• Nenhum resultado encontrado

2 ORGANISMOS GENETICAMENTE MODIFICADOS ENTRE MODERNIDADE, CIÊNCIA (TÉCNICA) E RISCO

2.2 Entre Modernidade, Ciência e Risco: uma visão crítica e reflexiva

Pôde-se evidenciar até aqui, de forma geral, a partir dos aspectos empíricos normalmente relatados pela doutrina, o usual significado de referência à biotecnologia, à biossegurança e à biodiversidade. Ao mesmo tempo, do ponto de vista de custos e benefícios, ressaltou-se o que a biotecnologia normalmente pode propiciar, destacando-se que sua utilização vincula-se a um contexto de incerteza quanto a possíveis efeitos adversos futuros, os quais parecem ser considerados na condição de riscos ou perigos potenciais.

É interessante aprofundar um pouco as considerações feitas, levando- se em conta um pequeno escorço acerca do entendimento do que seja a Modernidade, o papel da ciência e o que significa risco e segurança, aplicados à temática em estudo.

2.2.1 Um resgate e um olhar para dentro da modernidade

A partir da apreensão paradigmática do Direito na modernidade, sobretudo pela transição do paradigma do Estado de Bem-Estar Social para o paradigma

do produto; i) a elevação da dependência e a intensificação do processo de exclusão dos pequenos agricultores. (Guerrante et. al., 2003).” PESSANHA; WILKINSON, op. cit., p. 276.

320 “A esse respeito, NORDLEE et al. (1996) demonstrou que alimentos alergênicos podem ser transferidos de uma planta para a outra por manipulação transgênica – neste caso, da castanha do Pará para a soja. Esses autores identificaram que o principal fator alergênico da castanha do Pará é a albumina 2S, demonstrando que pessoas que mostravam reações alérgicas a extratos protéicos da castanha do Pará apresentam reações similares a extratos protéicos de soja transgênica contendo o gene da proteína 2S transferido da castanha do Pará.” MOREIRA, M.A, op. cit., p. 154.

do Estado Democrático de Direito, evidenciou-se que a questão ambiental permite revelar rupturas e continuidades ao longo de um grande paradigma da modernidade. Constatou-se, rememorando o já afirmado, sob o slogan do progresso e da consolidação de um fenômeno de globalização 321 que: a questão ambiental não é necessariamente nova, embora assuma na atualidade magnitude e dimensão globais, o Estado no paradigma social assume um incremento de complexidade em sua atuação quantitativa e qualitativamente, redimensionado sua atuação para o futuro e para regular grandes espaços, a crise econômica coloca em xeque a racionalidade objetivista dos tecnocratas e do planejamento econômico, a confiança em um controle seguro das contingências ambientais e tecnológicas por especialistas se torna incerta e questionável, os riscos se evidenciam, a certeza e prosperidade científicas se relativizam, o poder dos mercados transnacionais é crescente, o afrouxamento das fronteiras nacionais e o esvaziamento do poder do Estado-nação evidenciam-se.

Esses múltiplos aspectos podem indicar, de maneira geral, que a complexidade social crescente na modernidade implica uma maior permissividade de riscos – inclusive em escala global –, os quais podem ser considerados, inicialmente, em dois principais eixos conectados: um social (de convivência ou de tolerância), vinculado a outro tecnológico322, que acaba servindo de instrumental ao primeiro. Quanto à

321 A globalização pode ser entendida sob parâmetros político-econômico-sociais (perspectiva mais clássica), direcionada a conceitos de Estado-Nação e sistema-mundo. Assim entendida, evidenciaria um movimento de decadência estatal mediante as crises de regulações ecológicas, sindicais, assistenciais e fiscais, em que os Estados se guiam por submissão a determinações que não conseguem controlar de forma adequada. Mas a globalização também pode ser entendida sob parâmetros socioculturais. Assim, fala-se em globalização cultural, informativa e de simultaneidade de informação (mundialización cultural,

informacional e informativa), em que se ilumina um conceito de des-localização cultural, ao se pensar no reconhecimento de uma história artificialmente temporalizada e na radicalização da ideia de reflexividade. É também com esse aporte teórico que se pretende entender a globalização nesta

dissertação. Para melhor entendimento e aprofundamento dessa perspectiva, consultar: ARANHA,

Márcio Iorio. Mundialización informativa, informacional y cultural. Política y cultura, México, n. 26, 2006. Disponível em: <http://scielo.unam.mx/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0188- 77422006000200004&lng=es&nrm=iso>. Acesso em: 04 Ene 2008. Pré-publicação.

