal. No caso de suspeita, há alternativas à extrema invasividade causada pela realização de revista íntima. APELAÇÃO PROVIDA.

ABSOLVIÇÃO. DECISÃO POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2013, grifo nosso).

A jurisprudência prevê também que a revista deve ser efetuada por equipamentos eletrônicos e outras tecnologias, senão vejamos:

AÇÃO CIVIL PÚBLICA EM QUE SE BUSCA A PRESTAÇÃO JURISDICIONAL A FIM DE QUE CESSEM AS REVISTAS ÍNTIMAS VEXATÓRIAS NAQUELES QUE VISITAM OS DETENTOS NO SISTEMA CARCERÁRIO DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO. ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA INDEFERIDA NO PRIMEIRO GRAU. DECISÃO REFORMADA POR MAIORIA. A DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA É FUNDAMENTO DO ESTADO BRASILEIRO (ARTIGO 5º, INCISO III, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL). É INADMISSÍVEL QUE, POR AÇÃO OU OMISSÃO, OS AGENTES DO ESTADO POSSAM EXPOR CIDADÃOS A SITUAÇÃO VEXATÓRIA, INDIGNA, DESRESPEITOSA, COMO A DE OBRIGAR MULHERES A SE DESPIREM E FICAREM DE CÓCORAS. COMO CONDIÇÃO PARA VISITAREM SEUS ENTES QUERIDOS QUE SE ENCONTRAM PRESOS. TAL EXIGÊNCIA, EM NOME DE UMA SEGURANÇA QUE PODE SER BUSCADA POR MEIOS MAIS INTELIGENTES E HUMANOS, É HUMILHANTE, E SE DESINCOMPATIBILIZA COM A REGRA CONSTITUCIONAL DE QUE NINGUÉM SERÁ SUBMETIDO A TRATAMENTO DESUMANO OU DEGRADANTE (ARTIGO 5º, INCISO III, DA CF). ALÉM DO MAIS, A PUNIÇÃO A QUE SE SUBMETE O DETENTO NÃO PODE SER ESTENDIDA AOS SEUS ENTES QUERIDOS, CONSOANTE O DISPOSTO NO ARTIGO 5º, PARÁGRAFO XLV, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. COMANDO JURISDICIONAL QUE DEVE MOSTRAR-SE DIDÁTICO QUANTO À ADEQUAÇÃO DA CONDUTA ESTATAL AOS DITAMES CONSTITUCIONAIS: O QUE É PROIBIDO Pela presente decisão, fica proibida a revista íntima vexatória nos visitantes dos presídios e casas de detenção do estado. O QUE É PERMITIDO É permitido que os visitantes sejam

submetidos ao detector de metais, bem como à determinação de que exibam o que trazem em bolsas, pastas, carteiras, mochilas etc. É permitida a revista pessoal, não vexatória, consoante o previsto no artigo 244 do CPP, que independe de mandado. É permitida a revista nos detentos, os quais se encontram submetidos à disciplina carcerária, em obediência às normas administrativas pertinentes. (RIO DE JANEIRO, 2015b, grifo nosso).

Em outra situação, proferiu a seguinte decisão o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul:

APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO DROGAS. PRELIMINAR REJEITADA. LAUDO PERICIAL. AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE. INGRESSO NO PRESÍDIO. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. Crimes de perigo abstrato. Descabe a argüição de inconstitucionalidade dos crimes de perigo abstrato. Questão já enfrentada no âmbito dos Tribunais Superiores e com entendimento firmado nesta Câmara Criminal. Materialidade. Diante das recentes decisões dos Tribunais

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Superiores no sentido de reconhecer a tipicidade da droga sobre qual a perícia não atestou a presença do princípio ativo tetraidrocanabinol, mantenho ressalvado entendimento pessoal, mas considero haver materialidade delitiva da apreensão de 107g de maconha, cujo laudo pericial identificou a presença de canabinóides. Ingresso em casa prisional. Crime impossível. A Portaria nº 138 da SUSEPE determina que todos os visitante serão submetidos à revista pessoal e minuciosa. Logicamente, portanto, não é possível a entrada de entorpecentes em casas prisionais, pois deve existir aparato estatal suficientemente eficiente para impedi-la. Entendimento já consolidado no sentido de que, teoricamente, a tentativa de ingresso em casa prisional portando substâncias entorpecentes é conduta que configura crime impossível, pela ineficácia absoluta do meio utilizado para consumação do fato - como aliás ocorreu no caso concreto, eis que a ré foi flagrada em posse da droga na revista pessoal a qual, inelutavelmente, teria que se submeter. A responsabilidade sobre eventuais e consabidas ineficiências do Estado em gerir as casas prisionais e inibir o comércio de drogas em suas dependências - muitas vezes o próprio fator de manutenção da "ordem" do estabelecimento - não pode recair sobre terceiros.

