• Nenhum resultado encontrado

ENTRE A OPRESSÃO E A COLABORAÇÃO

4 OS MARGINAIS EM MEIO AOS MARGINALIZADOS

6 OS TENTÁCULOS DO COMANDO

6.6 ENTRE A OPRESSÃO E A COLABORAÇÃO

A maioria dos operadores é composta por jovens com grande necessidade de aceitação e reconhecimento, esses elementos associados ao poder que a posição de operador e o porte de arma lhe atribuem, geram atitudes impulsivas e agressivas.

O ato ocorrido em meados do mês de maio de 2012 exemplificou bem isso, dois jovens com idades próximas dos 20 anos de idade foram acusados de terem “ficado” com as namoradas de dois operadores. Diante disso, os dois foram interrogados, espancados e tiveram suas mãos perfuradas com disparos de armas de fogo por estes operadores. A necessidade de mostrar-se macho não é algo exclusivo dos operadores, é algo generalizado em nossa sociedade. A honra aparece nesse cenário como algo desejado e obrigatório. A não punição desses jovens significaria uma eterna mancha na honra desses jovens operadores, fato que aponta para além de um desejo de vingança, um sentimento do dever de repor a honra manchada.

O relato que se segue ocorreu por volta do meio da manhã. Na esquina de uma das ladeiras um jóquei está parado junto ao muro de uma casa, em sua direção vem outro jóquei montado em uma bicicleta. Ao se aproximarem, os dois se cumprimentam e passam a conversar, em meio a isso um provoca o outro pisando em sua sandália. Eis ai a confusão armada! O jovem alvo da brincadeira ameaça reagir, ocorrendo o seguinte diálogo:

Pedro: Vai meter pedra em mim é? Zeca: Vá sacana! fique me tirando.

Pedro: Vá meta aí! Vou ficar até de costa pra você. Meta seu laranja! Você é um laranja mesmo.

Hesitante, o jovem Zeca larga a pedra, ambos começam a fazer ligações pra operadores de hierarquia mais alta. Pedro desiste de ligar e sai por um pequeno beco em direção a uma região de baixada, retornando pouco depois com outro operador de patente mais elevada que a sua, mas de idade próxima. Ao se aproximarem, Zeca salta pra cima do João e lhe disfere um soco no rosto, os jovens se agarram, mas são rapidamente apartados pelo operador de cargo mais elevado. Nesse momento, Pedro se mostra revoltado com a agressão sofrida, e

aprontei nada aqui no bairro. Eu não sou laranja! Eu não sou laranja!”. (Diário de Campo, Junho de 2012)

Após isso, ambos os jovens envolvidos na briga ouviram um sermão de outro superior hierárquico e o conflito acabou. Entretanto, o que interessa aqui é verificar a importância do ethos masculino para os envolvidos na disputa. Na perspectiva de Lyra (2013), esses jovens são os guardiões do que ele chama “código de postura”, sendo apenas jovens, por vezes isso gera situações catastróficas como afirma o autor. A categoria “cria” invocada por um dos jovens é a primeira identidade coletiva (LYRA, 2013), ainda segundo o autor a ideia de “cria” significa a incorporação das características da própria localidade. Em outro caso, o conflito foi ainda mais complicado:

Em uma área do bairro com concentração de operadores do tráfico, um jovem após chegar de seu trabalho passeia a noite com sua moto pelas ruas, num dado momento encontra com uma garota, antiga colega de escola. Nesse instante, um jovem operador (Junior) - namorado da moça- dirige-se em direção aos dois, desferindo uma sequência de três socos na face e estomago do jovem sobre a moto até ser interrompido por outros dois operadores, um do baixo, outro do médio escalão do tráfico.

Caio: Que é isso rapaz? O cara é gente boa!

Junior: Se saia Caio! Se não sobra pra você também. Esse cara fica aqui dando em cima da mulher dos outros.

Sandro: Rapaz, chega disso, você não vai mais bater no pivete! (saca da cintura uma pistola e aponta para Junior)

Junior: Qual foi Sandro? Vai atirar em mim? Você tá ligado que não se puxa uma arma pra um homem se você não vai atirar nele? Só não encho esse cara de tiro por que não gosto de atirar em quem é inocente.

