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3 UM RESGATE DO PROCESSO LEGISLATIVO DA NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA SOB DUPLA CONSIDERAÇÃO: A

3.1 Direito Positivo Brasileiro: uma perspectiva geral e descritiva do processo legislativo referente ao processo decisório de liberação de

O Brasil gradativamente incorporou em sua legislação a regulamentação dos OGMs, principalmente após ratificações de convenções e tratados internacionais na década de 90. A Constituição Federal previu capítulo próprio para a defesa do meio ambiente no art. 225 e, especificamente à temática dos OGMs, destacou as seguintes determinações:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações:

§ 1º. Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(…)

II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação do material genético;

(…)

IV – exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade;

V – controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente;

(…)

VII – proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade (grifei).

O artigo 23, inciso VI, CF/88, prevê a competência comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios para proteger o meio ambiente; o artigo 24, VIII, CF/88, prevê a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre meio ambiente e a responsabilidade por danos ambientais.

Inicialmente foi editada, em 05/01/1995, a Lei n.º 8.974/95, após cinco anos de tramitação no Congresso Nacional457, para estabelecer normas de

457 Para a boa compreensão da intenção do legislador, é oportuno resgatar os argumentos da Justificação que acompanhou o então Projeto de Lei n.º 114/91, apresentado pelo senador Marco Maciel: "Acredita-se, destarte, que a grande revolução do final do milênio se realizará através do turbilhão de possibilidades

biossegurança ao país, regulamentando os incisos II e V do § 1º do art. 225, CF/88. Houve a regulamentação da engenharia genética, sendo que oito atividades relativas a OGMs foram abrangidas: construção, cultivo, manipulação, transporte, comercialização, consumo, liberação e descarte. Jairo Silva faz uma comparação entre a estrutura de regulamentação da temática dos OGMs no Brasil, sob a égide da Lei n.º 8.974/95, e nos Estados Unidos, informando que:

A estrutura de regulamentação dos transgênicos nos Estados Unidos é formada pelo Office of Science and Technology Policy – OSTP, pela

Environmental Protection Agency – EPA, pela Food and Drug

Administration – FDA – e pelo Animal and Plant Health Inspection

Service – APHIS. No Brasil, a estrutura da regulamentação de transgênicos tem como principais órgãos a Comissão Técnica Nacional de Biossegurança – CTNBio –, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA – e a Agência Nacional de Vigilância Sanitária.458

Essa comparação é interessante para a análise da estrutura de um dos países que mais difunde a utilização de OGMs no mundo. No Brasil, também participavam o Ministério da Saúde, o do Meio Ambiente e o da Agricultura e Abastecimento na fiscalização, autorização e no licenciamento de OGMs 459. Após a

que a incipiente engenharia genética está a nos trazer." (...) "O Brasil não pode ficar alheio a este tempo de progresso e aperfeiçoamento tecnológico, oferecidos pelas até então inimagináveis perspectivas de construção, manipulação, circulação e liberação de moléculas de DNA – recombinante de organismos e vírus que os contenham incidentes nos setores vitais de produção agropecuária, controle e prevenção de doenças, produção de medicamentos, controle ambiental, entre muitos outros (...).” "O presente projeto,

na convicção do caráter indissociável do binômio progresso/tecnologia, visa oferecer um referencial legal para o desenvolvimento da engenharia genética nacional, dentro de rígidos princípios de biossegurança, diante dos consideráveis riscos que a atividade encerra." A respeito, o relator do

projeto, senador Ronan Tito, manifestou-se: "Se, por um lado, os benefícios que poderão advir dessas novas técnicas são aproximadamente previsíveis, pois que geralmente são balizados pelo funcionamento basal dos seres vivos em questão, o potencial maléfico é absolutamente ilimitado. Considerando-se aí não só os possíveis acidentes, mas a manipulação espúria, com objetivos militares, eugênicos ou dominação sociológica ou, principalmente, econômica. Em verdade, nunca a Humanidade contou com uma força tão extrema e ambivalente. E, como sempre, concentrada nas mãos de pouquíssimos. Razão pela qual todo o esforço deve ser feito no sentido de coibição de abusos que possam ser perpetrados atualmente e, principalmente, no futuro. Segurança é primordial."” Fonte: Revista Consultor Jurídico, 10 de maio de 2002, no sítio <http://conjur.estadao.com.br/static/text/28087,1>. Acesso em 06/06/2005. [grifo nosso] 458 SILVA, Jairo. Efeitos Ambientais de plantas transgênicas: alcance e suficiência da regulamentação.