322 “Mas temos também, em nosso século, o incremento das preocupações com a ecologia e com as

relações do homem com o mundo natural. Todos sabem que o poder que têm os homens de criar

dimensão social, ressalta-se que a complexidade social redimensiona a magnitude de interesses em conflito e reclama convivência e tolerância em escala global, possíveis por meio de mecanismos que viabilizem o diálogo – no qual a razão comunicativa pode ser bem-vinda –, sob pena de uma possível e até previsível aniquilação real, a partir de posições fundamentalistas, em que um projeto de sociedade democrática global abre espaço à extinção das diferenças e das minorias, seja pela hegemonia disfarçada (quem sabe, sob o slogan da globalização), seja pelo aniquilamento real e concreto, em guerras efetivas.

A referida dimensão social está vinculada, por sua vez, à dimensão tecnológica, que deixa à deriva a possibilidade de considerar a certeza científica como absoluta e neutra323. Ela se vincula às novas capacidades tecnológicas de modificação do meio ambiente e do próprio homem e tem como efeito colateral a certeza da incerteza, ou melhor, a diluição das certezas 324, não mais confortadas de uma esperança inocente esboçada no projeto científico da modernidade. Em outras palavras, com o

destrutividade que apresenta graus mas é inegável.” [grifo nosso] SALDANHA, Nelson. Ética e história. Rio de Janeiro: Renovar, 1998, p. 154-155.

323 “No fascínio da tecnologia, em que alguns vêem o lado infantil dos homens, pode ver-se o poder de uma tentação bastante explicável: a tentação da facilidade, da segurança e da eficiência. (…) Mas, à medida que o fazer e a produção de coisas penetram o sentido dos atos, e em que uma série de técnicas (e de aparatos técnicos) integra os afazeres vitais dos seres humanos, a técnica, em seu sentido mais genérico, assume significado ético. (…) Entretanto, a técnica em sentido genérico terminou por impor-

se como uma realidade avassaladora dentro da sociedade moderna e do viver dos homens. Não é uma frase banal, apesar de óbvia, dizer que a técnica se tornou um fascínio absoluto, a dominar totalmente o espírito das pessoas e dos grupos. Chega a ver-se uma dimensão metafísica nas transformações que o progresso técnico traz para o ser humano. Mais do que “neutra”, a técnica é ambígua, senão ambivalente: nisto se acham seu fascínio e seu perigo.” SALDANHA, op. cit., p. 122-

123. [grifo nosso]

324 “É evidente que a modernidade trouxe coisas valiosas, e não contam somente, no caso, os progressos técnicos. Trouxe a liberdade crítica, o relativismo, o pluralismo (político, étnico, religioso). Mas em certos momentos se percebe que o pluralismo tem seu preço; e que a liberdade crítica, tão relevante, é

o correlato da diluição das certezas fundantes que alicerçavam o universo social antigo. O tremendo domínio dos meios de comunicação sobre os homens constitui hoje, como se sabe, uma presença ambivalente. Presta informações que abrangem o planeta inteiro, e poderia com isto ter enorme

utilidade pedagógica; mas por outro lado – e sobretudo em função de interesses econômicos –,

entroniza a vulgaridade e manipula o público oferecendo-lhe valores distorcidos. Os anúncios de TV, onipresentes, impõem ao espectador os valores correspondentes ao capitalismo e à chamada “filosofia do êxito”: a necessidade do melhor carro (Hesse já via no começo do século a ascensão do automóvel como “objeto-rei”) e do melhor uísque, a absolutização do lazer e do consumo.” Id. Ibid.,

atual conjunto de instrumentos de poder de que o homem hoje dispõe, há perspectivas e condições reais e efetivas de sua total destruição, senão de todo o Planeta. As três maiores possibilidades de destruição podem ser hoje identificadas como a ambiental, a nuclear e a tecnológica 325.

2.2.2 A questão ambiental e a sua percepção consistente no momento atual: mas por que tão consistente agora e o que é este agora?

