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Mapa de relações conceituais dos museus experimentados

Observação:

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Anexo 4

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13 de janeiro: 11h23 - 12h04

Encontro de um pai e seu filho. Conversa truncada, intercalada com longos silêncios. No final, a mãe aparece e vai embora com o filho, deixando o pai sozinho.

13h10 - 14h22

Uma mulher (cerca de 70 anos) está há mais de uma hora na loja do museu, especialmente na área externa onde estão os cartões-postais. Olha com cuidado para cada um deles. Escolhe apenas um (não consigo identificar qual), pergunta onde essa obra se encontra no espaço expositivo e sai.

14 de janeiro: Hora do almoço – entre 11h30 e 12h30

Muito barulho dentro do restaurante. É estranho, porque os finlandeses geralmente são silenciosos. Uma garçonete deixa cair um prato (já usado) no chão.

15 de janeiro: Hora do almoço – entre 11h30 e 12h30

Volto também para me certificar de que o restaurante é mesmo barulhento no almoço – se assim for, será um local de exceção nesta cidade silenciosa. Percebo que há barulho não

porque as pessoas falam em voz alta, mas porque a arquitetura do restaurante produz certo eco.

16 de janeiro - 17h45

Minutos antes de o museu fechar, um grupo de três bombeiros entra no prédio. Eles conversam com alguém do restaurante e um guarda do museu – a conversa é séria. Depois de algum esclarecimento, eles vão embora.

19 de janeiro: por volta das 14h00

Uma adolescente toma café de uma maneira peculiar. Cada gole é dado em lugares diferentes do copo, fazendo com que toda a borda fique manchada pelas marcas do batom.

21 de janeiro: 9h00

Fiz uma sessão de terapia (via Skype) com minha terapeuta brasileira no café / restaurante do café do museu.

22 de janeiro: 11h50 - 12h35

Um homem (cerca de 40 anos) pede um prato do cardápio. A comida chega e ele não come absolutamente nada. A refeição era uma mistura de salada com salmão.

15h33 - 16h05

Um homem (cerca de 30 anos) bebe café e sorri muito (quase uma risada) ao ler um livro com capa preta sem título.

24 de janeiro: 17h10 - 17h48

Claramente um primeiro encontro, provavelmente marcado por aplicativo de namoro. Um homem (cerca de 30 anos) conversa com alguém por telefone. Uma mulher aparece. Ele fala muito – mais que ela. Eles saem juntos do museu, atravessam a rua e entram na estação central de trem.

26 de janeiro: meio da tarde, por volta das 16h00

Uma reunião de três amigos, todos por volta dos 60 anos. Eles almoçam juntos, mas quase toda a comida fica nos pratos, porque eles riem muito e se esquecem de comer. Um ri de maneira engraçada, o que provoca ainda mais risos, criando um círculo alegre.

29 de janeiro: início da tarde

Uma mulher compra um bloco de notas na loja do museu. Ela senta em um banquinho no café / restaurante e começa a usar o bloco. De longe, não é possível identificar se ela escreve ou desenha. Quando me aproximo, ela percebe e fecha o caderno.

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Uma mulher de origem asiática aparece com seu celular e tira várias selfies em áreas públicas

do museu. Interessante notar que os locais escolhidos não tinham nada de especial – nenhuma

obra de arte ou vegetação, apenas áreas comuns de passagem ou o restaurante. 31 de janeiro: Hora do almoço (entre 11h00 e 12h00) Almoço com um novo amigo no museu para celebrar meu aniversário. Acho que a comida

não é tão boa quanto parece. Conto ao amigo que nosso encontro aparecerá nesta lista, ele

gosta da ideia e pede para incluir a informação de que os finlandeses almoçam cedo demais. 2 de fevereiro: tarde Um garçom me vê e pergunta se quero mais café. Eu digo não. Ele diz que me vê lá todos os

dias. Eu conto sobre o meu projeto, mas ele não parece muito interessado. 4 de fevereiro: 10h 35 - 11h10 Um homem senta-se do lado de fora do café. Mais de 30 minutos sozinho. Pelo menos duas

vezes, nota-se que ele chora. 11 de fevereiro: início da tarde Gêmeos idênticos (cerca de 20 anos) entram no museu e compram os ingressos. 12 de fevereiro: início da tarde Um homem tenta entrar nas galerias do museu sem bilhete. O guarda lhe avisa que precisa