Cadernos de Ciência & Tecnologia. Brasília: Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária; v.20, n.2,

maio/ago.2003, p. 363.

459 Nesse sentido, destaca Simone Scholze que: “apesar de o ato da CTNBio constituir parecer conclusivo e vinculante de caráter técnico, não é autorizativo para permitir, por exemplo, a comercialização de produtos transgênicos. A lei (n.º 8.974/95) atribui competências específicas aos três Ministérios que

edição da lei, surgiram os Decretos n.º 1.752, de 22/12/1995, e n.º 2.577 460, de 30/04/1998, para regulamentá-la, bem como para dispor sobre vinculação, competência e composição da CTNBio, que integrava a estrutura do Ministério da Ciência e Tecnologia.461

A questão que gerou maior polêmica na aplicação da lei de biossegurança referia-se à liberação de OGMs no meio ambiente em escala comercial, por juízo discricionário da CTNBio de adicionalmente exigir o Estudo Prévio de Impacto Ambiental – EIA/RIMA (cfe. art. 2º, incisos X, XII e XIV do Decreto n.º 1.752/95). Este ponto resultou em interpretações conflitantes e em diversas disputas judiciais relevantes, em razão da existência de duas teses claramente opostas, evidenciadas pelo exemplo do caso da soja transgênica Roundup Ready da Monsanto, que ensejou o processo judicial de maior repercussão nacional sobre o tema.

Uma tese considerava as atividades relacionadas aos OGMs como potencialmente causadoras de significativa degradação ambiental, a exigir a observância de dois importantes instrumentos da política nacional de meio ambiente: o EIA/RIMA para liberação destes OGMs pela CTNBIo e o licenciamento ambiental 462 por parte do

integram a CTNBio, tutelares dos órgãos de fiscalização, entre as quais as de fiscalizar e monitorar atividades e projetos relacionados com OGM; expedir autorização temporária de experimento de campo com OGM; estabelecer exigência e procedimentos adicionais e específicos às suas respectivas áreas de competência legal, respeitando o parecer técnico prévio conclusivo da CTNBio, ao qual estão vinculados, quanto aos aspectos de biossegurança de OGM.” SCHOLZE, op. cit., 2001, p. 72.

460 Dá nova redação ao art. 3º do Decreto n.º 1.752, de 20 de dezembro de 1995, que regulamenta a Lei n.º 8.974/95, que dispõe sobre a vinculação, competência e composição da Comissão Nacional de Biossegurança – CTNBio.

461“Considerando que a criação de órgãos públicos é competência exclusiva do Poder Executivo e que estava em curso processo de reforma administrativa do Estado, o Presidente da República vetou parcialmente a lei, nos artigos que tratavam da constituição da CTNBio no âmbito da Presidência da República. Assim, foi necessário que o Decreto n.º 1.752 abrigasse a matéria vetada na lei, dispondo sobre a vinculação da CTNBio ao MCT, sua competência, composição e funcionamento. O veto aos

artigos da Lei 8.974/95 trouxe sérios questionamentos, inclusive de natureza judicial, quanto à existência legal e às competências da CTNBio (grifo nosso). Tais questionamentos provocaram a

paralisação do processo decisório da Comissão em pedidos de plantio comercial de transgênicos no Brasil.” SCHOLZE, op. cit., 2001, p. 62.

462 A Resolução n.º 237/97 do Conama, entre outras providências, “considerando a necessidade de regulamentação de aspectos do licenciamento ambiental estabelecidos na Política Nacional de Meio Ambiente que ainda não foram definidos”, e “considerando a necessidade de ser estabelecido critério para exercício da competência para o licenciamento a que se refere o artigo 10 da Lei n.º 6.938, de 31 de

órgão ambiental. Os fundamentos jurídicos estariam presentes no art. 225, caput, § 1º, inciso V, da CF/88, a exigir a observância do princípio da precaução, bem como no artigo 8º, incisos I e II, no artigo 10º da Lei n.º 6.938, de 31/08/1981, e nas Resoluções n.º 01/86 e n.º 237/97 463 do Conama. Essa tese questionou a própria validade e a constitucionalidade da atuação da CTNBio na análise da necessidade ou não de EIA/RIMA e de opinar sobre a necessidade ou não de licenciamento ambiental, pelo fato de tal órgão sequer fazer parte do Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama)