Precedentes da Câmara. A par da impossibilidade acima delineada, deve-se atentar para o caráter vexatório e degradante da revista íntima, como ocorreu no caso concreto, em violação à dignidade e à intimidade. Projetos de Lei aprovados, pela Assembléia Legislativa do Rio de Janeiro e pelo Senado

Federal, no sentido de decretar a inconstitucionalidade

da revista íntima manual, salvo exceções previstas. Precedente da Câmara que declarou ilícita a prova colhida sob violação da dignidade humana e determinou o trancamento do processo. Absolvição operada, com fundamento na

atipicidade. RECURSO PROVIDO. ABSOLVIÇÃO. POR MAIORIA. (RIO GRANDE DO SUL, 2015a, grifo do nosso).

No caso da jurisprudência supracitada, durante o procedimento de revista, foi encontrado 107 (cento e sete) gramas de maconha com o visitante, ocorrendo então condenação pelo crime de tráfico de drogas. O recurso de apelação foi provido diante da atipicidade da conduta, com a declaração da ilicitude da prova, que foi colhida no momento da revista íntima, violando sua dignidade, intimidade e integridade física e moral.

Sobre a necessidade da revista, a jurisprudência assim se manifesta:

APELAÇÃO-CRIME. TRÁFICO DE ENTORPECENTES. MATERIALIDADE. LAUDO PERICIAL. VIOLAÇÃO AO ARTIGO 212. OCORRÊNCIA. INGRESSO NO PRESÍDIO. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃO. Materialidade. O laudo toxicológico não atestou a presença de tetraidrocanabinol no material apreendido (104g de maconha), limitando-se a concluir "positivo para canabinóides". O THC, este sim, é substância psicotrópica de uso proscrito no Brasil, conforme consta da lista F2, item 28, da Portaria nº 344/98 da ANVISA. Diferente seria o caso de apreensão se referir a plantas, e não como, no caso, material já processado. Nesse caso, remanesce prova de materialidade apenas quanto ao montante da droga conhecida por crack, sem peso aproximado, em cuja amostra o laudo pericial constatou a presença do princípio ativo cocaína - esta sim, substância entorpecente constante no item 8 da lista F1 da Portaria nº 344/98. Laudos periciais. É suficiente o laudo pericial definitivo que atesta a presença de substância de uso proscrito no Brasil, listada na Portaria nº 344/98 da ANVISA, Desnecessária a aferição do "percentual do reagente" contido na amostra analisada, já que a conduta típica não diz respeito a níveis de entorpecência ou de potencialidade de causar dependência. Crime impossível. Verificada a ineficácia absoluta do meio utilizado para consumação do fato. O invólucro contendo 0,714g de crack e 104g de maconha (sem análise de THC) estava acondicionado no interior da cavidade vaginal, visível na revista pessoal a qual a ré invariavelmente, teria que se submeter.Revista íntima.

Vedação pela legislação atual da revista vexatória íntima por violadora da dignidade humana. Crime de mera conduta. A jurisprudência e a doutrina apontam

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forma tentada. Aplicação crítica da lei, não acrítica. Conforme o constitucionalismo contemporâneo, há uma reaproximação da ética ao Direito na aplicação. O princípio da razoabilidade serve de exemplo. Doutrina. Deficiência do Estado. A deficiência do Estado na sua infra-estrutura prisional não pode ser solucionada pela imposição de pena a fatos que, em sentido lógico e rigoroso, jamais seriam concretizados em ilícitos penais. A permissão de facções no interior de casas prisionais não pode ser esquecida. Uma vez que o sistema prisional se auxilia da organização interna

que permite nas casas prisionais, deve atentar para a imposição de ordens às pessoas externas ao sistema que possuem parentes ou companheiros apenados, que tentam ingressar para visitas portando substâncias entorpecentes as quais, em situações normais, jamais deixariam de ser apreendidas. RECURSO

PROVIDO. ABSOLVIÇÃO. (RIO GRANDE DO SUL, 2015b, grifo do autor).

Neste caso, a jurisprudência tratou de evidenciar que a revista íntima é vedada por lei, mas que sem a prática do procedimento jamais haveria a possibilidade de apreender os objetos ilícitos que os visitantes tentassem levar para dentro dos estabelecimentos prisionais.

Diante das jurisprudências aqui apresentadas, podemos concluir que o ordenamento jurídico brasileiro possui entendimentos que definem que a revista íntima é uma afronta ao princípio da dignidade humana, mas que sem a referida revista nos visitantes não seria possível a apreensão de objetos proibidos. Observa-se, contudo, que a revista é necessária, mas a forma como é praticada viola direitos inerentes a todo ser humano.