pagar, mas ele não entende nenhuma palavra em inglês – ou finge não entender. Por quase 10

minutos, os funcionários tentam explicar para ele com gestos e palavras-chave: comprar –

ingressos – visitar – pagar. Só depois de muito esforço ele parece entender e compra

ingressos na bilheteria. 13 de fevereiro: início da tarde Um casal esperando por alguém no sofá da sala de bilheteria. Aparece outro casal e eles

começam a conversar. De repente, os dois casais abrem um computador portátil e começam

uma reunião no Skype com outros amigos. Ficam, assim, por mais de duas horas. 13 de fevereiro: 17h37 - 18h00 Uma mulher de 70 anos usa o celular. Alguém aparece no café / restaurante usando uma

burca improvisada (casaco, lenço, calça preta). Ele conhece a mulher e dá uma flor a ela, que logo tira o pano e se mostra muito feliz em vê-lo.

Anexo 5

183 Modos de produção das fotografias

● Registros realizados sempre em estúdios de fotógrafos especialistas em fotografias de obra de arte;

● Produtos de diferentes lojas podem estar em um mesmo registro;

● Alguns poucos objetos podem ter sido encomendados por mim (caso da xícara do Independência ou morte )

● Possibilidade 1: produzir um catálogo dos principais produtos de uma loja de um museu específico;

● Possibilidade 2: produzir um catálogo com produtos de diferentes lojas de museus.

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Versão 1 para poster da pintura Children with a Parrot (1850), de Christina Robertson, da loja do Hermitage, São Petersburgo

Versão 2 para poster da pintura Children with a Parrot (1850), de Christina Robertson, da loja do Hermitage, São Petersburgo

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Versão 2 para xícara com imagem da pintura Independência ou Morte (1888), de Pedro Américo, tendo como complemento canetas de outros museus

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Capítulo 3

Olhares mediados pela fotografia A presença fotográfica no museu

1. Primeiras experiências com a imagem fotográfica: a fotografia de obra de arte

Estamos em um presente em que a arte é cada vez mais mediada pela fotografia e seus

avanços tecnológico. Muito já se discutiu sobre as mudanças advindas da popularização de

técnicas de impressão e de distribuição de imagens a partir do século XIX, e que até hoje se

intensifica. Em 1931, Walter Benjamin tratou das fricções desse processo: Se alguma coisa caracteriza a relação moderna entre a arte e a

fotografia, é a tensão ainda não resolvida que surgiu entre ambas

quando as obras de arte começaram a ser fotografadas.

(BENJAMIN, 1987, p. 98) No mestrado defendido em 2014 no Instituto de Artes da Unicamp, estudei essa

relação caracterizada por Benjamin como conflituosa: a que faz da fotografia uma espécie de

substituta da obra de arte. Na época, realizei um livro chamado Art Book com biografias,

imagens de 311 obras e declarações de 50 artistas fictícios – todos criados por mim a partir de

clichês encontrados em dez enciclopédias internacionais de arte. Com orientação da professora Lygia Arcuri Eluf, identifiquei os estereótipos mercadologicamente exemplares do que seria o artista contemporâneo e, ao produzir eu

mesmo as obras de 50 artistas, demonstrei que o sistema da arte contemporânea (em especial,

o mercado) vem acompanhado de um manual de instruções. Decodificá-lo é como aprender

um novo idioma, e a fotografia profissional de obra de arte é, sem dúvida, tanto parte

essencial à constituição desse sistema quanto ferramenta profícua para aprender a

desvendá-lo. Para que o livro ficasse verossímil, muitas vezes não era preciso produzir um

simulacro de arte que funcionasse, mas, sim, seus registros fotográficos convincentes. Levei

essa experiência em muitas outras pesquisas artísticas: considerar o registro da arte como um importante elemento do sistema da arte.