464. Pugnava-se pela declaração incidental de inconstitucionalidade do art. 2, XIV, do

Decreto n.º 1.752/95, bem como das Instruções Normativas n.º 03 e n.º 10 da CTNBIo, quanto à possibilidade de ela dispensar a exigência do EIA/RIMA. Boa parte da doutrina corroborava com essa tese.465

A segunda tese seguia o entendimento da CTNBio, da União, da empresa Monsanto do Brasil Ltda. e da empresa Monsoy Ltda., pela discricionariedade de a CTNBio avaliar se determinada atividade comporta ou não risco de significativa degradação ambiental e à saúde humana, para dispensa ou não o EIA/RIMA e o licenciamento ambiental. Os fundamentos jurídicos estariam presentes tanto no art. 2º,

agosto de 1981”, define o Licenciamento Ambiental como: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou

potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso

(grifei). Resolução n. º 237, de 19 de dezembro de 1997. CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE – Conama. Poder Executivo.

463 A Resolução n.º 237/97 do Conama dispõe em seu Anexo 1 sobre as “Atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental”e destaca no tópico “Uso de recursos naturais” as seguintes atividades: “utilização do patrimônio genético natural; introdução de espécies exóticas e/ou

geneticamente modificadas (grifei); uso da diversidade biológica pela biotecnologia.”

464 Dispõe a Lei n.º 6.938/81 em seu artigo 6º: “Os órgãos e entidades da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, bem como as fundações instituídas pelo Poder Público, responsáveis pela proteção e melhoria da qualidade ambiental, constituirão o Sistema Nacional do Meio Ambiente –Sisnama, (…)”; são eles: o Conselho de Governo (órgão superior), o Conselho Nacional do Meio Ambiente – Conama (órgão consultivo e deliberativo), a Secretaria do Meio Ambiente da Presidência da República (órgão central), o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA (órgão executor), os órgãos ou entidades estaduais responsáveis pela execução de programas, projetos e pelo controle e fiscalização de atividades capazes de provocar a degradação ambiental (Órgãos Seccionais) e os órgãos ou entidades municipais, responsáveis pelo controle e fiscalização dessas atividades, nas suas respectivas jurisdições (Órgãos Locais).

XIV, do Decreto n.º 1.752/95, na Lei n.º 8.974/95, no parágrafo único do artigo 3º da Resolução n.º 237/97 do Conama466, que evidenciariam a CTNBio como órgão competente. E também na constitucionalidade das Instruções Normativas n.º 03 e n.º 10, pois todos os seus procedimentos e regulamentos atenderiam ao princípio da precaução, sendo lícita a discricionariedade da CTNBio, conforme artigo 8º, inciso II, da Lei n.º 6.938/81.

A CTNBio tomava ainda como base as diversas instruções normativas criadas no decorrer de seu funcionamento, com relação aos temas de sua competência. Nesse sentido, destacam-se: a Instrução Normativa n.º 3, considerada uma das importantes, que tratava das “Normas para a Liberação Planejada no Meio Ambiente de OGMs”; a Instrução Normativa n.º 10, que compreenderia as “Normas Simplificadas para Liberação Planejada no Meio Ambiente de Vegetais Geneticamente Modificados que já tenha sido anteriormente aprovada pela CTNBio; a Instrução Normativa n.º 17, que dispunha sobre “Normas que regulamentam as atividades de importação, comercialização, transporte, armazenamento, manipulação, consumo, liberação e descarte de produtos derivados de OGMs; a Instrução Normativa n.º 18, que estipularia sobre a “Liberação Planejada no meio ambiente e comercial da soja Round-up Ready”; a Instrução Normativa n.º 19, que dispunha sobre a “Liberação Planejada no Meio Ambiente de OGMs”; a Instrução Normativa n.º 20, que estabeleceria “normas para avaliação da segurança alimentar de plantas geneticamente modificadas ou de suas partes e dá outras providências.”

466 “Art. 3 º - A licença ambiental para empreendimentos e atividade consideradas efetiva ou potencialmente causadoras de significativa degradação do meio dependerá de prévio estudo de impacto ambiental e respectivo relatório de impacto sobre o meio ambiente (EIA/RIMA), ao qual dar-se-á publicidade, garantida a realização de audiências públicas, quando couber, de acordo com a regulamentação. Parágrafo único. O órgão ambiental competente, verificando que a atividade ou empreendimento não é potencialmente causador de significativa degradação do meio ambiente, definirá os estudos ambientais pertinentes ao respectivo processo de licenciamento.”

