• Nenhum resultado encontrado

4 OS MARGINAIS EM MEIO AOS MARGINALIZADOS

5 A MOTIVAÇÃO: MÚLTIPLAS PERSPECTIVAS

5.1 MOSTRANDO DISPOSIÇÃO

Com o passar do tempo, o tráfico experimentou o mesmo efeito que permeia o cotidiano da sociedade brasileira - a precocidade. Com isso, passou a ser cada vez mais comum observar não mais que meros adolescentes, com idades entre 13 a 16 anos ansiando por uma oportunidade de mostrar seu valor perante algum cabeça do tráfico. As entrevistas têm exemplos de como essa precocidade tem ocorrido:

Professor, a cena que mais chocou foi ver um menino de quatorze anos matando, isso me chocou. Professor eu nunca tinha visto aquilo.” (Fernando, 19 anos, estudante)

A precocidade de muitos dos membros que compõem o mercado varejista na periferia é dos elementos que o distingue do mesmo comércio na classe média. Enquanto que na classe média percebe-se a maioria dos operadores na faixa etária jovem, na periferia a maioria ocupa a faixa da adolescência.

Outro fato que diferencia o tráfico realizado nas periferias daquele que ocorre na classe média é a fama. Enquanto que na classe média há um empenho pelo anonimato (GRILLO, 2008), onde se mensura sempre a venda ou não a um cliente novo. No tráfico de periferia as coisas se configuram em sentido oposto, é preciso ganhar fama. Com isso, revisita-se o que já fora dito no início desta pesquisa, o tráfico na periferia é a parte débil do “mundo das drogas”.

Essa afirmação é respalda no fato de que diferente do tráfico baseado em uma rede de contatos, o tráfico que necessita de um território, carece que os mandatários sejam conhecidos, respeitados e temidos. A conjunção dessas variáveis não é fácil e ao mesmo tempo ambivalente, pois à medida que se consegue realizar essas três potências, fica-se exposto, o anonimato enquanto importante mecanismo de defesa deixa de existir. Sendo

consiga toda a trilogia de pressupostos estabelecidas acima. É preciso incorporar uma identidade social complementar – matador. Para eles seu território ser visto sob a ótica de uma constante ameaça (LYRA, 2013).

Matar não aparece como uma mero saciar dos desejos mórbidos desses “degenerados”, é algo bem mais complexo. Matar aparece antes como a forma mais eficaz de mostrar seu valor e determinação, o ato de extinguir a vida de outro torna-se um rito de passagem para muitos, uma forma de ser aceito em uma quadrilha de tráfico. A morte de Mancha foi um claro exemplo disso.

Mancha já era uma figura que apesar de jovem, a pouco tempo tinha completado a maior idade, via sua fama crescer muito rapidamente. Ele havia rodado há um tempo praticando sua especialidade, assalto a mão armada. Suas temporadas nas cadeias não foram tranquilas, lá dentro ele havia se desentendido com figuras do bairro que também cumpriam pena. Já em liberdade, Mancha retornou ao bairro, iniciando um pequeno negócio de drogas, estava vendendo junto com um parceiro. Segundo informações, Mancha não estava respeitando as áreas dos outros, isso despertou o descontentamento de quadrilhas estabelecidas já há algum tempo.

A situação estava dada, Mancha precisava morrer, essa necessidade resolutiva abriu espaço para que outras questões também fossem efetivadas. Diante da decisão de matar Mancha, um chefe de quadrilha do tráfico convocou os adolescentes que andavam desejando mostrar seu valor e integrar seu grupo e lhes disse: “querem mostrar disposição? Vão lá e matem o cara!”. O significado disto é que a disposição para matar aparece como sinal de coragem, ainda que para os demais moradores seja algo covarde, logo, negativo (ZALUAR, 1994).

Os adolescentes pegaram as armas e subiram em direção à região em que Mancha morava, nas proximidades da rua se dividiram em dois grupos, um contornou a rua para surpreendê-lo por trás. Ao avistar o grupo, Mancha e seu parceiro passaram a correr, manchar correu pra rua, já seu parceiro correu para um canal de esgoto.

O parceiro de Mancha teve mais sorte e conseguiu fugir, mas ele não obteve a mesma sorte, Mancha sacou o revólver calibre 38 que trazia na cintura e chegou a fazer alguns disparos, mas não conseguiu fazer frente ao poder de fogo de seus algozes, tombando com vários disparos já perto de sua casa. Estava provada a disposição.

Em período de tráfico fragmentado e de suas disputas resultantes, Jonas e outros fizeram carreira mostrando disposição como nos narra sua prima Gabriela: “Se você matar fulano, você vai crescer vai ter média, ai ele mata, se você matar fulano que ninguém consegue matar você vai ser considerado, ele foi e matou e se tornou o cara”. Certa vez, querendo tomar uma boca de fumo ele tentou matar o atual líder do tráfico do bairro, mas não conseguiu, vindo ele a se tornar o alvo.

Ele tava em casa e o telefone dele tocou ‘Jonas você pode subir aqui?’ ele ‘qual é cara o quê que tá pegando?’, ai disseram a ele ‘suba aqui que tem um negócio pra você’. Quando ele chegou, um cara veio por traz e deu um tiro, foi quando o tiro pegou perto dos olhos, foi pro HGE com identidade falsa, ficou lá uns dois meses, fez uma cirurgia, foi bem sucedida, não teve nada, ai quando saiu do HGE ficou no bairro por um tempo. (Gabriela, 29 anos, dona de casa)

A história de Jonas tempos depois toma outro rumo, em outro bairro ele começou a atuar no interior, aonde veio a se tornar também dono de boca de fumo com grande estrutura. Tempos depois, Jonas veio a ser abatido em confronto com a polícia.

5.2 A OPORTUNIDADE, O CONVITE E A PARTIDA: ENTRANDO E SAINDO DO