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Revista íntima em estabelecimentos prisionais

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA BIANCA RODRIGUES GAIDZINSKI

REVISTA ÍNTIMA EM ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS:

CONFLITO ENTRE OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA SEGURANÇA PÚBLICA

Tubarão 2015

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BIANCA RODRIGUES GAIDZINSKI

REVISTA ÍNTIMA EM ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS:

CONFLITO ENTRE OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA SEGURANÇA PÚBLICA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel em Direito.

Linha de pesquisa: Justiça e Sociedade

Orientador: Prof. Léo Rosa de Andrade, Dr.

Tubarão 2015

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Dedico este trabalho àqueles que são condenados a passar pelo constrangimento da revista íntima.

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AGRADECIMENTOS

Aos meus admirados pais, Nádia e Stélio, pela educação e incentivo para o estudo, pelos valores transmitidos, por acreditarem em mim, por me passarem confiança para a conclusão desta etapa da minha vida e por serem essas pessoas únicas. Amo vocês, ao infinito e além.

À minha família, como um todo, que no momento encontra-se mais unida do que nunca devido à repentina partida de minha avó paterna, Dosolina.

À minha amiga Joana, pela forma como sempre, muito paciente, me acolheu e se mostrou disposta a me ouvir e colaborar. Agradeço imensamente pela oportunidade de conhecê-la melhor e conquistar sua amizade.

A todos os meus amigos que estiveram presentes durante a faculdade, em reuniões, aulas e outros eventos, compartilhando bons e maus momentos, principalmente Maria Júlia, Victor, Mariane, Lucas.

Aos meus incríveis companheiros de trabalho, pelo exemplo e pela dedicação. Em especial à Viviane, por compreender meus momentos durante a elaboração deste trabalho. Apesar de passageiro, o tempo que convivemos foi de grande importância para mim. Amizade que levarei através dos anos.

Ao meu orientador, Léo Rosa de Andrade, pela atenção, pelas sugestões sempre oportunas e pelos ensinamentos sobre o tema. Obrigada pela ajuda.

Ao professor Lauro José Ballock, por demonstrar interesse neste estudo e contribuir com materiais e conteúdos que foram de grande ajuda.

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É difícil em tempos como estes: ideais, sonhos e esperanças permanecerem dentro de nós, sendo esmagados pela dura realidade. É um milagre eu não ter abandonado todos os meus ideais, eles parecem tão absurdos e impraticáveis. No entanto, eu me apego a eles, porque eu ainda acredito, apesar de tudo, que as pessoas são realmente boas de coração (Anne Frank).

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RESUMO

O presente estudo tratará da colisão entre os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da segurança pública no procedimento da revista íntima em estabelecimentos prisionais. O estudo tem por objetivo apresentar os conceitos e particularidades de ambos os princípios constitucionais citados, bem como verificar se há possibilidade de se entender se a revista íntima fere ou não a dignidade da pessoa humana. Para tanto, utilizou-se o método de abordagem dedutivo e o método comparativo de procedimento. Quanto ao nível, trata-se de pesquisa exploratória, tendo como procedimento a pesquisa bibliográfica, através da qual foi possível verificar doutrinária e jurisprudencialmente a forma como hoje é tratada a colisão e a possível solução de conflito entre preceitos constitucionais. Realizadas tais análises, constatou-se inexiste a possibilidade de um princípio se sobrepor a outro. Verificou-se que o procedimento da revista íntima, utilizado pelo Estado como alternativa para garantir a segurança pública, é uma afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana. Entretanto, sem a existência da revista, não seria possível de combater a entrada de objetos ilícitos em estabelecimentos prisionais. Como solução para o conflito, sugere-se sancionar o Projeto de Lei do Senado n. 480, de 2013, a fim de proibir a revista íntima e regulamentar um tipo de revista pessoal que não afronte a dignidade da pessoa humana, sem que altere a atuação do Estado para manter a segurança pública.

Palavras-chave: Revista íntima em estabelecimentos prisionais. Dignidade da pessoa humana. Segurança pública.

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ABSTRACT

The present study will deal with the conflict between the constitutional principles of the dignity of the human being and public safety in the intimate search procedure conducted inprisons.The aim of the study is to present the concepts and peculiarities of both of these constitutional principles, as well as to investigate if it is possible to assess if intimate searches offend the dignity of the human being. To this end, the deductive approach and the comparative procedure methods were employed. As far as the level is concerned, this is an exploratory study whose procedure involves bibliographical research through which it was possible to verify, through a review of the doctrine and case law, the way that the conflict and the possible solution to the conflict between these constitutional principles is handled today. Having carried out these analyses, it was determined that the possibility of one principle overlapping the other does not exist. It was found that the intimate search procedure used by the State as a way to assure public safety, is an affront to the principle of the dignity of the human being. However, without the existence of such a search, it would not be possible to combat the entry of illicit objects into prison establishments. As a solution to this conflict, it is recommended that Senate Bill 480, of 2013, be passed in order to prohibit intimate searches and to regulate a form of personal search that does not affront the dignity of the human being, though without the State being prevented from acting in the interests of maintaining public safety.

Keywords: Intimate searches in prison establishments. Dignity of the human being. Public safety

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LISTA DE GRÁFICOS

Gráfico 1 – Apreensões de objetos em estabelecimentos prisionais no Estado de SP: visitantes cadastrados da SAP/SP ... 30 Gráfico 2 – Apreensões de objetos em estabelecimentos prisionais no Estado de SP: apreensão de celulares e drogas em 2012 ... 31 Gráfico 3 – Apreensões de objetos em estabelecimentos prisionais no Estado de SP: visitações X apreensões ... 32 Gráfico 4 – Apreensões de objetos em estabelecimentos prisionais no Estado de SP: apreensão de celulares e drogas em 2013 ... 33

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LISTA DE SIGLAS

CNPCP – Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária

SAP – Secretaria de Estado de Administração Penitenciária de São Paulo OEA – Organização dos Estados Americanos

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 12

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA ... 12

1.2 JUSTIFICATIVA ... 12

1.3 OBJETIVOS ... 13

1.3.1 Geral ... 13

1.3.2 Específicos ... 13

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS ... 14

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS ... 14

2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS, PRINCÍPIOS E EFETIVIDADE ... 16

2.1 CONFLITOS ENTRE NORMAS DE MESMA HIERARQUIA ... 16

3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A SEGURANÇA PÚBLICA: NOÇÕES GERAIS ... 21

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA ... 21

3.1.1 A dignidade da pessoa humana no direito constitucional brasileiro ... 26

3.2 PRÁTICA DA REVISTA ÍNTIMA EM ESTABALECIMENTOS PRISIONAIS ... 28

3.2.1 No sistema penitenciário brasileiro ... 29

3.3 SEGURANÇA PÚBLICA ... 34

4 REVISTA ÍNTIMA EM ESTABELECIMENTOS PRISIONAIS: CONFLITO ENTRE OS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA SEGURANÇA PÚBLICA ... 38

4.1 LEGISLAÇÕES ACERCA DA PRÁTICA DA REVISTA ÍNTIMA ... 38

4.1.1 Resolução Do Conselho Nacional De Política Criminal e Penitenciária nº 05 de agosto de 2014 ... 38

4.1.2 Projeto de Lei do Senado nº 480/2013 ... 40

4.1.3 Tratados Internacionais dos quais o Brasil é signatário ... 41

4.1.4 Legislações estaduais acerca do procedimento da revista íntima ... 44

4.2 INCOMPATIBILIDADE DO PROCEDIMENTO DA REVISTA ÍNTIMA COM O ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO ... 47

4.3 ENTENDIMENTOS JURISPRUDENCIAIS ACERCA DA REVISTA ÍNTIMA ... 49

4.4 UTILIZAÇÃO DO PROCEDIMENTO DA REVISTA ÍNTIMA COMO IMPOSIÇÃO DO ESTADO PARA MANTER A SEGURANÇA PÚBLICA ... 52

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4.6 PONDERAÇÃO ENTRE OS PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

E DA SEGURANÇA PÚBLICA ... 55

5 CONCLUSÃO ... 58

REFERÊNCIAS ... 61

ANEXO ... 67

ANEXO A – Projeto de Lei do Senado nº 480 de 2013 ... 68

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1 INTRODUÇÃO

A dignidade da pessoa humana é assunto que pode ser considerado bastante polêmico diante da sociedade brasileira, dado que ela comporta compreensões de diversas origens, como religiões e culturas, do referido dispositivo. Diante de tal situação, o presente estudo monográfico analisará a colisão entre os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e os da segurança pública, na prática do procedimento da revista íntima em estabelecimentos prisionais.