O Governo Federal expôs de maneira evidente sua posição sobre a polêmica dos OGMs, bem como sobre seu entendimento na controvérsia da soja transgênica Round-up Ready da Monsanto, editando a Medida Provisória n.º 2.137, de 28/12/2000, e modificando a Lei n.º 8.974/95, para estabelecer, por instrumento com força de lei, a criação da CTNBio (art. 1º - A), que estava instituída, até então, apenas por meio do Decreto n.º 1.752/95 467. A referida Medida Provisória468 inovou, ainda, ao modificar o § 1º do artigo 7º e estabelecer como vinculativos os pareceres técnicos da CTNBio, do ponto de vista da biossegurança, aos atos administrativos posteriores, de competência dos demais órgãos responsáveis pela biossegurança469. Buscou o Governo dar um fim à discussão sobre o tema, dado que a CTNBio discricionariamente decidiria se a atividade seria ou não potencialmente causadora de significativa degradação ambiental, a implicar a realização do EIA/RIMA e, consequentemente, a exigência de licença ambiental470, deixando aos demais órgãos apenas atribuições de emissão de autorizações, registros e de fiscalização.

Diante da grande polêmica ainda persistente e da contínua pressão por diversos setores do mercado, da sociedade civil e do Estado para uma melhor

467 Nesse sentido, relata José Cordeiro de Araújo: “A queda da credibilidade da CTNBio é algo patente, até mesmo porque passaram a haver questionamentos de sua legitimidade, durante anos apenas autorizada por decreto presidencial, sem previsão legal. O remendo pretendido pelo Poder Executivo, mediante a Medida Provisória n.º 2.137, de 28 de dezembro de 2000, apenas explicitou oficialmente a existência de falhas de natureza legal na constituição original da Comissão e propiciará prováveis demandas jurídicas.” ARAÚJO, op. cit., 2001b, p. 139.

468 Originária: MP n.º 2.137/2000; Edições: n.º 2.137-1, n.º 2.137-2, n.º 2.137-3, n.º 2.137-4, n.º 2.137-5, n.º 2.137-6, n.º 2.191-7, n.º 2.191-8.

469 “Nos termos do art. 2 º da Medida Provisória n.º 2.137/2000, que altera o art. 7 º da Lei n.º 8.974/95, os pareceres técnicos conclusivos são vinculativos, do ponto de vista da biossegurança, relativamente aos atos administrativos posteriores dos Ministérios. Emitido o parecer técnico conclusivo, compete aos Ministérios da Agricultura e do Abastecimento, da Saúde e do Meio Ambiente, no limite de suas competências específicas, monitorar e fiscalizar as atividades relacionadas com os OGMs. São também acionados para acompanhar esses experimentos os órgãos de fiscalização dos estados onde ocorra a liberação.” SCHOLZE, op. cit., 2001, p. 65.

470 A Resolução n.º 237/97 do Conama define no inciso II do artigo 1º a Licença Ambiental como: “ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente, estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.”

regulamentação da questão dos OGMs, o governo buscou apoio no Congresso Nacional para substituir a Lei n.º 8.974/95 por uma nova lei de biossegurança e para resolver, em curto espaço de tempo, duas grandes polêmicas: a pesquisa com células-tronco e a produção e comercialização de organismos geneticamente modificados.

Houve conturbada tramitação no Congresso Nacional, com diversas modificações no Projeto, grande pressão por parte da sociedade civil, do mercado e do governo para uma tramitação rápida do projeto, bem como edições de medidas provisórias no interregno da discussão, para regular a plantação e a comercialização de soja transgênica, provavelmente importada ilegalmente para o país, na ausência da nova lei. Essas medidas provisórias geraram grande repercussão, por representarem o êxito da pressão de agricultores e de grandes empresas de biotecnologia no Congresso, no intuito de liberar e regulamentar a soja transgênica Roundup Ready no pais, contraposta ao inconformismo de diversos setores da sociedade civil, que as entenderam ilegais e conflitantes com a determinação judicial existente.

Isso porque os agricultores, principalmente os do Rio Grande do Sul, estariam (e iriam continuar) utilizando soja transgênica – provavelmente importada ilegalmente da Argentina – para plantio, assim como não aceitariam suportar o prejuízo, caso o seu plantio e a sua comercialização não fossem regulamentados471. O grande