Fica claro que a emergência de uma sociedade mundial integrada não se faz sentir e abre-se espaço para pensar por meio de que projeto e de que modelo de racionalidade a modernidade está efetivamente sendo apreendida, e se ela deixa transparecer a que preço se assume tal perspectiva326. A apresentação feita até agora pode ser sintetizada, com algumas reservas327, no disposto a seguir, que servirá de mote de discussão deste tópico:

Vivemos num período de globalização unificadora das sociedades do planeta; vivemos em condições que põem em sério perigo a continuidade da espécie humana; vivemos num modo cultural pós- moderno que constitui uma ruptura relativamente ao período anterior – a Modernidade -, que já representava uma profunda ruptura em relação ao tempo que o precedeu.328

325 ZAJDSZNAJDER, op. cit., p. 24. Ainda nesse sentido, ele destaca: “Os três caminhos para a destruição da espécie situam-se em planos diferentes. Enquanto as destruições biológicas e ambiental tendem a ter impactos globais, a destruição nuclear pode ser parcial. O que os três têm em comum é

colocar em primeiro plano as questões relativas a obrigações, responsabilidades, conseqüências, ou seja, trazer as questões éticas para fazer frente aos temas tecnológicos e estratégicos.” Id. Ibid., p. 37.

[grifo nosso]

326 A respeito da possível racionalidade desse projeto, destaca-se o seguinte: “A globalização surge na Europa com o movimento protestante e hoje domina o mundo. O mundo está cada vez mais realizando

tão-somente um tipo de racionalidade, e é isso que Hegel articula em sua idéia sobre a identidade entre o sujeito e o objeto. O mundo é dominado pela racionalidade subjetiva, no contexto histórico dominado pela racionalidade européia. O mundo norte-americano nada mais é do que uma

conseqüência disso. (…) A dominação e a colonização do mundo são, portanto, a última palavra da

modernidade, e por isso temos de nos perguntar qual é o preço a pagar para sermos modernos e entrarmos no mundo global.” MILOVIC, Miroslav. Comunidade da diferença. Rio de Janeiro:

Relume Dumará; Ijuí, RS; Unijuí, 2004, p. 20. [grifo nosso]

327 Essencialmente na aceitação de estarmos em um momento pós-moderno ou de modernidade tardia em crise. Entretanto, seguirei as ideias básicas deste autor no que tange ao projeto da modernidade (enquanto projeto político e científico) para ilustrar o porquê da consistência atual da questão ambiental.

Já se atentou aqui às duas primeiras condições relatadas. Procura-se, então, ver como elas interagem com a terceira condição. Toda essa mudança de perspectiva que se constatou – e que tem como uma de suas indagações essenciais e reiteradas a questão ambiental – pode ser entendida como um momento de crise e de redirecionamento da modernidade e de seus projetos ou, ainda, segundo alguns autores, como a percepção de uma pós-modernidade 329.

Não interessa discutir em profundidade se está a tratar-se de pós- modernidade ou de crise da modernidade – e necessidade de sua continuidade sob novas vias, com um viés reflexivo, por exemplo. O que se evidencia é que há a revelação de diversas questões e indagações que colocam em xeque o projeto da modernidade – sobretudo na perspectiva do Ocidente capitalista330, em seus eixos de projeto político e projeto científico, ou seja, um questionamento sobre a racionalidade existente 331. Contudo, especialmente a partir da perspectiva habermasiana, entende-se como mais coerente a necessidade de uma continuidade do projeto da modernidade, ainda inacabado 332. Também nesse sentido e de forma contrária à perspectiva de uma já

329 “La bibliografia sobre la postmodernidad es muy extensa. Los autores se han interesado por la crisis

de la modernidad y la llamada postmodernidad desde muy diferentes puntos de vista y ámbitos llegando a conclusiones distintas. Todo ello a partir de la Segunda Guerra Mundial y especialmente en

Francia, Alemania Occidental, Estados Unidos e Italia. Todos los autores coinciden en que aquel

proceso de racionalización es el punto en común de todos los aspectos que trata la modernidad (arte, literatura, filosofia, estética, política, economia, etc.) y que ese proceso de racionalización se ha desintegrado. En lo que no hay unanimidad es en el porqué de esa desintegración.” Id. Ibid., p.

36.

330 Sobre a pergunta É a modernidade um Projeto Ocidental, consultar: GIDDENS, Anthony. As

conseqüências da modernidade. Tradução de Raul Fiker. São Paulo: UNESP, 1991, p. 173-175.

331 “O conhecimento científico provoca apenas a crise da humanidade; além do conhecimento, encontramos novas formas da razão, e não da religião. Habermas radicaliza essa perspectiva. A filosofia não é apenas conhecimento. A saída do conhecimento não é a religião cristã ou o silêncio wittgensteiniano. A saída é a abertura para a comunicação. Além da ciência e do conhecimento, temos os novos fundamentos da razão.” MILOVIC, op. cit., p. 60-61.