Junior interrompe de vez as agressões, o jovem agredido sobe em sua moto e volta pra casa. No dia seguinte Sandro comenta com um jovem no ônibus “comprei uma briga que não era nem minha”. Esta afirmação, entoada em um tom altamente reflexivo, aponta para a preocupação com os possíveis desdobramentos dessa atitude. Apontar uma arma na direção de alguém e não atirar é um “convite” para futuras retaliações por parte de quem esteve sob a mira. (Diário de Campo, Março de 2011)

Qual a representação que os operadores despertam? Para além das respostas demonizadas que já se conhece, é justamente na fala de um evangélico que surge um olhar humanizado:

Ele descreve os traficantes como sendo pessoas providas de sentimento e até mesmo de valores morais. Em certa ocasião o líder do tráfico no bairro chegou ao salão onde acontecia uma cerimônia, cumprimentou as pessoas e assistiu parte da pregação ali feita. Joel diz que muitas pessoas ficaram assustadas ao

verem aquela figura conhecida ali, entretanto para Joel isso demonstra que os

traficantes são pessoas normais. A metáfora que ele usa para explicar isso é que “As pessoas são como água que se moldam a um recipiente, assim somos nós, que nos moldamos a uma realidade”. (Diário de campo, Julho de 2012)

A percepção dos moradores como meras vítimas da atuação despótica dos operadores do mercado de drogas não dá conta da diversidade de acontecimentos que ocorrem nos becos e ladeiras do bairro. Há de se observar aqui o repertório de atuações dos moradores, repertório que obriga os operadores a negociar certos aspectos de sua atividade com aqueles.

Você tem aquela consciência que o traficante tá ali e ele sabe que você é do bairro.

E

le não vai mexer com você, você não ouve relato de assaltos a casas de família; se acontecer e chegar no ouvido do próprio tráfico a pessoa vai ser punida severamente e, curioso, a gente tem uma sensação de segurança, mas é contraditório se não fosse trágico, a gente se sente mais seguro com o traficante do que com a presença da polícia. Quem ouvir a entrevista vai perguntar. Por quê? O traficante me conhece, o traficante conviveu comigo desde pequeno, ele sabe que eu não me envolvo e ele sabe que ele tem que me respeitar, se eu trouxer a polícia cá pra dentro pior pra ele. Infelizmente, a polícia quando entra aqui ela não procura saber quem eu sou, ela não procura saber de minha índole, ela chega me dando um tapa e mandando eu encostar ‘encosta desgraça! Cadê a droga?’. Você vai se sentir seguro com o traficante ou com o policial? (Marcos, 24 anos, grafiteiro)

Um dos significados desses diálogos é garantir a coexistência entre o “mundo do tráfico” e o cotidiano dos demais moradores:

É os meninos de 10, 11, 12 anos lá no beco... Outro dia, lá no fundo da minha casa, eu vi o movimento e sai, ai tá lá futucando! ai falei assim: “venha cá, faça o favor!”, ele falou: “colé, minha tia?”, eu disse: “Colé não! Tá pondo o que aí?”. Ele: “ha, minha tia é o bagulho”, avisei: “pegue seu bagulho, aqui pertence a mim, eu tenho duas crianças, aqui não é lugar de ponto de droga não, entendeu? Pegue sua porra e vá guardar em outro lugar”, ele botou queixo: “colé minha tia e se os homens (polícia) baixarem ai?”. Aí foi minha vez: “eu sinto muito, mas se os homens baixarem vão dizer que eu é que estou consumindo, que estou usando, que estou vendendo”. No fim ele concordou: “Ô minha tia, mais tarde eu venho e pego.”, deixei: “tá bom, mais tarde você venha e pegue” . Demorou uns vinte minutos ele veio e pegou. (Helena, 29 anos, Dona de Casa)

As interações entre os moradores e os ditos traficantes se dão nas mínimas, mas essenciais questões das práticas cotidianas. Muitos dos jovens do bairro possuem motos,

inclusive os que estão no movimento, gostam de modificá-las, em especial nas descargas, tornando seu barulho mais alto.

Além disso, partilham o gosto de curtir a noite, principalmente nos fins de semana. Com isso, eles passam acelerando suas motos em altas horas da noite, fato que por muito tempo incomodou o sono dos trabalhadores, e levou cabeças a ordenarem que todos deveriam colocar descargas menos barulhentas.