1.1 DELIMITAÇÃO DO TEMA E FORMULAÇÃO DO PROBLEMA

Trata-se de um estudo que tem como base o Direito Constitucional e suas ramificações, particularmente quanto ao procedimento da revista íntima praticada em estabelecimentos prisionais e sua relação com a dignidade da pessoa humana e com a segurança pública, trazendo, ainda, a análise de apreciação de regras infraconstitucionais que também abordam o assunto.

Diante de tais análises, foram formulados os seguintes problemas: Em casos de colisão entre a dignidade da pessoa humana e a segurança pública, qual destes princípios fundamentais prevalece? As pessoas submetidas ao procedimento da revista íntima não sofrem qualquer tipo de constrangimento? A Constituição Federal prevê alguma ressalva à segurança pública? A utilização do procedimento da revista íntima em presídios e penitenciárias brasileiras instituído pelo Estado com suposto objetivo preventivo e preservação da segurança pública, mostra-se justificável?

1.2 JUSTIFICATIVA

Realizar um estudo monográfico sobre o assunto justifica-se, para demonstrar que o procedimento da revista íntima em estabelecimentos prisionais causa constrangimento àqueles que a ele são submetidos. No sistema penitenciário brasileiro, ainda persiste o desrespeito aos visitantes das pessoas presas, não obstante a evolução das previsões constitucionais de respeito às garantia individuais.

O estudo sobre os métodos utilizados pelo Estado é de extrema importância, tendo em vista que a revista preventiva de visitantes de presos não pode ser invasivo e vexatório, sob pena de afrontar o princípio fundamental de respeito à dignidade da pessoa humana, como previsto expressamente na Carta Política.

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A Constituição Federal, em seu artigo 5º, XLV, primeira parte, dispõe que “nenhuma pena passará da pessoa do condenado” (BRASIL, 1988). Tal princípio garante que apenas a pessoa que praticou o delito seja alvo dos efeitos da condenação penal. Assim, nenhum familiar ou amigo do preso poderá sofrer qualquer tipo de constrangimento ou de restrição de direitos, o que torna inadmissível a forma como ocorre o procedimento na prática: não há limites à revista realizada nos visitantes do apenado.

Em contra partida, está o Estado, com o dever de promover a segurança pública, sendo exercida para a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio. O Estado utiliza o procedimento com o objetivo de evitar a entrada de qualquer objeto considerado ilícito, tais como armas, drogas e aparelhos telefônicos portáteis, que possa causar qualquer desordem interna no estabelecimento prisional.

Por sua vez, academicamente, justifica-se o presente estudo pela escassez de trabalhos que tratem de forma aprofundada a colisão desses princípios, especialmente quanto à ponderação dos mesmos. Já no que se refere ao pesquisador, a existência de regras ou a ausência delas em relação ao respeito ao ser humano, bem como as discrepâncias apresentadas pela legislação nacional quanto à forma como ainda é permitido que tal procedimento ocorra, causando sensação de invasão e indignação aos visitantes de pessoas presas, geraram motivação para análise do tema.

1.3 OBJETIVOS

1.3.1 Objetivo geral

Considerando-se que a Constituição Federal pátria protege tanto a dignidade da pessoa humana quanto a segurança pública, objetiva-se, com este estudo, apresentar os conceitos e particularidades de ambos os princípios constitucionais citados, bem como verificar se a prática da revista íntima fere ou não o preceito fundamental da dignidade da pessoa humana.

1.3.2 Objetivos específicos

Os objetivos específicos deste estudo são:

a) Analisar os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e os da segurança pública, seus fundamentos e características;

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b) Demonstrar como é executado o procedimento da revista íntima nos estabelecimentos prisionais;

c) Comparar sistemas penitenciários e seus métodos de prevenção para evitar a entrada de objetos ilícitos em seus estabelecimentos prisionais;

d) Verificar se o procedimento da revista íntima alcança seu objetivo de forma a evitar a entrada de objetos considerados ilícitos;

e) Demonstrar se a prática da revista afronta o princípio da dignidade da pessoa humana;

f) Identificar a possibilidade de substituição do método da revista íntima por procedimentos eficazes e que preservem a integridade humana.

1.4 PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS

O método de abordagem a ser utilizado na pesquisa é o dedutivo, tendo em vista que será observada uma premissa geral, a Constituição Federal, para que se chegue a uma conclusão, utilizando o método de procedimento comparativo, posto que a pesquisa será elaborada mediante a comparação da doutrina referente aos preceitos constitucionais em estudo com o procedimento da revista íntima praticada em estabelecimentos prisionais. Quanto ao nível, trata-se de pesquisa exploratória, tendo a finalidade de promover a familiarização com o tema abordado e o aprimoramento da ideia, tendo como procedimento a pesquisa bibliográfica por meio do estudo de dados publicados em fontes secundárias, tais como livros, teses, artigos científicos, meios eletrônicos, entre outros, bem como uma complementação pelo procedimento documental, considerando-se que há leis e jurisprudências sobre o tema abordado.

1.5 DESENVOLVIMENTO DO TRABALHO: ESTRUTURAÇÃO DOS CAPÍTULOS

Com vistas a possibilitar o entendimento do leitor acerca do estudo, este será subdividido em cinco capítulos, quais sejam: Introdução; Constituição Federal: resolução de conflitos de normas; Dignidade da pessoa humana e a segurança pública: noções gerais; Revista íntima em estabelecimentos prisionais: conflito entre os preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da segurança pública; e Conclusão.

O primeiro capítulo disciplinará as noções introdutórias do estudo, tais como delimitação do tema e formulação do problema, além dos objetivos, justificativas,

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metodologia, estrutura dos capítulos. O segundo capítulo trará o constitucionalismo e a resolução de conflitos de normas. Já o terceiro capítulo apresentará o que é e como é realizada a revista íntima no sistema penitenciário brasileiro. No quarto capítulo, será realizada a análise do conflito entre os princípios constitucionais referidos através de entendimentos doutrinários e jurisprudenciais, e da apresentação de leis infraconstitucionais relacionadas ao tema, enfatizando-se a ponderação entre os princípios. Por fim, no quinto capítulo, será apresentado um resultado de todo o desenvolvimento do trabalho, bem como a solução para o conflito constitucional existente.

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2 CONSTITUIÇÃO FEDERAL: NORMAS, PRINCÍPIOS E EFETIVIDADE

Neste capítulo, o presente trabalho passará a expor algumas considerações sobre o constitucionalismo brasileiro. Serão demonstrados os tipos de conflitos existentes entre as normas de mesma hierarquia e a forma de resolução destes através de preceitos apresentados pela doutrina.

2.1 CONFLITOS ENTRE NORMAS DE MESMA HIERARQUIA

Ocorrem circunstâncias em que os juristas, no momento da aplicação do Direito, encontram dificuldades diante de eventuais conflitos de normas. Para situações como estas são conhecidas algumas formas de resolução de conflitos. Quando as normas possuem níveis hierárquicos diferentes, a viabilidade de resolução é simples e sem complicações. Porém, o mesmo não ocorre quando as normas que se confrontam são de mesma hierarquia.