332 “Uma eventual mudança do capitalismo tem de estar também ligada a uma mudança de paradigma. A intersubjetividade é, assim, a referência para a questão da fundamentação. Trata-se de um projeto moderno que permaneceu apenas como projeto. Habermas não tem uma visão muito pessimista da modernidade. A razão é ainda uma possibilidade. O ponto característico da época moderna, diz Habermas, é a “transferência do poder legítimo para um nível reflexivo da justificação.” Id. Ibid., p. 65.

configurada pós-modernidade, mas com premissas distintas das de Habermas, manifestam-se Giddens, Beck e Lash333.

Giddens, por exemplo, entende que a modernidade é dinâmica334 e globalizante335 e teria determinadas dimensões institucionais: (a) vigilância – controle da informação e supervisão social; (b) poder militar – controle dos meios de violência no contexto da industrialização da guerra; (c) industrialismo – transformação da natureza (desenvolvimento do ambiente criado); e (d) capitalismo – acumulação de capital no contexto de trabalho e de mercados de produtos competitivos 336. Segundo ele, a despeito de se estar alcançando as consequências-limites do projeto da modernidade, não se trata de uma pós-modernidade, mas de entender-se o momento atual como uma modernidade radicalizada 337.

Beck, por seu turno, entende que o projeto originário da modernidade (modernização simples) situaria o motor das transformações sociais nas categorias de uma racionalidade instrumental (o que ele chama de reflexão), muito ligadas ainda ao progresso e ao alongamento da sociedade industrial. Contudo, tal projeto sofreu desvios e efeitos colaterais e permitiu uma mudança da sociedade industrial, de forma

333 Nesse sentido, consultar: BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização

reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo:

Editora Universidade Estadual Paulista, 1997.

334 Segundo Giddens, para se entender adequadamente a natureza da modernidade, tem que se levar em conta o extremo dinamismo e escopo globalizante das instituições modernas e explicar a natureza de suas descontinuidades em relação às culturas tradicionais. Tal dinamismo derivaria (1) da separação entre

tempo e espaço e de sua recombinação, em formas que permitem o zoneamento tempo espacial preciso

da vida social, (2) do desencaixe dos sistemas sociais (um fenômeno intimamente vinculado aos fatores envolvidos na separação tempo-espaço) e (3) da ordenação e reordenação reflexiva das relações sociais à luz das contínuas entradas (inputs) de conhecimento afetando as ações de indivíduos e grupos. GIDDENS, op. cit., p. 24-25.

335 São as seguintes as dimensões da globalização enunciadas por Giddens, que podem ser sobrepostas às dimensões institucionais da modernidade, na mesma ordem alfabética descrita no texto da dissertação: (a) sistemas de ação, (b) ordem militar, (c) divisão internacional do trabalho e (d) economia capitalista mundial. Para um entendimento de seu funcionamento: GIDDENS, op. cit., p. 74-81.

336 GIDDENS, op. cit., p. 65. E nesse sentido, interessa à questão ambiental o entendimento do conceito de ambiente criado: “Nos setores industrializados do globo – e, crescentemente, por toda a parte – os seres humanos vivem num ambiente criado, um ambiente de ação que, é claro, é físico, mas não mais apenas natural. Não somente o ambiente construído das áreas urbanas mas a maioria das outras paisagens também se tornam sujeita à coordenação e controle humanos.” Id. Ibid., p. 66.

337 Sobre as objeções ao termo pós-modernidade e sobre as principais características do conceito de

subrreptícia e sem planejamento no início do projeto, implicando “a radicalização da modernidade, que vai invadir as premissas e os contornos da sociedade industrial e abrir caminhos para outra modernidade” 338, a modernidade reflexiva 339. Ao acompanhar o processo de radicalização da modernidade, torna-se real a concepção de uma sociedade de risco 340.

Quanto ao projeto político, que apontou a instituição do Estado de Direito como o caminho preferível a Estados autoritários e teocráticos, que afirmou, de certa forma, a liberdade humana, e que teria sua força expansiva no plano constitucional, institucional e educacional, quer dizer, comprometido com a revolução política democrática –, há uma crise em relação à sua capacidade de controle de problemas novos que se direcionam a diversas fontes de desequilíbrio no decorrer da modernidade 341.

