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3 Os moradores e o processo de marginalização

3.6 OUTROS ATORES EM CENA

Durante um período que o tráfico ainda não estava consolidado no bairro da Ilha Grande, outros atores estiveram liderando ações no bairro, conhecidos no eixo Rio de janeiro - São Paulo como milícias, os grupos de policiais e ex-policiais que vendiam um serviço clandestino de segurança privada atuaram fortemente em dois momentos do bairro. No primeiro momento, um grupo liderado pelo policial conhecido como Mosca atuou por muitos anos no bairro, seu grupo é descrito como um de amizade com muitos dos moradores, contratados pelos comerciantes do bairro, eles buscavam ter laços de amizade na localidade e resolver os conflitos com outras ferramentas, além da violência muito usada.

Na época que o grupo dele atuava era uma era medieval aqui dentro, olho por olho e dente por dente. Via muito de parte, ele conhecia muita gente aqui, fazia esse papel que o tráfico faz, botava ordem na casa, chegava em um grupo e dava um direcionamento chegava em outro e dava uma ordem. Tinha um grupo fechado desses policiais que atuavam paralelo ao serviço da polícia, eles causaram muito impacto, chegaram amenizar muita coisa. (Marcos, 24 anos, técnico de informática)

O período em que Mosca agiu juntamente com seu irmão e demais policiais no bairro, foi um tempo de muitas controvérsias. A fala acima cita o uso dos diálogos como mecanismo de mediação utilizada, porém em outras ocasiões o que ocorria era execuções. Essas mortes fizeram emergir uma “lenda urbana” de que haviam pessoas que eram enterradas até a altura do pescoço recebendo em seguida disparos na cabeças. O fato é que os atos praticados por ele e seu grupo ainda hoje rendem ricas narrativas:

Oxe! Mosca uma vez pegou meu irmão e os amigos, eles estavam indo pra escola a noite, abordou eles e mandou eles tirarem a roupa, um ficou só de cueca o outro tava sem cueca e ficou foi nu mesmo, no meio da praça isso. Dizendo ele que estava fazendo revista, tava tendo muito assalto no bairro. (Deise, 29 anos, estudante)

Em rápida sequência, todos do bando de Mosca foram sendo mortos, ele próprio morreu em um bar do bairro, na ocasião ele ainda conseguiu matar um de seus executores.

Revoltado, um parente do rapaz morto pegou uma pedaço de concreto e utilizou para esmagar a cabeça de Mosca que já agonizava por conta do tiro que levou. Não tardou para que seu irmão fosse morto em um bairro vizinho.

Passados alguns anos, já em meados da primeira década dos anos 2000, um segundo grupo passou a atuar no bairro, esse grupo não desenvolveu muitos laços sociais com os moradores, os mesmos impuseram, por vezes com intimidação, que os moradores pagassem pelo serviço de segurança que eles realizavam, o valor variava entre R$ 10,00 e R$ 15,00. Diferentemente do primeiro grupo esse grupo é descrito como composto por figuras violentas.

Existia um diacho de uma guarda ai que eram feitas por ex-policiais, não chegou a ser uma agressão não, na época morador que morava ai na época ele interviu e evitou que eu fosse agredido, mas se não fosse isso ai. Olhe que situação, eu tava sentado com um colega na rua eles passaram com o carro e ai eu tava conversando com o colega no que eles passaram eu dei risada, eles ai deram ré no carro e voltaram, me revistaram não acharam nada, ai o cara que tava no carro falou ‘dê umas porradas nesse gaiato ai pra ele aprender a não rir quando vê a polícia’ ai na hora o vizinho que tava vendo tudo se meteu e não deixou.(...) Por essa mesma segurança informal o cara ia com o celular na mão e segurando o cachorro na outra, os seguranças mandou ele botar a mão na cabeça ai o cara ficou meio assim ou ele soltava o cachorro ou soltava o celular ai o cara seguiu atrás dele e disse ‘mandei você botar a mão na cabeça sua lá ela’. Ai o cara virou pra ele assim e disse ‘amigo boa noite! Você não ta vendo que eu estou com as duas mãos ocupadas como é que eu vou botar a mão na cabeça? Ai o cara arrastou um taco de baseball e deu uma paulada na cabeça. (ALEXANDRE, 27 anos, educador)

A existência desses dois grupos decorre do fato de no período de diversificação no mercado de drogas haver áreas desprovidas de domínio por algum grupo, a exemplo da praça central, área de tamanho fluxo que ninguém conseguia exercer domínio sobre a mesma. Por conta disso, foi também o período em que muitos comércios foram assaltados, segundo alguns dos entrevistados, o próprio Mosca mandava assaltar para que os comerciantes continuassem a requisitar seu serviço. O que ficou perceptível na fala dos entrevistados é que nesse período o bairro era perigoso, não tanto pelos casos de morte, mas pela possibilidade das trocas de tiro e dos assaltos, sendo assim, o bairro era visto como violento, visto que as ações delituosas não se limitavam ao “mundo do crime”, elas podiam se espraiar sobre as “pessoas de bem”.

Ao se tentar matar um rival em uma disputa para a eliminação de concorrência, poderia ocorrer trocas de tiro. Com isso, havia sempre um alerta, os bares terminavam sendo locais de grande risco, já que era comum ir a esses locais eliminar os rivais. Vivia-

se em estado de alerta. É justamente desse período que pertence um dos termos mais carregados de sentido em termos de morte – chacina. A prática de matar uma série de indivíduos de uma única vez é a marca maior das disputas por espaço no mercado de drogas.