Esses conflitos entre normas decorrem do pluralismo e da diversidade de valores e de interesses existentes na presente sociedade, e estão cada vez mais evidentes, gerando, assim, muitas ponderações e, eventualmente, conflitos entre as normas vigentes, inclusive quando se trata de preceitos constitucionais (BARROSO, 2012).

O conflito de normas denomina-se antinomia, e sobre o tema Diniz (2006, p. 127) assim se posiciona:

As antinomias jurídicas aparecem como elementos do sistema jurídico, cuja construção requer a resolução dos conflitos normativos, pois todo o sistema deve e pode alcançar uma coerência interna. [...] Assim, a compatibilidade entre as normas num sistema resulta de um processo interpretativo do jurista. Deve haver uma relação lógica e coerente entre os enunciados normativos conectados pelo cientista do direito.

É evidente que até hoje, nos casos em que ocorre colisão de normas, ou leis de qualquer espécie, utiliza-se para a resolução do conflito a pirâmide de Hans Kelsen1, fundada em sua obra Teoria Pura do Direito. O doutrinador citado externa um ordenamento jurídico hierarquizado de normas jurídicas, sendo as referidas normas estruturadas na forma pirâmide. No topo da pirâmide está a Constituição Federal, de hierarquia suprema. Abaixo da carta magna encontram-se as emendas constitucionais, seguidas pelas leis (complementares, ordinárias e delegadas) e medidas provisórias. Após, encontram-se os decretos e, por fim, na base da pirâmide, encontram-se as resoluções, instruções normativas, portarias, circulares, etc.

1 Hans Kelsen (1881 - 1973) foi um jurista austríaco, considerado um dos mais importantes e influentes

estudiosos do Direito, tendo como principal característica, como jurista, a abstração do conceito de Direito do ideal de justiça.

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Assim, conforme as explanações acima se percebe que, nos casos de conflito de normas de hierarquia diferentes, utiliza-se a pirâmide apresentada pelo jurista Hans Kelsen para a resolução do conflito. Porém, nos casos onde as normas que se colidem possuem a mesma hierarquia, constata-se que a utilização do método da pirâmide é ineficaz, pois ambas os preceitos encontram-se no mesmo patamar.

Além da aplicação do mecanismo da pirâmide de Kelsen como forma de resolução de conflitos entre normas, Bobbio2 difundiu três regras que interpreta como fundamentais, sendo os critérios cronológico, hierárquico e da especialidade.

O primeiro critério, cronológico, segundo Bobbio (1995, p. 92-93):

[...] chamado também de Lex posterior, é aquele com base no qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior: Lex posterior derogat priori. [...] Existe uma regra no Direito em que a vontade posterior revoga a precedente, e que de dois atos de vontade da mesma pessoa vale o último no tempo.

Em relação ao critério de hierarquia, Bobbio (1995, p. 93, grifo do autor) afirma ser “[...] aquele pelo qual, entre duas normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior: Lex superior derogat inferiori”.

Em relação ao critério da especialidade, Bobbio assim compreende:

O terceiro critério, dito justamente da Lex specialis, é aquele pelo qual, de duas normas incompatíveis, uma geral e uma especial (ou excepcional), prevalece à segunda: Lex specialis derogat generali. Também aqui a razão do critério não é obscura: lei especial é aquele que anula uma lei mais geral, ou que subtrai de uma norma uma parte da sua matéria para submetê-la a uma regulamentação diferente (contrária ou contraditória), [...] a passagem da regra geral à regra especial corresponde a um processo natural de diferenciação das categorias, e a uma descoberta gradual, por parte do legislador, dessa diferenciação. [...] entende-se, portanto, por que a lei especial deva prevalecer sobre a geral: ela representa um momento ineliminável do desenvolvimento de um ordenamento. Bloquear a lei especial frente à geral significa paralisar esse desenvolvimento (BOBBIO, 1995, p. 96, grifo do autor).

Todavia, os critérios citados não são suficientes para solucionar integralmente todas as antinomias existentes, como o próprio Bobbio (1995, p. 97) dispõe em sua obra que “[...] o critério cronológico serve quando duas normas incompatíveis são sucessivas; o critério hierárquico serve quando duas normas incompatíveis estão em nível diverso; o critério da especialidade serve no choque de uma norma geral com uma especial”.

Nos casos em que os critérios de cronologia, hierarquia e especialidade não solucionam o conflito entre as normas, não houve a apresentação de um quarto critério para

2 Norberto Bobbio (1909 – 2004) foi um filósofo político, historiador do pensamento político e senador vitalício italiano. Conhecido por sua ampla capacidade de produzir escritos concisos, lógicos e, ainda assim, densos. Destacou-se por sua carreira política e docente. Tornou-se um importante ativista político no combate às principais ideologias da época: o nazi-fascismo, o comunismo e a democracia liberal. No meio jurídico, ficou conhecido com seus estudos acerca da filosofia do Direito, jusnaturalismo e positivismo jurídico.

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resolver a antinomia, mas apenas foi dito que cada caso deve ser apreciado pelo operador do Direito (BOBBIO, 1995).

A falta de tal critério pode ser constatada nos casos de conflitos entre normas constitucionais, sendo que este conflito pode ocorrer em três espécies: a) colisão entre princípios constitucionais; b) colisão entre direitos fundamentais; e c) colisão entre direitos fundamentais e outros valores e interesses constitucionais (BARROSO, 2012).

O primeiro caso de colisão expressa os diferentes valores contidos na Constituição, e que estes valores não são absolutos e devem coexistir. Como não existe um critério de valoração de princípios, é necessário adequá-los ao caso concreto para determinar sua relatividade (BARROSO, 2012).

Sobre a colisão entre direitos fundamentais, Barroso (2012, p. 353) assim afirma:

A colisão entre direitos fundamentais não deixa de ser, de certa forma, uma particularização dos conflitos descritos acima. É que, em rigor, a estrutura normativa e o modo de aplicação dos direitos fundamentais se equiparam aos princípios. Assim, direitos que convivem em harmonia em seu relato abstrato podem produzir antinomias no seu exercício concreto.

O último caso de colisão entre direitos fundamentais e valores e interesses constitucionais, que se destinam à defesa do interesse público e coletivo, pode ter melhor esclarecimento através dos exemplos apresentados por Barroso (2012, p. 355) em sua obra:

Este será o caso, por exemplo, de uma demarcação de terras indígenas que, por sua extensão, possa colocar em risco a perspectiva de desenvolvimento econômico de um Estado da Federação. Ambiente bastante típico dessa modalidade de colisão é o da preservação de direitos individuais à liberdade, ao devido processo legal e à presunção de inocência diante da apuração e punição de crimes e infrações em geral, inseridas no domínio mais amplo da segurança pública.

Esses conflitos possuem características em comum, como a incapacidade de resolução através da aplicação dos critérios tradicionais a inadequação da subsunção do fato ao fato concreto para solucionar a controvérsia, e a necessidade de ponderação para resolver, de forma constitucional, o conflito (BARROSO, 2012).

Desta forma, nos casos de conflitos entre normas em que não é possível a utilização dos critérios tradicionais, a técnica mais significativa é a da ponderação. Sobre o tema, Carvalho (2006, p. 312) assim dispõe:

Destaca-se, no domínio da interpretação da Constituição, o mecanismo denominado de ponderação de bens ou valores, utilizado para a solução de tensões ou conflitos entre normas. Busca-se, com isso, identificar, na hipótese de colisão entre pelo menos dois princípios constitucionais, qual bem jurídico deverá ser tutelado. Delimita-se, com isso, o âmbito de proteção de uma norma constitucional estabelecendo uma linha de demarcação entre o que ingressa nesse âmbito e o que fica de fora. Haverá, assim, o reconhecimento de um peso maior a determinado princípio constitucional em confronto com outro, se não for possível antes harmonizá-los, considerando o princípio da unidade da Constituição, que constitui

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um sistema orgânico, em virtude do qual cada parte tem de ser compreendida à luz das demais.