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Art Book (2012 - 2014), livro etc., 300 páginas, 15.4 x 25 cm. Mais informações (incluindo o pdf da publicação em português, inglês e espanhol) em https://brunomoreschi.com/Art-Book

Também como parte do mestrado, realizei uma experiência complementar ao livro. Ela evidencia como a História da Arte não é exclusivamente a dos objetos e das experiências artísticas, mas também a história de suas fotografias. Com interesse em entender as características desse tipo específico de registro, convidei profissionais habituados a fotografar arte para registrarem uma mesma “escultura”: uma pedra de pequeno porte, encontrada na rua e que não foi, nem nunca será, totalmente exibida ao público. Até agora composta por 13 fotografias diferentes (o processo continua sem data para acabar), essa investigação 46 tornou-se a série Contrate um profissional . O nome foi retirado do manual How to Photograph Artwork (1991) que tem como primeira instrução, em negrito: “Contrate um profissional. Precisão, em vez de criatividade, é o aspecto mais importante deste trabalho”.

46 Os fotógrafos que já participaram da série são: Pedro Victor Brandão, Everton Ballardin, Edouard Fraipont, Vicente de

Mello, Mario Grissoli, Rafael Adorján, Ding Musa, João Musa, Hugo Curti, Filipe Berndt, Celia Saito, Max McKeller e Pedro Napolitano Prata. A eles, deixo aqui um registro de agradecimento por contribuírem com este projeto.

Contrate um profissional (2014 - 2017, work in progress), vista parcial. Impressão digital sobre papel Hahnemühle. 12 fotografias, 17,5 x 21 cm cada. Mais informações em https://brunomoreschi.com/Contrate-um-profissional

Nesses registros está em jogo uma promessa de neutralidade que apenas especialistas

teriam capacidade de criar. Uma promessa paradoxalmente construída a partir de um conjunto

de práticas bastante orquestradas. A transformação da cor natural (ou melhor, a que o olho vê

no objeto artístico) para uma escala de tons fotográficos é uma delas. Outra é a falsa

promessa do isolamento de um instante real específico, ou seja, a ideia de que a fotografia é o

registro momentâneo da obra. Isso nem sempre é verdade. Quando a pedra foi registrada por

Pedro Victor Brandão, ele espertamente colocou isso em xeque. Sua imagem final é, na

verdade, a junção via programa de edição de imagem de vários registros do objeto sob um

mesmo ponto de vista, cada um focando uma área diferente. Técnica semelhante é usada para

registros profissionais de obras de grande formato, como nas fotografias oficiais das esculturas de Richard Serra nos catálogos e no website do museu Guggenheim . Parece, mas 47

não é um instante decisivo da obra de arte . 48 47 Mais em https://www.guggenheim.org/artwork/artist/richard-serra . 48 Essas e outras práticas são realizadas com discrição — assim como costumam ser discretos os créditos fotográficos dessas

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A pedra por Pedro Victor Brandão. Junção de imagens, com focos diferentes

Fotografia com foco total de Snake (1994-1997), de Richard Serra, obtida a partir de vários registros com focos diferentes e agrupados em um programa de edição. O fotógrafo deste registro não é revelado e o crédito da imagem informado é apenas

Com a realização dessas experiências em meu mestrado (o livro de artistas ficcionais

e a série de registros da pedra), consegui compreender questões importantes sobre a relação

entre público (ou leitor) e fotografia profissional. Principalmente, que esta relação estabelece

um sistema que não necessariamente inclui o objeto artístico em si. Nestes casos, a imagem

fotográfica faz a vez da obra. Agora, no doutorado, e com as muitas visitas presenciais em museus, investiguei

outro modo possível (e cada vez mais frequente) de mediação artística pela fotografia. Não se

trata mais, aqui, do registro profissional, mas, sim, do realizado pelas pessoas com seus

aparatos fotográficos portáteis, juntos no processo de fruição da arte no espaço expositivo.

Hoje, com a popularização crescente de celulares munidos de câmeras fotográficas cada vez

mais precisas, há uma nova mediação em jogo no sistema da arte. O processo fotográfico se

expandiu e não está mais contido ao registro que substitui a materialidade dos objetos

artísticos: a fotografia, agora, é parte constitutiva da visita ao museu. Hoje é possível afirmar que a fotografia não apenas mudou nossa relação com a arte

no sentido da democratização do acesso via reproduções, mas também alterou nossa relação

presencial com o objeto artístico no próprio espaço expositivo. As experiências discutidas

aqui querem sugerir que a fotografia é também um corpo no museu, dotado do mesmo status

ontológico que o público e a obra. Minha intenção é colocar esse novo sujeito em situações

onde ele possa se destacar e, assim, ser melhor compreendido. 2. A estrutura das fotografias amadoras em museus A relação entre ser humano, máquina fotográfica e obra de arte já havia sido

vislumbrada em 1890 no divertido livro Le vingtième siècle. La vie électrique , um ficção

científica escrita e ilustrada pelo francês Albert Robida. O romance faz parte de uma trilogia

futurista que imagina como seria a vida na França de 1955. Robida errou por algumas

décadas, mas suas especulações sobre como seria o Louvre do futuro não deixam nada a desejar ao que hoje são esse e outros grandes museus do mundo.

