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A entrada nos espaços expositivos do Ateneum: breve relato de uma decepção

Do fechamento do Museu Paulista, cuja reabertura está prevista apenas para 2022, decorre um vazio incômodo à discussão realizada no capítulo 1: a impossibilidade de compreender as diferenças existentes entre o museu que reconstruí a partir da pintura do Pedro Américo e a instituição de fato existente. Além de oferecer uma série de materiais discutidos neste capítulo 2, a viagem de pesquisa ao Ateneum, por seguir a mesma lógica de restrição de acesso ao espaço expositivo presente no Museu Paulista, permitiu-me finalmente ter a experiência de comparação.

44 Steyerl, Hito. In Defense of the Poor Image. Museum. E-flux Journal, 2009 (10). Disponível em: https://www.e-flux.com/journal/10/61362/in-defense-of-the-poor-image/

173 Como entrar ou não no Ateneum foi uma escolha, pude estabelecer ali uma investigação que, durante os quatro primeiros meses, buscasse o entendimento das camadas não expositivas da instituição. Apenas no quinto, e último, mês entrei em suas galerias de arte, como um visitante tradicional, quando pude comparar as diferenças dos dois modos de visitação e mediação. Antes disso, informei a direção do museu sobre minha pesquisa. A então curadora Susanna Pettersson achou intrigante o fato de um artista ter estado pesquisando o museu por tanto tempo, sem seu conhecimento. Como retribuição, facilitou a finalização das ações que já estavam em andamento (como as conversas com os funcionários), assim como novas aproximações, incluindo uma pesquisa por quatro semanas de tudo que os visitantes jogavam nas lixeiras do museu . 45

Esta seção final do capítulo é muito mais curta que as demais, o que é intencional. A diferença de extensão se deve ao fato de que o processo de entrada no Ateneum me ofereceu muito menos do que a recusa, por meses, de conviver com suas obras e seus espaços expositivos.

Evidentemente muitas semelhanças foram encontradas: por vezes nas minhas visitas presenciais, tinha a impressão de já ter estado ali. O saldo, porém, foi um conjunto de decepções – e, assim como se deu com quase todas as experiências desta tese, isso não é encarado como um problema, mas como ponto de partida para reflexão artístca e crítica.

A sensação de decepção não se restringiu às obras – a escultura Echo (1887), de Ville Vallgren, era muito maior do que eu imaginava, enquanto a pintura Lemminkäinen's Mother (1897), de Akseli Gallen-Kallela, não chegava a um terço do esperado por mim. Fora essas questões de escala, o que percebi nas visitas presenciais foram o que se esperava de um museu. Em realidade, o principal problema notado neste último mês de pesquisa no Ateneum foi justamente esse, a impressão de que estava em um espaço expositivo como qualquer outro – e, de muitas formas, estava.

45 Durante quatro semanas, todos os finais dos dias aparecia no museu para acompanhar a retirada do material

descartado na lixeira. Antes de seguirem para o caminhão do lixo, a equipe do museu me ajudava a colocá-los em uma área protegida do chão do museu para que selecionasse alguns desses materiais. Até hoje, eles estão guardados em uma caixa, não aberta desde 2016. Sigo refletindo o que irei fazer com o conteúdo. Nesse primeiro momento, posso destacar o consumo quase diário de bananas no museu e o descarte de muitos mapas da cidade.

174 Como registrei minhas primeiras visitas, há um vídeo que mostra o momento exato em que subo a escadaria principal e avanço para além dos bustos de Fídias, Rafael e Bramante. Trata-se de um material de pouco conteúdo, que disponibilizo abaixo um frame apenas para efeito de registro.

Momento em que entro pelo primeira vez no espaço expositivo do Ateneum.

Tal decepção não significa que a decisão de entrar no museu no quinto mês de pesquisa tenha sido um equívoco metodológico. A partir dessa escolha e de suas consequências, compreendi algo que ainda não havia entendido com clareza nos quatro meses de experiências não tradicionais. O que havia feito no Ateneum, até o momento anterior à minha entrada em seu espaço expositivo, foi tratá-lo como um território criativo. E nisso reside uma possibilidade válida não apenas para este, mas também para qualquer outro museu.

Chegar a essa conclusão representa uma contribuição importante para as ideias que moldaram as aproximações aqui relatadas, principalmente o conceito de emancipação do espectador desenvolvido por Rancière. Tanto a decepção do quinto mês de pesquisa quanto os inúmeros novos modos de compreensão construídos nos meses anteriores demonstram que a

175 prática emancipatória envolve uma postura experimental e artística diante dos sistemas das artes. Principalmente, tal prática possibilita enxergar esse sistema não como áreas expositivas de experiência artísticas já legitimadas, mas como uma área de atuação para experiências diversas.

As experiências no Ateneum, ao lado das realizadas concomitantemente em outros museus europeus, parecem apontar para como os conceitos de museu e de público poderiam ser diferentes se novas posturas fossem estimuladas. Um dos principais ganhos em realizá-las em maior escala seria transformar o museu em um espaço de afeto, e não mais encará-lo como um local de verdades. Assim, poderia ser mais que um local responsável pela preservação e disseminação de sua coleção oficial, e, em um sentido mais amplo, ter sua verdadeira razão de ser entranhada em seu próprio funcionamento, pois ele mesmo, em sua completude, seria o item mais importante de sua coleção. Em outras palavras, se tivesse que escolher, não trocaria os quatro meses de pesquisas não tradicionais no Ateneum por uma visita convencional em seu interior expositivo.