Ainda acerca do método de ponderação, Barroso (2012, p. 358) afirma que “consiste em uma técnica de decisão jurídica, aplicável a casos difíceis aos quais a subsunção se mostrou insuficiente”.

A ponderação pode ser descrita como um processo composto por três etapas, sendo a primeira o momento de constatar normas relevantes solucionando o caso, apontar eventuais conflitos entre elas. Na segunda etapa, deve-se observar o caso concreto relacionando com os elementos normativos, fazendo com que o raciocínio se efetive na terceira etapa. Nesta etapa é onde ocorrerá a resolução do conflito através de uma apreciação de grupos de normas e circunstâncias do caso, agindo, assim, como um sistema de freios e contrapesos, decidindo a intensidade da utilização do grupo de normas para que se defina o grau apropriado em que a solução deve ser aplicada. Todo processo deve analisar os critérios da razoabilidade ou proporcionalidade (BARROSO, 2012).

Na utilização do método da ponderação, o princípio da razoabilidade é de grande importância, como explica Carvalho (2006, p. 312):

E na realização da ponderação de bens ou valores constitucionais, essencial é a utilização do princípio da razoabilidade ou proporcionalidade por ser ele que possibilitará a identificação do desvalor de alguns interesses invocados como dignos de proteção em conflito com outros.

Por fim, acerca da ponderação, segundo ensinamentos de Barroso (2012, p. 362) que:

A ponderação [...] socorre-se do princípio da razoabilidade-proporcionalidade para promover a máxima concordância prática entre os direitos em conflito. Idealmente, o intérprete deverá fazer concessões recíprocas entre os valores e interesses em disputa, preservando o máximo possível de cada um deles. Situações haverá, no entanto, em que será impossível a compatibilização. Nesses casos, o intérprete precisará fazer escolhas, determinando, in concreto, o princípio ou direito que irá prevalecer.

Assim, resta clara a função do procedimento de ponderação, já que serve como técnica para o intérprete da norma solucionar os casos de conflitos onde o método de Bobbio mostra-se ineficaz.

Tendo em consideração ser a norma constitucional subdividida em regras e princípios, cumpre enfatizar que nem sempre a resolução ocorrerá facilmente através de uma técnica ou outra e, para isso, deverá o intérprete da norma apreciar o caso em estudo para que escolha o procedimento mais adequado ao caso concreto, ou seja, se é a técnica de Bobbio ou a técnica da ponderação.

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A análise das técnicas que podem ser aplicadas no momento de resolução de antinomias existentes entre normas, assim como os conceitos e o histórico do ordenamento jurídico, bem como no Direito Constitucional, são conceitos de grande importância para o presente estudo, sendo o tema central deste abordar o conflito existente entre os valores constitucionais contrapostos na prática do procedimento da revista íntima em estabelecimentos prisionais.

O próximo capítulo abordará esses dois conceitos constitucionais e temas correlatos, quais sejam, a análise do procedimento da revista íntima em estabelecimentos prisionais, qual o entendimento legal, jurisprudencial e doutrinário acerca da prática do procedimento, além da apresentação da questão acerca da prática como justificativa da segurança pública.

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3 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E A SEGURANÇA PÚBLICA: NOÇÕES

GERAIS

No presente capítulo, serão abordadas questões e noções gerais acerca dos preceitos constitucionais da dignidade da pessoa humana e da segurança pública. Serão apresentados conceitos e características de ambos os preceitos para que se possa identificá-los no caso concreto.

Compreender os preceitos constitucionais é de suma importância, pois somente após uma apreciação da questão será possível articular considerações acerca do tema, tendo em vista que, na atual situação jurídica, a sociedade encontra-se em extrema perplexidade em face do paradoxo que é o sistema prisional brasileiro, algo que provoca muita discussão entre juristas e operadores do Direito.

É imprescindível a apresentação de características e diferenças importantes para que se esclareça quando ocorre a aplicação de um princípio e a ocasião em que é aplicado outro. Ainda, as noções gerais auxiliam e são importantes, uma vez que através delas deve ser possível encontrar soluções para o caso concreto.

3.1 DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA

O Direito fundamental da dignidade da pessoa humana está presente no artigo 1º, inciso III, da Constituição da Republica Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Através deste dispositivo, o legislador tratou de proteger o direito à dignidade de cada indivíduo, bem como o fez ser respeitado, independentemente de qualquer característica, sendo, inclusive, irrelevante se o titular tem consciência ou não da sua dignidade: ela existe mesmo assim, por vontade constitucional.

O artigo 1° prescreve que “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos” (BRASIL, 1988). Presente no inciso III, está a dignidade da pessoa humana. Através desse dispositivo o Estado Democrático de Direito garante, como um direito fundamental, a dignidade da pessoa humana.

Para melhor entendimento do assunto, é indispensável que seja realizado um breve histórico, sem esgotar o tema, deste direito fundamental tão importante e protegido, que é o da dignidade da pessoa humana, constituído como valor intrínseco e inerente a todo ser humano.

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É instigante tentar identificar quais a noções de dignidade da pessoa humana possam ter sido influentes no processo de reconhecimento no direito (MARTINS, 2003).

Houaiss e Villar (2004, p. 248) conceituam dignidade como “consciência do próprio valor; honra; modo de proceder que inspira respeito; distinção; amor próprio.” Sarlet (2001) acredita que a dignidade é um caráter inerente ao ser humano, não podendo se distanciar dele, sendo uma meta permanente do Estado Democrático de Direito mantê-la.

Na antiguidade clássica podem ser identificados vários sinais de pensamento com conteúdo de dignidade da pessoa humana, no que se refere às leis destinadas a resguardar e proteger o indivíduo. Apesar de constituir formas jurídicas elementares, o Código de Hamurabi, da Babilônia e da Assíria, o Código de Manu, da Índia, podem ser mencionados como manifestação de defesa da dignidade e dos direitos do ser humano (MARTINS, 2003).

Na Grécia Antiga, segundo Nogare (1985, p.25), há “a construção do pensamento do homem com a validade universal e normativa”. Apesar de os gregos não trabalharem diretamente para o desenvolvimento da dignidade da pessoa humana, este pensamento representa o início da construção de uma noção para o instituto. Esta reflexão filosófica sobre o homem acaba sendo o primeiro passo para a construção da dignidade humana.

Assim disciplina Abrão (1999, p. 18-19) sobre o tema:

Na verdade, a grande contribuição da filosofia grega para o pensamento ocidental radica em um novo modo de pensar, racional e filosófico, que se opõe ao pensamento mítico. Se a mitologia exprime no celestial todo o conjunto de relações do homem entre si e do homem com a natureza, com o surgimento da polis como criação da vontade humana e com o desaparecimento do “rei divino”, produz-se uma nova forma de encarar os problemas: o logos, a razão.

Para Tomás de Aquino3 a “dignidade humana”, que guarda intensa relação com sua concepção de pessoa, nada mais é do que uma qualidade inerente a todo ser humano e que o distingue das demais criaturas: a racionalidade (NOGARE, 1985). Através de sua racionalidade o ser humano passa a ser livre e responsável por seu destino, significando o que há de mais perfeito em todo o universo e constituindo um valor absoluto.

