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POLICIAIS, TRAFICANTES E O TERRITÓRIO

8 Os novos vizinhos e as velhas relações: do policiamento ostensivo à polícia comunitária

8.5 POLICIAIS, TRAFICANTES E O TERRITÓRIO

Ao se falar em implementação das BCSs o que mais se ouve é um discurso incisivo de tomada do controle territorial das mãos dos traficantes, ou seja, o policiamento comunitário teria tamanha eficácia, que seria capaz de impossibilitar a permanência do tráfico no local de sua instalação. Mas seria essa política de tamanha eficácia? O que se torna notório é que nenhum tipo de policiamento acaba com o tráfico, pois a polícia não tem como agir em um ponto central – o desejo de usar drogas. Enquanto existir a política do proibicionismo, existirá tráfico.

O que se observou nos meses que seguiu à implantação da BCS foi um ajustamento do tráfico frente à sua nova condição, a não mais um convívio com as incursões intermitentes, mas sim a um convívio diário com a polícia. Com isso, aqui alguns pontos que nos ajudam a entender essa nova ordem estrutural no território. O primeiro impacto perceptível foi a redução e maior cuidado por parte dos operadores do mercado de drogas quanto a circulação armada. Nos primeiros meses ocorreram algumas prisões de operadores do tráfico ao serem avistados portando armas, em um dos casos um jovem de dezesseis anos foi apreendido ao ser avistado transportando duas escopetas calibre 12.

Os pontos de venda do tráfico também sofreram alterações, muitos dos pontos existentes em ruas principais foram deslocados para ruas secundárias ou becos, onde a passagem da polícia não se faz possível em viaturas, forçando um deslocamento a pé dos policiais, tornando maior a possibilidade de fuga dos operadores.

A ostentação que os cabeças do mercado de drogas faziam, realizando grandes festas nas praças e ruas principais, sofreu deslocamento territoriais, passando a ocorrer em partes mais afastadas em relação ao local onde está a BCS. Com isso, algumas festas que sempre ocorriam com o patrocínio dos cabeças, agora ocorrem com o apoio da BCS, a exemplo da festa do dia das crianças;

Evidencia-se que a polícia comunitária tem mostrado um baixo poder de irradiar segurança. No bairro da Ilha Grande isso fica evidente ao se observar que o número de traficantes é em muito superior ao de policiais, e as tecnologias utilizadas por estes

policiais não lhes oferece grandes vantagens, um claro exemplo disso são as câmeras de vigilância que filmam algumas áreas, mas não gravam.

O fato que destacamos aqui já fora anunciado acima, a presença da BCS não intimidou o tráfico a ponto de diminuir sua capacidade de arregimentar indivíduos em suas práticas. Segundo informações um único braço-direito possui mais de 50 pessoas sobre seu comando, tendo o bairro cerca de quatro indivíduos em mesma condição liderança, estima-se que o número de pessoas no tráfico seja mais que o dobro de policiais.

O tráfico continua matando, as taxas de homicídios continuam em patamares semelhantes. O que mudou é onde se mata. Os operadores passaram a ter a preocupação de sequestrar e levar para outros bairros as pessoas que serão executadas. Com isso, as taxas oficiais da AISP (Área Integrada de Segurança Pública), ao qual o bairro pertence, diminuíram. Essa queda é propagada pelos veículos do governo e da mídia. Com isso, não há tensão, o tráfico resolve seus conflitos, e a polícia se mostra eficaz, menos corpos no bairro, mesmo que continue se matando tanto quanto antes.

O efeito mais inusitado que podemos narrar sobre as BCS é que ela trouxe força ao tráfico local. Anteriormente um grupo que quisesse invadir o bairro e tomar o território teria que enfrentar e escorraçar os operadores locais. Agora, qualquer tentativa de invasão significa o enfrentamento de duas forças, os operadores estabelecidos e os policiais. Com isso, a tarefa ficou muito mais difícil de ser concretizada, tornando o tráfico já estabelecido muito mais seguro.

A seguir consta um diálogo realizado na internet entre um policial da RONDESP e um morador com quem tem laços de amizade:

Morador: Bom dia! E ai véi? Policial: Bom dia! Colé?

Morador: E ai tava lá nas área não foi?

Policial diz: Foi, tava em uma operação lá pra implantação da base. Morador: Eu vi.

Policial: Ficou com medo de falar comigo foi? Morador : Não, pô!

Policial: Tá devendo é?

Morador : Pensei que não podia. Policial: Porra nenhuma! Pode falar.

Morador: Porra... não sabia não pô. Agora, depois que implantou a base lá, poxa tá rolando monte de onda, já teve monte de tiroteio e não tava assim não.

Policial: Com a base? Depois da base?

Morador: Depois, os policias sumiram depois que implantou. Rrss Policial: Esse tiroteio é com a polícia ou entre eles?

Policial: Porra! Mas vai acabar, é questão de tempo.

Morador: Porra! Espero velho, por que antes não tava assim não. Sério mesmo.

Policial: É porque a boca de fumo com a base comunitária implantada no bairro é um bom negócio, eles agora estão brigando por esse ponto.(???) Morador: Hum... realmente são os caras do alto do[retirado nome do bairro] aquele bairro próximo de lá, as coisas aqui tá de boa.

Policial: Depois que a base esta estabilizada os traficantes que ficaram ficam mais tranquilos por que ninguém invade mais.

Morador: Hum rum, pior que não tem como o tráfico acabar, só minimizar. Policial: Fica mais forte, por que fica mais seguro.

Morador: Hum... Só espero que se estabilize logo por que tem hora que a coisa fica feia

Esse efeito aparentemente inusitado possui no seu cerne algo importante, pois representa um contingente de variáveis: o desencorajamento de grupos na tomada de territórios, a diminuição de confrontos armados, e consequentemente uma diminuição da pressão na corrida armamentista. Contudo, é preciso salientar que os policiais entendem que suas ações tem fortalecido o tráfico, eles se veem como soldados indiretos do tráfico, o que transmite um forte sentimento de frustação.