Aliado a isso, o projeto científico da modernidade, que se concretizou de diversas formas, a despeito do inegável avanço obtido no campo da técnica e das inovações tecnológicas, também passou por certos abalos e impasses, que o fizeram, ao menos de certa forma, redirecionar suas perspectivas, ainda que mantendo uma

338 BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social moderna. Tradução de Magda Lopes. São Paulo: Editora Universidade Estadual Paulista, 1997. p. 13.

339 “Modernidade reflexiva significa a possibilidade de uma (auto)destruição criativa para toda uma era: aquela da sociedade industrial. O “sujeito” dessa destruição criativa não é a revolução, não é a crise, mas a vitória da modernização ocidental.” Id. Ibid., p. 12.

340 “No autoconceito da sociedade de risco, a sociedade se torna reflexiva (no sentido mais estrito da palavra), o que significa dizer que ela se torna um tema e um problema para ela própria.” Id. Ibid., p. 19. 341 “Esse legado da modernidade pode ser entendido realmente como uma nova tradição, que apresentou certamente desvios às vezes graves, mas que em sua essência não parece insuperável como ponto de partida. Dessa forma, Hannah Arendt, tão ciosa das tradições políticas do mundo antigo, não pode deixar de reconhecer a contribuição política fundamental da Modernidade – a revolução política democrática. O

projeto político da Modernidade seria, no entanto, atingido por um conjunto de anormalidades e de superações. Há em seu interior e no desenvolvimento da sociedade quatro fontes de desequilíbrios geradores de anomalias. A primeira, detectada já no século XIX, foi a desigualdade social promovida intensamente pelo capitalismo, que dava aos princípios da liberdade e de representação um sentido

acima de tudo formal. A segunda expõe-se nas formulações de Maquiavel, com a separação radical da

política – como arte e ciência do poder – e da ética – entendia como uma simples aparência. A terceira

fonte decorre de problemas organizacionais do projeto político da Modernidade relacionados à

burocracia e ao totalitarismo. A quarta fonte resulta do fortalecimento crescente dos meios de comunicação.” ZAJDSZNAJDER, op. cit., p. 29-32. [grifo nosso]

capacidade ímpar de exercer uma influência excessiva na atualidade. Entre esses impasses, interessa destacar a demonstração de que o desenvolvimento da ciência pode trazer resultados potencialmente negativos, a partir do uso de tecnologias 342 por ela viabilizadas.

Portanto, a questão ambiental torna-se agora muito consistente, exatamente porque também emerge da crise do projeto científico e político da modernidade, atingida pela excessiva capacidade e poder de modificação do mundo. A dimensão da potencialidade científica, no que é possível hoje constatar, é capaz de destruir o meio ambiente em escala global, e isto aponta exatamente para a consistência e o caráter fundamental de sua discussão.

Ao relacionar a ideia da tecnologia como vocação da humanidade, Hans Jonas estabelece uma ideia interessante, analisando a perspectiva do “El homo faber por encima del homo sapiens” 343. Exatamente porque a técnica moderna ocupa hoje o centro da vida e dos fins humanos e redimensiona o agir humano é que se faz necessário exigir dela [no ponto de vista do referido autor] uma significação ética, pois, como diz Jonas, ela supervaloriza um aspecto sobre todos os demais da plenitude humana344. Nesse sentido, a necessidade contínua de acumulação tecnológica

342 “A ciência perdeu boa parte da aura de autoridade que um dia possuiu. De certa forma, isso provavelmente é resultado da desilusão com os benefícios que, associados à tecnologia, ela alega ter trazido para a humanidade. Duas guerras mundiais, a invenção de armas de guerra terrivelmente destrutivas, a crise ecológica global e outros desenvolvimentos do presente século poderiam esfriar o ardor até dos mais otimistas defensores do progresso por meio da investigação científica desenfreada. Mas a ciência pode – e na verdade deve – ser encarada como problemática nos termos de suas próprias premissas. O princípio “nada é sagrado” é em si um princípio universalizado, que não isenta nem a aclamada autoridade da ciência.” BECK; GIDDENS; LASH, op. cit., p. 109.

343 “De esto modo el triunfo del homo faber sobre su objeto externo representa, al miesmo tiempo, su triunfo dentro de la constitución íntima del homo sapiens, del cual solía ser en otros tiempos servidor.” JONAS, Hans. El Principio de Responsabilidad: Ensayo de uma ética para la civilización tecnológica.

Documentos relacionados