No pensamento filosófico e político da antiguidade clássica, constata-se que a dignidade da pessoa humana relatava que a posição social ocupada pelo indivíduo, bem como o seu reconhecimento perante a sociedade, resultava em uma quantificação e modulação de dignidade, no sentido de afirmar que existem pessoas mais dignas e pessoas menos dignas (SARLET, 2001). Por outro lado, o pensamento estoico tinha a dignidade como qualidade

3Tomás de Aquino (1225 — 1274), foi um frade da Ordem dos Pregadores (dominicano) italianocujas obras

tiveram enorme influência na teologia e na filosofia, principalmente na tradição conhecida como Escolástica. Sua influência no pensamento ocidental é considerável e muito da filosofia moderna foi concebida como desenvolvimento ou oposição de suas ideias, particularmente na ética, lei natural, metafísica e teoria política.

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que, por ser algo inerente ao ser humano, “o distinguia das demais criaturas, no sentido de que todos os seres humanos são dotados da mesma dignidade, noção esta que se encontra intimamente ligada à noção de liberdade pessoal de cada indivíduo” (SARLET, 2001, p. 30-31).

Para que a ideia de dignidade da pessoa humana fosse afirmada e reforçada, foi essencial a contribuição do espanhol Francisco de Vitoria4, quando no século XVI, com o início da expansão colonial espanhola, sustentou a ideia de que os indígenas, em função de sua natureza humana e do direito natural, eram livres e iguais, devendo ser respeitados como sujeitos de direito, proprietários e na condição de signatários dos contratos firmados com a coroa espanhola. Além da colaboração de Vitoria, Samuel Pufendorf5 disciplinava que até mesmo o monarca deve respeitar a dignidade da pessoa humana, considerada esta como a liberdade do ser humano em agir conforme seu entendimento e opção racional (SARLET, 2001).

A luz do pensamento jusnaturalista dos séculos XVII e XVIII, a concepção de dignidade da pessoa humana “passou por um processo de racionalização e laicização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental de igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade” (SARLET, 2001, p. 32).

Idealizando sua percepção com base na natureza racional do ser humano, Kant6 (1980, p. 134 apud SARLET, 2001, p.32-33) designa que a “autonomia de vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo-se no fundamento da dignidade da natureza humana”.

Ainda, segundo Kant (1980, p. 140 apud SARLET, 2001, p.33-34):

No reino dos fins tudo tem ou um preço ou uma dignidade. Quando uma coisa tem um preço, pode pôr-se em vez dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma coisa está acima de todo o preço, e, portanto não permite equivalente, então ela tem dignidade... Esta apreciação dá, pois a conhecer como dignidade o valor de uma tal disposição de espírito e põe-na infinitamente acima de todo o preço. Nunca ela poderia ser posta em cálculo ou confronto com qualquer coisa que tivesse um preço, sem de qualquer modo ferir a sua santidade.

4Francisco de Vitória (1483 — 1546) foi um teólogo espanhol neo-escolástico e um dos fundadores da

tradição filosófica da chamada "Escola de Salamanca", sendo também conhecido por suas contribuições para a teoria da Guerra Justa e como um dos criadores do moderno direito internacional.

5Samuel Pufendorf (1632 — 1694) foi um jurista alemão. Foi um dos expoentes da corrente jusnaturalista e

do transpersonalismo, tendo os seus escritos influenciado de forma duradoura o ensino do Direitona maioria da Europa, com destaque para os países de tradição

6Immanuel Kant (1724 — 1804) foi um filósofo prussiano, geralmente considerado como o último grande

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Assim, somente a pessoa humana como ser racional, único e insubstituível possui dignidade. E esta dignidade está acima de qualquer coisa e qualquer preço, sendo impossível tentar atribuir a ela um preço ou colocá-la em confronto com qualquer coisa com preço. A dignidade, ao contrário de outras coisas que possuem preço – e que podem ser substituídas por outra coisa equivalente - , constitui um valor interno da pessoa humana, superior a qualquer preço, e que não admite substituto equivalente (MARTINS, 2003).

É no pensamento kantiano que a doutrina jurídica mais expressiva ainda hoje busca identificar as bases de uma fundamentação e, de certa forma, de uma conceituação de dignidade da pessoa humana. Assim, a concepção de dignidade da pessoa humana elaborada por Kant prevalece no pensamento filosófico atual (MARTINS, 2003).

Da percepção jusnaturalista que vivenciava seu apogeu justamente no século XVIII vem a consagração da ideia da dignidade da pessoa humana, tendo como pressuposto de que “o homem, em virtude de sua condição humana e independentemente de qualquer outra circunstância, é titular de direitos que devem ser reconhecidos e respeitados por seus semelhantes e pelo Estado” (SARLET, 2001, p.37).

Assim, acabou recepcionada, sendo o pensamento cristão e humanista essenciais, uma fundamentação metafísica da dignidade da pessoa humana, que em manifestação jurídica significa “uma última garantia da pessoa humana em relação a uma total disponibilidade por sua parte do poder estatal e social” (SARLET, 2001, p. 37).

Jean Paul-Sartre7 também teve participação para o desenvolvimento do tema. A análise de seu pensamento se justifica pelo fato de sua obra ser extremamente representativa no momento em que foi publicada. Seu pensamento, enquanto inserido no contexto da filosofia existencialista, bem como em razão de sua nítida inspiração marxista de dignidade da pessoa humana e da maneira de ver o homem no contexto da existência. Para Sartre, o homem primeiro existe antes de ter sua essência, ou, então, “a existência precede a essência” (ABBAGNANO, 2000 apud MARTINS, 2003).

[...] significa que o homem existe para si e que não foi criado a partir de uma essência anterior (como, por exemplo, uma essência divina). Assim, não haveria natureza humana. E exatamente porque a existência precede a essência que o homem não está sujeito a um determinismo. Ao contrário, seu futuro estará inteiramente por construir, cabendo-lhe, portanto, a total responsabilidade por sua existência. Todavia, ao ser inteiramente responsável por si próprio, o homem também acaba sendo inteiramente responsável por toda humanidade (MARTINS, 2003, p.30).

7Jean-Paul Charles Aymard Sartre (1905 1980) foi um filósofo, escritor e crítico francês, conhecido como

representante do existencialismo. Acreditava que os intelectuais têm de desempenhar um papel ativo na sociedade. Era um artista militante, e apoiou causas políticas de esquerda com a sua vida e a sua obra.

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Ainda sobre existência do homem anterior à sua essência, Sartre (1973, p. 15 apud MARTINS, 2003, p.30) acrescenta que “o homem está condenado a ser livre. Condenado por que não se criou a si próprio; e, no entanto, livre porque uma vez lançado ao mundo, é responsável por tudo quanto fizer”, recusando, todavia, que uma moral estabelecida fosse capaz de auxiliar o homem.

Portanto, Sartre recusa a existência de uma dignidade inata ao ser humano, afastando-se do pensamento estoico e do pensamento kantiano, entendendo que nenhuma moral pode indicar o que fazer. De outro modo, destaca que a dignidade da pessoa humana está relacionada ao fato de sua existência estar toda por construir (MARTINS, 2003).

Ao contrário das coisas que já possuem uma existência predeterminada, o homem tem plena liberdade para fazer-se, e aí reside a sua dignidade. Uma dignidade que, embora não seja inata, consiste em realizar um projeto de superação de sua própria condição e de toda a humanidade, visto que o homem não está fechado em si, mas o presente sempre num universo humano (SARTRE, 1973, p. 13 apud MARTINS, 2003, p.31).

Para o filósofo o existencialismo é a única teoria capaz de conferir uma dignidade ao homem, pois não o reduz a um determinismo que faria dele um objeto, tal quais as coisas.

O pensamento de Hannah Arendt8 foi extremamente representativo para que o princípio da dignidade da pessoa humana fosse levado à constitucionalização, iniciando na Alemanha e, consecutivamente, em outras constituições, inclusive no Brasil. Foi com base em estudos sobre os regimes totalitários nazista e stalinista que a autora identificou as principais razões desta constitucionalização (MARTINS, 2003, p. 32).