471 Esta posição foi assumida claramente pelos agricultores no debate da iminência da MP n.º 131/03, a saber: “Os produtores do Rio Grande do Sul vão plantar a soja transgênica independentemente de o governo federal assinar ou não a medida provisória que trata do assunto. Segundo o diretor de agribusiness da Federação das Associações Comerciais do RS, Antônio Sartori, não há como impedir o plantio, nem se o STF (Supremo Tribunal Federal) considerar a medida provisória inconstitucional. "O produtor vai plantar com ou sem lei. A decisão está tomada", disse o advogado, que também é diretor da corretora Brasoja. “Se não tiver MP, ou for cassada, haverá uma desobediência civil.” Ele afirmou que, somente no Rio Grande do Sul, 70% da lavoura de soja é transgênica e que hoje 100% do que o Brasil exporta vem de semente geneticamente modificada. Para o ex-advogado da CTNBio (Comissão Técnica Nacional de Biossegurança) Reginaldo Minare, também ligado à Brasoja, a medida provisória do governo não é inconstitucional, pois a decisão que existe hoje no Tribunal Regional Federal de Brasília contra a plantação e comercialização de transgênico não é definitiva. Segundo ele, a constitucionalidade da matéria será analisada posteriormente pelo Supremo, mas a decisão liminar em vigor não impede a edição da MP. Ele reiterou a decisão dos produtores de fazer o plantio à revelia da legislação. "O que se diz por lá [no Rio Grande do Sul] é: Se me prender, a minha mulher planta", disse Minare. "Não há sementes convencionais [não transgênicas] para todos os produtores”afirmou.”

problema era que o governo não aprovava a nova lei de biossegurança, tendo que resolver reiteradamente as questões de safra de soja por Medida Provisória, e acabava se rendendo à realidade dos fatos 472. Resumindo a questão, destaca Rodrigo Dolabella, ao comentar sobre a última dessas Medidas:

A Medida Provisória n.º 223, de 14 de outubro de 2004, é a terceira iniciativa legislativa do Poder Executivo nos últimos dezoito meses visando estabelecer normas para o plantio e comercialização da produção de soja geneticamente modificada no Brasil. As duas primeiras – Medidas Provisórias n.º 113/03 e 131/03 – trataram das safras 2002/2003 e 2003/2004 e foram convertidas nas Leis n.º 10.688, de 13 de junho de 2003, e n.º 10.814, de 15 de dezembro de 2003, respectivamente, enquanto a MP 223/04 regulariza e regulamenta a safra ora em fase de plantio e que será colhida a partir de abril de 2005.473

A nova Lei de Biossegurança – n.º 11.105/2005 – foi aprovada em 24/03/2005. Reiterou, em grande parte, o já disposto na Medida Provisória 2.191-9, definiu determinados pontos de grande disputa e convalidou as demais Medidas

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3 segunda Medida Provisória sobre o tema: “Para o especialista em Direito Ambiental Antonio Monteiro, o governo terá de se render novamente aos fatos caso a legislação não permita o plantio ou a colheita dessa soja, pois queimar grande parte da safra deste ano seria inviável. Ele lembrou que, no início deste ano, o governo autorizou a comercialização da safra de soja transgênica que foi plantada no ano passado. No entanto, essa permissão não inclui o plantio de novas sementes, o que levou o governo a preparar uma nova MP agora, mas que ainda não foi assinada. "O governo está se rendendo às evidências”, afirmou o advogado. / "# , ") & 4 "" 1 5 ) $,

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473 DOLABELLA, Rodrigo Hermeto Corrêa. Nota Descritiva: Medida Provisória n.º 233, de 2004. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados (2004_12675_Nota Descritiva_231_Conle). Outubro de 2004, p. 03. Disponível em:

<http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/medidasprovisorias/medidasprovisorias/2004 _12675.pdf> Acesso em: 01/01/2008.

Provisórias, referentes à soja transgênica. Houve sanção parcial da lei, com sete vetos presidenciais. Nenhum deles alterou de forma significativa a lei, que revogou expressamente a Lei 8.974/95, a Medida Provisória 2.191-9/01 e os artigos 5º, 6º, 7º, 8º, 9º e 10º da Lei 10.814/03, bem como informou, em seu artigo 39, que “não se aplica aos OGM e seus derivados o disposto na Lei 7.802, de julho de 1989, e suas alterações, exceto para os casos em que eles sejam desenvolvidos para servir de matéria-prima para a produção de alimentos.” Informou também que a rotulagem de OGM é necessária, remetendo, entretanto, a sua disciplina a regulamento futuro. Definiu e diferenciou atividade de pesquisa e atividade de uso comercial de OGM; definiu o que seja “derivado de OGM, criou o Sistema de Informações em Biossegurança (SIB) 474 e o Conselho Nacional de Biossegurança (CNBS), como órgão de assessoramento superior do Presidente da República para a formulação e a

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