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Quando as protagonistas Hélène e Barnabette decidem passar uma tarde no museu

francês para descansar de suas aventuras, uma delas avisa que o melhor é entrar numa espécie

de bonde para visitá-lo. “Nós vamos fazer uma confortável viagem através das obras...", diz

Barnabette. O veículo percorre os corredores do museu, o salão do Renascimento, as galerias

das escolas italiana, espanhola, holandesa, alemã e francesa, além de um segundo piso

inteiramente dedicado à arte moderna. A disputa entre arte e sua reprodução é algo do

passado, e as cópias dos trabalhos artísticos não só são expostas nas paredes ao lado dos

originais, como também é possível encomendá-las facilmente a um preço justo. No percurso, que dura uma hora, não há espaço para o cansaço: as almofadas do

veículo são macias e nem mesmo há necessidade de folhear um catálogo. Na frente de cada

obra, é possível apertar um botão e ouvir uma máquina que informa o nome do autor, o título

e uma sinopse do que se vê. A agradável experiência estética mediada por máquinas quase

faz Hélène e Barnabette dormirem, não fosse um apito avisando o fim do passeio. Duas ilustrações de Robida no livro reforçam a ideia de que nesse futuro uma visita

ao museu será mediada por diversos aparatos fotográficos. Acredito ser possível traçar analogias entre esse futuro imaginado e o nosso presente, em especial quanto às visitas

virtuais a museus de renome (incluindo o Ateneum e o Museu Paulista), que hoje podem ser feitas, também confortavelmente, em websites como o Google Arts & Culture.

O Louvre do futuro imaginado e ilustrado por Albert Robida

Mas quais são as partes constituintes desse sistema relacional? A interação de três

subsistemas produz a relação. O do visitante, claro, é o do corpo humano e inclui elementos

como os olhos, o processo cognitivo e a postura. O da obra de arte ali exposta caracteriza-se

pela constituição material do objeto artístico e também pelos elementos expositivos que o

cercam e que contribuem para seu processo de sacralização. Antes da popularização das

máquinas fotográficas portáteis (e agora dos smartphones com câmeras), esses dois

subsistemas formavam o que chamamos de uma visita ao museu. Hoje, porém, não há como

negar a existência de um subsistema adicional, o do aparato fotográfico . 49 49 O popularmente conhecido “pau de selfie ” confere ainda mais presença física a esse processo fotográfico e corrobora a

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Diagrama simples, realizado uma semana antes da experiência no Hermitage, discutida no final deste capítulo

Inicialmente, esse terceiro subsistema opera praticamente do mesmo modo que o

processo fotográfico tradicional. A câmera do celular é ativada, o usuário (ou o próprio

celular, de forma automática) foca a cena. A abertura da lente determina a quantidade de luz

que atinge o sensor digital. O obturador da câmera determina quanto tempo o sensor é

exposto ao ambiente externo. Esse mesmo sensor captura a imagem, o hardware do celular a processa e armazena seu conteúdo na memória da máquina.

Os elementos internos de uma câmara fotográfica no celular

Seria algo idêntico a uma câmera fotográfica independente não fosse o fato desse

aparato ser parte de algo mais complexo: o celular. À primeira vista, essa afirmação pode

parecer banal, mas esse é um ponto importante. Estamos não apenas diante de uma câmera,

mas de uma que se mistura com uma rede de procedimentos complexos e de capacidades

maiores, oriunda de um aparelho que é na verdade um microcomputador portátil. Desde

2000, quando o primeiro celular com câmera foi vendido no Japão (o Sharp J-SH04 J-Phone),

a tecnologia fotográfica dos aparelhos tem se aprimorado vertiginosamente e hoje tem à sua disposição toda a riqueza de possibilidades da internet.