Foi analisando a crise do Estado contemporâneo que Arent passou a demonstrar a estrutura burocrática e a dominação dos governos totalitários, tendo como base uma ideologia de terror, os padrões morais e categorias políticas tradicionais se abalam, permitindo as mais grotescas ofensas à dignidade da pessoa humana (MARTINS, 2003, p. 32).

A análise sobre o regime totalitário permite registrar que este subestima a condição humana, tratando-o como objeto descartável que pode ser trocado ou substituído. O totalitarismo, enquanto proposta de organização de sociedade significa “uma ruptura na evolução histórica da tradição ocidental, que escapa ao bom senso e foge de qualquer critério razoável de Justiça” (LAFER, 1988, p. 117).

O pensamento de Arendt é de suma importância para o momento histórico da constitucionalização da dignidade da pessoa humana, sob a forma de princípio em diversas

8Hannah Arendt (1906 – 1975) foi uma filósofa política alemã de origem judaica, uma das mais influentes do

século XX. Seus trabalhos sobre filosofia existencial e sua reivindicação da discussão política livre tem um papel central nos debates contemporâneos.

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constituições mundiais. Além disso, sua obra serve de parâmetro para compreensão que a preservação e promoção da dignidade da pessoa humana assume numa sociedade como a brasileira (LAFER, 1988).

Diante da análise feita acerca da evolução histórica da dignidade da pessoa humana, observa-se que o tema teve sua construção através dos séculos, tendo origem no estoicismo e se situando em pensamentos modernos, progredindo, de uma forma positiva, com o passar do tempo.

3.1.1 A dignidade da pessoa humana no direito constitucional brasileiro

A Constituição Política do Império do Brasil, oferecida e jurada em 1824, previa em seu Título VIII as disposições gerais, as garantias dos direitos civis e políticos dos cidadãos brasileiros. O artigo 179 da referida constituição continha um rol taxativo de direitos fundamentais. Apesar de sua inclinação aos direitos humanos, a dignidade da pessoa humana estava ainda em fase de desenvolvimento, e o respeito ao gênero humano passava de forma despercebida, uma vez que o Império sofria com a escravidão, ainda que o inciso XIX determinasse que estivessem “abolidos os açoites, a tortura, a marca de ferro quente e todas as mais penas cruéis” (BRASIL, 1824).

Desta forma, pode-se afirmar que a Constituição do Brasil Império era contraditória, considerando a realidade em que o País vivia, sendo que era expressa a afirmação de liberdade e igualdade de todos perante a lei, mas a maioria da população ainda permanecia escrava. Existia a garantia de segurança individual, mas podia-se matar um homem sem que houvesse punição. A tortura foi abolida, mas os “senhores” continuavam usando métodos e instrumentos de castigos em suas senzalas, causando ainda a morte de homens e mulheres. Era um conjunto de ideias liberais que ocultavam as condições sociais reais (LIMA, 2012).

A constituição de 1824 não considerava a pessoa humana como um indivíduo em sua singularidade, partindo da premissa de que o ser humano deve ser “livre”, gozando de sua liberdade externa, “sendo oprimido apenas pelos obstáculos próprios da natureza, que ainda não foram afastados pelo avanço das ciências” (LIMA, 2012, s.p.).

A dignidade da pessoa humana veio a ser instituto presente a partir da Proclamação da República. Com a Constituição Republicana, em 1891, os direitos humanos fundamentais foram expressamente declarados, porém o termo “dignidade da pessoa humana” nem sequer era citado no texto constitucional (LIMA, 2012).

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Foi, contudo, a constituição de 1891 que avançou, ainda que de forma rudimentar, nas concepções de dignidade da pessoa humana, ao trazer pela primeira vez ao ordenamento jurídico o remédio constitucional Habeas corpus. Porém, segundo Lima (2012) “o País ainda respirava injustiças raciais e o voto não era universal, pois não existia o voto feminino, o que só tornou-se real na era Vargas, através do Decreto nº 21.076, de 24 de fevereiro de 1932”.

A doutrina reconhece a Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, de 1934, como a de transição para um regime de democracia liberal. O documento tinha, ideologicamente, como centro de preocupação política, as questões socioeconômicas, sendo a primeira a abordar os temas econômicos e sociais, o que foi feito em seu Título IV, “Da Ordem Econômica e Social” (LIMA, 2012).

A constituição promulgada de 1934 instaurou no Brasil a idéia do bem-estar social, com as atenções voltadas para o bem-estar do indivíduo, preconizando a justiça social (MASCARENHAS, 2008).

Assim disciplina Lima (2012, s.p.):

[...] o princípio da dignidade humana era meta a ser atingida, uma vez que constitucionalizava diretrizes da ordem econômica delimitando que esta deveria ser direcionada conforme os princípios da justiça e em conformidade com as necessidades nacionais, de forma a permitir a todos uma existência digna, em toda sua plenitude, promovendo para tanto, entre outras coisas, melhores condições de trabalho, visando à proteção social do trabalho e aos interesses econômicos do País.

A Constituição outorgada em 1937 ficou conhecida como Carta Polaca, em virtude da grande semelhança que guardava com a fascista Constituição da Polônia, de 1935 (LIMA, 2012).

A Constituição outorgada de 1937, a “Polaca”, carecia de vários dispositivos de garantia dos direitos fundamentais, como, por exemplo, o mandado de segurança e o direito de manifestação de pensamento. E, pior, foi instituída a pena de morte para crimes políticos e homicídios considerados mais graves (MASCARENHAS, 2008, s.p.).

A Constituição promulgada de 1946 foi consideravelmente avançada para a Democracia Brasileira da época, normatizando direitos dos trabalhadores e retirando a censura prévia. Trouxe de volta a figura do habeas corpus e do mandado de segurança (MASCARENHAS, 2008).

Na opinião de Bastos (1999, p.56), a constituição de 1946 foi:

[...] a mais municipalista que tivemos. Foram muitos os constituintes que se bateram pela causa. Lembremos aqui, exemplificativamente, de Ataliba Nogueira, grande combatedor do ideal municipalista. Procurou-se, enfim, dar uma competência certa e irrestringível ao Município centrada na idéia da autonomia em torno de seu peculiar interesse.

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A Constituição de 1967 surgiu do Ato Institucional Número Quatro, ou AI-4, e foi elaborada sob pressão dos militares com a finalidade de instaurar e legalizar a Ditadura Militar, fazendo ocorrer um incontestável retrocesso aos direitos humanos anunciados na constituição de 1946 (LIMA, 2012). Com esta carta, as liberdades individuais e coletivas foram reduzidas, direitos e garantias constitucionais foram suspensos, líderes governavam através de decretos-lei (MASCARENHAS, 2008).

A Constituição outorgada por uma junta militar, em 1969 – em verdade uma emenda constitucional –, foi a confirmação do que foi chamado “Anos de Chumbo”, não tendo qualquer tipo de ideal e estando muito distante das concepções de Justiça, não existindo lugar para a aplicação da dignidade da pessoa humana, governando perdurando por mais de vinte e cinco anos (LIMA, 2012).

Destaca-se, no ordenamento jurídico brasileiro, a Constituição Federal de 1988, que valoriza o conceito da dignidade humana como nenhuma outra o fez, estipulando critérios e princípios que devem ser observados por todos, proporcionando mais liberdade e direitos ao cidadão. Ficou conhecida como “Constituição Cidadã”, uma vez que tem seu foco no bem estar, na igualdade e na justiça social. Segundo Lima (2012, s.p.) “houve uma valorização do conceito da dignidade da pessoa humana como um valor absoluto para as liberdades individuais, sendo, ainda, essencial para o sistema jurídico”.

Com a percepção da noção da dignidade da pessoa humana e de sua positivação constitucional, instaura-se um marco no constitucionalismo brasileiro com o reconhecimento e afirmação de que o Estado é visto como meio para proteção e realização da pessoa humana, e não o contrário (LIMA, 2012).

Esta consciência e reconhecimento mostram-se importantes na medida em que, em momentos específicos da história, nem todos os seres humanos foram considerados pessoas como sujeitos de direitos, como, recapitula-se, a situação vivida pelos escravos, que eram considerados objetos, não sendo havidas como pessoas de direito.

Assim, pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana, presente nas constituições brasileiras, não é apenas um princípio, sendo fato fundamental constitucional, não podendo outros princípios serem produzidos ou normatizados sem observar este preceito maior presente na Carta Magna.

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A partir desse ponto, o presente trabalho passará a apresentar o procedimento da revista íntima praticada em estabelecimentos prisionais brasileiros, ponto central da discussão constitucional do tema. O procedimento está presente na maior parte dos estabelecimentos prisionais do País, e poucos estados estão regulamentando normas que prevejam o fim desse procedimento.

3.2.1 No sistema penitenciário brasileiro

A revista íntima ou revista minuciosa, como também é conhecida, é o procedimento ao qual são submetidas as pessoas que pretender visitar algum familiar ou amigo em penitenciárias, presídios ou centros de cumprimento de medidas socioeducativas. Essa prática é conhecida também como revista vexatória, exatamente pelo seu caráter humilhante e abusivo. Essas pessoas referidas - crianças, adultos e idosos - são ordenadas por agentes penitenciários a ficar nuas, agachar diversas vezes sobre espelhos, muitas vezes terem seus órgãos genitais inspecionados, sem observância de qualquer cuidado mínimo de higiene, expondo o visitando ao risco de doenças transmissíveis. A visita ao preso é direito legalmente garantido e é fundamental para a sua reintegração social, conforme prevê o art. 41, inciso X, da Lei de Execuções Penais. (BRASIL, 1984).

Nas palavras de Mirabete (2007, p.124):

Fundamental ao regime penitenciário é o princípio de que o preso não deve romper seus contatos com o mundo exterior e que não sejam debilitadas as relações que o unem aos familiares e amigos. Não há dúvidas de que os laços mantidos principalmente com a família são essencialmente benéficos para o preso, porque o levam a sentir que, mantendo contados, embora com limitações, com as pessoas que se encontram fora do presídio não foi excluído da comunidade. Dessa forma, no momento em que for posto em liberdade, o processo de reinserção social produzir-se-á de forma natural e mais facilmente, sem problemas de readaptação a seu meio familiar e comunitário [...].

A família é de suma importância para o processo de ressocialização, principalmente a mulher, uma vez que é ela quem acompanhará o apenado durante toda a condenação. Muitas viajam longas distâncias para visitar seus parentes e amigos, formando grande filas nos portões dos estabelecimentos prisionais em dias de visitas. Na maior parte dos presídios que utilizam o procedimento, a grande maioria dos visitantes é constituída de mulheres, sejam elas mães, irmãs, filhas, esposas ou companheiras, conforme a figura abaixo, que demonstra o número de pessoas cadastradas na Secretaria de Estado de Administração Penitenciária de São Paulo – SAP, para realização de visitas em estabelecimentos prisionais. (SÃO PAULO, 2014a).

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Os visitantes costumam levar materiais para a manutenção do próprio preso, tais como produtos de limpeza, higiene e alimentos, que passam por uma revista minuciosa a fim de se evitar a entrada de qualquer objeto proibido. Em alguns locais há um mini scanner pelo qual se passam o alimento, já em outros, por não haver este equipamento, usam-se garfos e facas para furar e detectar possíveis objetos ilícitos. Após verificar todos os alimentos, os visitantes, estes que acompanham todo o cumprimento da pena, serão revistados de forma vexatória e com métodos medievais de revista (PAULA, SANTANA, 2012).

Para que a revista seja realizada, se faz necessário que o visitante retire toda a roupa em frente de um agente determinado a efetuar o procedimento. Deve o visitante agachar-se por diversas vezes, diante de um espelho, para comprovar que não escondem objetos ilícitos e, não raras exceções, ocorre a manipulação dos genitais pelos próprios agentes que, por regra, devem ser do mesmo sexo que a pessoa revistada, conforme regulamente a Portaria nº 132,26 de setembro de 2007 do Ministério da Justiça (PAULA, SANTANA, 2012).

Explica Doolan (2007, s.p. apud PAULA e SANTANA, 2012, p. 269) que “as jovens [mulheres dos apenados que passam pelo procedimento] dizem entender a necessidade da revista a que são submetidas, mas discordam da maneira como algumas agentes penitenciárias exageram nos procedimentos”.

O procedimento foi implementado em presídios e penitenciárias brasileiras pelo Estado com suposto objetivo preventivo, a fim de evitar a entrada de objetos não permitidos,

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tais como armas, drogas e aparelhos telefônicos portáteis. O familiar é visto e acaba constituído como um suspeito, por ser parente de uma pessoa presa. O Poder Executivo dos Estados são os responsáveis por essa prática, além das demais autoridades responsáveis pela administração penitenciária (SÃO PAULO, 2014a).

No ano de 2012, foram realizadas 3.407.926 (três milhões, quatrocentas e sete mil, novecentas e vinte e seis) visitas nas 159 (cento e cinquenta e nove) unidades prisionais do estado administradas pela SAP (SÃO PAULO, 2014a).

Abaixo se têm alguns dados fornecidos pela Secretaria de Estado de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP) acerca das revistas realizada em determinado período e das apreensões ocorridas.

Somando-se armas, drogas e aparelhos celulares encontrados, o número de apreensões corresponde a 0,023% do número de visitas, o que significa que o procedimento invasivo de revista genital das unidades prisionais apenas logrou encontrar algum objeto proibido cerca de duas vezes a cada dez mil visitantes revistados em 2012 (SÃO PAULO, 2014a).

No ano de 2013, relativo ao período entre janeiro e setembro, a relação entre o número de apreensões de objetos ilícitos e o número de visitações é bastante similar. Foram realizadas no período 2.233.769 (dois milhões, duzentas e trinta e três mil, setecentas e sessenta e nove)

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visitas nas 159 (cento e cinquenta e nove) unidades Prisionais do Estado administradas pela Secretaria de Administração Penitenciária (SÃO PAULO, 2014a).

Contando todas as armas, drogas e aparelhos celulares no período, o número de apreensões corresponde a 0,016% do número de visitas, o que significa que o procedimento invasivo de revista genital das unidades prisionais apenas logrou encontrar algum objeto ilícito cerca de uma vez e meia a cada dez mil visitantes revistados em 2013 (SÃO PAULO, 2014a).

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Dessa forma, constatou-se que o número de apreensões feitas dentro dos presídios é quase quatro vezes maior que o número de apreensões realizadas com visitantes e, equivalentemente, é ínfimo o número de visitantes flagrados nessa situação (REVISTA..., 2014).

Assim relata Mariath (2008, s.p.):

A realização desse tipo de revista pessoal atua como instrumento de intimidação, uma vez que o próprio Estado informa que o número de apreensões de objetos encontrados com visitantes [...] é extremamente menor daqueles encontrados nas revistas realizadas pelos policiais nas celas, indicando que outros caminhos ou portadores, que não são os visitantes, disponibilizam tais produtos.

Ademais, há um constrangimento do próprio País, dado que as revistas íntimas vexatórias, com desnudamento e inspeção genital, são consideradas práticas ilegais pela Comissão Interamericana de Direitos Humanos e pela Corte Interamericana de Direitos Humanos, órgãos a cuja jurisdição internacional submete-se o Brasil por força da Internalização do Pacto de San Jose da Costa Rica (REVISTA..., 2014).

Defronte do que foi explanado acerca do procedimento, observa-se que a revista acontece em nome da segurança pública, utilizando métodos, ainda que, degradantes para o visitante, com uma finalidade de efetivar a segurança e a ordem dentro dos estabelecimentos prisionais.

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3.3 SEGURANÇA PÚBLICA

A maioria da população não entende a complexidade da segurança pública, acreditando tratar-se de assunto especificamente de polícia. Essa postura repercute nas autoridades e as consequências dessa desinteligência estão presentes em todo lugar, à vista de todos. A perplexidade vai tomando conta aos poucos, dado que a violência e a criminalidade crescem e as medidas adotadas vêm se mostrando cada vez menos eficazes. (CÂMARA, 2002).

Portella (2005, p. 11) explica que a “palavra segurança é derivada dos advérbios latinos secure e secures, originalmente significando sem preocupação, em segurança ou isento de perigo”. Significa dizer um Estado com ausência de perigo, utilizando uma atividade para afastamento de riscos e perigos e para denominar os próprios instrumentos de proteção (PORTELLA, 2005).

Tal instituto está presente no artigo 144 da Constituição Federal, prevendo que a “segurança pública, dever do Estado, direito e responsabilidades de todos, é exercida para a prevenção da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio” (BRASIL, 1988) Coordenar a área da segurança pública é um desafio que deve ser compartilhado com a sociedade, não para isentar a responsabilidade do Estado em suas decisões, mas para encontrar o caminho certo, o melhor rumo para todos (CÂMARA, 2002).

Sobre os conflitos sociais, assim critica Sapori (2007, p.17, grifos do autor):

Os conflitos sociais oriundos da dispersão de comportamentos desviantes são manejados, nas sociedades modernas, por organizações públicas especializadas na efetivação de mecanismos de controle social. Do ponto de vista institucional, os Estados democráticos contemporâneos procuram garantir a manutenção da ordem mediante a obediência de diversos institutos legais que estabelecem os parâmetros de seu poder de atuação. Vigora no Estado democrático de direito, nessa ótica, a máxima ordem sob a lei.

De um modo geral, Dantas Filho (2009, p. 11) explica que “os governantes não dão a devida prioridade à segurança pública, que se ressente, inclusive, da crise da falta de autoridade em todos os níveis”.

Conforme Dantas Filho (2009, p. 11-12):

Não são alocados os recursos necessários para a renovação do aparato policial – normalmente absoleto – e para a implantação de um sistema presidiário adequado em substituição ao atualmente caótico. A remuneração do pessoal de nível inferior é irrisória e a corrupção mina os alicerces dos órgãos de segurança pública. Além disso, as faltas de incentivos e de sensibilidade para a gravidade do problema contribuem, sobremodo, para a redução da motivação profissional daqueles que têm a árdua missão de zelar pela ordem pública

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Segundo Dantas Filho (2012, p. 12) a segurança “deve garantir a preservação de valores de toda ordem e deve responder as seguintes perguntas: Qual o valor a garantir? Quem garante? Contra o que ou quem se garante? Qual o meio empregado para garanti-lo?”.

A Segurança Pública garante a Ordem Pública por meio do uso da força da sociedade, administrado pelo Poder de Polícia (DANTAS FILHO, 2012). Ordem pública, definida por Meirelles (1986, p.156) é a “situação de tranquilidade e normalidade que o Estado assegura – ou deve assegurar – às instituições e a todos os membros da sociedade, consoante as normas jurídicas legalmente estabelecidas”

Assim, observa-se que “ordem pública” é um conceito amplo, possuindo diversos sentidos e atuações do poder estatal, já que este tem a função de mantê-la, resguardado pelo poder de polícia (SULOCKI, 2007).

Explica Sulock (2007, p. 47) que:

Ordem Pública e poder de polícia são figuras que andam juntas, posto que é pelo poder de polícia que o Estado, mais especificamente o Poder Executivo, através da Administração Pública, intervém na sociedade civil para limitar as liberdades individuais dentro do quadro da ordem vigente.

A conservação da ordem pública é um dos essenciais bens coletivos da sociedade moderna, tendo como objetivo de garantir o exercício dos direitos individuais, manter a estabilidade das instituições e assegurar o regular funcionamento dos serviços públicos, como também impedir “danos sociais”, conceituado por Caetano (1977, p. 342 apud DANTAS FILHO, 2009, p. 13) como “os prejuízos causados à vida em sociedade ou que ponha em causa a convivência de todos os membros dela”.

É substancial que o Estado consiga uma solução adequada para o impasse de controle existente entre a liberdade individual versus regramento social, para então explicar esse impasse de controle que, segundo Sulocki (2007, p. 47) traduz-se na “eterna dialética do público e do privado, que se completa na do comando e da obediência, em que o poder de polícia é a forma especial de que se reveste a força coerciva para estabelecer o equilíbrio entre os interesse público e o exercício de liberdades e direitos individuais”. Para estabelecer esse equilíbrio é necessário que o Estado exerça uma função de mediação das relações sociais. Tal mediação é neutra, pois a verdade se constitui em fiança, e como fiança, é garantia de reprodução dessas relações de forças presentes na sociedade (SULOCKI, 2007)

Assim doutrina Sapori (2007, p. 18):

O combate à criminalidade constitui uma atribuição estruturante do Estado nas sociedades contemporâneas. Além de prover saúde e educação, bem como outros serviços que garantem o bem-estar social, deve o Estado zelar pela preservação do patrimônio dos cidadãos e de suas respectivas integridades físicas.

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Conforme observa Swan (1992, apud SAPORI, 2007, p. 18) um bem se torna coletivo “quando o Estado assume a responsabilidade pela sua provisão, e a população, principalmente as elites, se dispõe a pagar uma taxa para que o serviço seja oferecido de forma coletivizada, e não mais individualizada”.

Assim decorrem os vários conceitos de Ordem Pública, no tempo e no espaço, sempre vinculando a ideia de interesses públicos e de proteção à segurança, à propriedade, à saúde pública, aos bons costumes, ao bem-estar coletivo e individual, bem como à estabilidade das instituições em geral (DANTAS FILHO, 2009).

Dantas Filho (2009, p. 14) ainda explica que:

A Ordem Pública não é figura jurídica, nem instituição política ou social. É situação fática de respeito ao interesse da coletividade e aos direitos individuais que o Estado assegura, pela Constituição da República e pelas leis, a todos os membros da comunidade.

A sociedade sempre acreditou nos resultados da repressão. O problema surgia, anulavam-se as consequências, mas as origens não eram bem solucionadas, caracterizando descaso no que diz respeito às medidas preventivas (DANTAS FILHO, 2009).

Os Estados que tardaram a criação de estratégia de sua segurança pública, acabaram por tornarem-se incapazes de sanar seus impasses nesta área e acabam requerendo ajuda, principalmente financeira, do governo central (DANTAS FILHO, 2009).

Os legisladores, ao promulgarem a Constituição Federal de 1988, já sabedores das fragilidades do aparato existente nos Estados membros, para garantir a ordem pública estabeleceram, no inciso III do artigo 34, que a União não intervirá nem nos Estados nem no Distrito Federal, exceto para pôr termo ao grave comprometimento da Ordem Pública, deixando somente esta brecha para o emprego das Forças Armadas (DANTAS FILHO, 2009, p. 18).

O Estado não tem logrado resultados satisfatórios com suas políticas públicas de segurança do cidadão. A noção de política pública, segundo Sapori (2007, p. 69) pressupõe “a existência de uma esfera da vida que não é privada ou puramente individual, e sim sustentada pelo que é comum e público. E, sendo comum em termos da comunidade política, cabe ao Estado a responsabilidade principal, se não exclusiva, por sua preservação”.

A população compreende a dimensão da atividade humana, que carece de intervenção, regulação social e governamental. À medida que certos bens vão se coletivizando, passam a ser objeto de políticas públicas. É no processo de proeminência institucional do Estado-nação enquanto organizador de bens coletivos que aumenta e expectativa social de que cabe aos governantes solucionar “problemas” utilizando-se do aparato administrativo-burocrático (SAPORI, 2007).

Referências

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