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1 EM BUSCA DE UMA ADEQUADA INTERPRETAÇÃO JURÍDICO-CONSTITUCIONAL DA QUESTÃO AMBIENTAL

1.2 A perspectiva procedimental e discursiva do Direito e da Democracia como adequado caminho interpretativo da questão ambiental no

paradigma do Estado Democrático de Direito brasileiro: considerações acerca de seus fundamentos e procedimentos

É essencial buscar, nos fundamentos e procedimentos do Estado Democrático de Direito procedimental, a regência que esse modelo propõe e, daí, investigar caminhos para a discussão e a solução dos problemas ecológicos como o de liberação de OGMs no meio ambiente em escala comercial, analisando a amarração que busca consolidá-lo. Pergunta-se se a questão ambiental pode ser um bom exemplo, enquanto exigência de estabilização de certas expectativas, sobretudo em relação a uma sadia qualidade de vida, para o desdobramento e a compreensão do que se espera do Estado Democrático de Direito brasileiro, no qual foram depositadas nossas esperanças desde a Constituição de 1988.

Com a Constituição Federal de 1988, a consideração da questão ambiental ganha contorno de diretriz constitucional expressa, similar à diretriz traçada pela Constituição da República Portuguesa de 1976 145. Recebeu capítulo próprio em seu art. 225, embora difusamente percebida, a tarefa de preservação ambiental no texto constitucional 146 e apresenta limites expressos à atividade econômica, configurando-se também como princípio da Ordem Econômica brasileira, traduzido pela defesa do meio

145 Art. 66 (Ambiente e qualidade de vida) 1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. 2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) (...). Para uma análise acerca do dispositivo constitucional português, em muito semelhante ao nosso art. 225, CF/88, consultar: CANOTILHO, José Joaquim Gomes; MOREIRA, Vital. Constituição da República Portuguesa anotada. Vol. 1. 1. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais; Coimbra/PT: Coimbra Editora, 2007, p. 841-853; MIRANDA, Jorge. Manual de

direito constitucional. Tomo IV. Direitos Fundamentais. 2 ed. Coimbra: Coimbra, 1998.

146 No Brasil, a questão ambiental é relevante, não só por sua biodiversidade, mas por alcançar

proteção constitucional. A proteção ambiental, difusa em diversos artigos da Constituição de 1988, recebe capítulo próprio, expresso no artigo 225. O artigo 170 destaca como princípio geral da Atividade Econômica a defesa do meio ambiente, exigindo tratamento diferenciado das atividades causadoras de impacto ambiental. Os artigos 23 e 24 informam a repartição de competência administrativa e legislativa entre os entes federados quanto à questão do meio ambiente.

ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado [da atividade econômica] conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação.

Esse e outros preceitos constitucionais evidenciam uma contínua transformação na compreensão da questão ambiental. Para além de uma transposição das exigências de um âmbito normativo mais restrito – representado pela legislação infraconstitucional, com determinações voltadas quase que exclusivamente ao Estado –, a sua consideração constitucional impõe uma percepção mais abrangente e diretiva da atuação estatal e, agora, expressamente da sociedade civil [coletividade], exigindo-se uma atuação integrada, efetiva e participativa de todos, como meio de concretização do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, enquanto tarefa constitucionalmente exigida. Eis a disposição do art. 225 da CF/88:

Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de

defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.

§ 1º - Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público:

(...)

Esse dispositivo evidencia a implicação de um modelo de gestão ambiental mais abrangente, senão universal, de preservação ambiental, que incrementa o número de tarefas, potencializa a necessidade de atuação integrada de todos os participantes e coloca em evidência o dever de participação pública em defender e preservar o meio ambiente em prol das presentes e futuras gerações. Assim, pode-se afirmar que, se, por um lado, esta nova percepção e formulação de um sistema de ação integrada do Estado, do Mercado e da Sociedade Civil nas atividades que envolvem a questão ambiental potencializa o controle e a implementação de atividades a ela

relacionadas, por outro, inevitavelmente, cria-se grande margem de possibilidades de abusos e inoperância do referido sistema 147.

Daí que essas novas exigências e percepções passam a requerer dos processos decisórios e das ações integradas dos diversos atores, sobretudo na fundamentação de suas ações, uma mudança paradigmática, por meio da qual, também por meio do Direito, a questão ambiental não possa mais ser considerada em termos egoísticos e absolutos, nem apenas como passível de controle exclusivo por órgãos estatais e por uma tecnocracia supostamente autossuficiente, a tornar dispensável a necessidade de participação pública dos cidadãos na implementação de uma gestão ambiental integrada, ativa e participativa.

Pressupõe-se aqui que uma postura minimamente adequada de exercício de interpretação constitucional acerca da questão ambiental deve estar atenta a todas essas implicações e, inclusive, ao incremento de complexidade típico das sociedades modernas, levando em conta, também, que a complexidade social não dever se simplificada ou reduzida, mas, sim, mantida agregada em toda interpretação jurídica realizada148, mediada por um apropriado processo democrático e pela realização adequada do sistema de direitos.149 A questão relacionada à liberação de OGMs no meio ambiente em escala comercial pode retratar exatamente essas tensões, visto que “o que importa preservar é, antes de tudo, a solidariedade social, em vias de degradação, e as fontes de equilíbrio da natureza, em vias de esgotamento.” 150

147 Segundo Jürgen Habermas: “Pudemos observar que a passagem para o modelo do Estado Social se impôs, porque os direitos subjetivos podem ser lesados, não somente através de intervenções ilegais, mas

também através da omissão da administração.” HABERMAS, op. cit., 2003b, p. 170. [grifo nosso]

148 “Todo aquele que tenta enfrentar as perspectivas reformistas, servindo-se apenas dos argumentos triviais que destacam a complexidade, confunde legitimidade com eficiência e desconhece o fato de que as instituições do Estado de direito não visam simplesmente reduzir a complexidade, mas procuram mantê-la através de uma contra-regulação, a fim de estabilizar a tensão que se instaura entre facticidade e validade.” Id. Ibid., p. 188.

149 HABERMAS, op. cit., 2003b, p. 189. 150 Id. Ibid., p. 189.

Assim, a perspectiva da teoria procedimental e discursiva do Direito e da Democracia pode contribuir como um norte na condução da análise do processo decisório referido, pois busca reconstruir a relação entre Estado, Democracia e direito, de um ponto de vista crítico-reflexivo e pautado por uma razão comunicativa, evidenciando a necessidade de consideração dessa relação a partir de reconstruções da sociologia do direito e da filosofia da justiça 151, de forma que qualquer problema constitucional relevante seja analisado indissociavelmente sob essa dupla perspectiva.

O Direito, desse modo, é visto como um meio social de comunicação disponível entre diversos outros, mas com potencialidades do ponto de vista da concretização da integração social. E sua análise importa em considerar duas dimensões, uma externa e outra interna. A dimensão externa do Direito coloca-se com a possibilidade de ele interagir com outros meios ou sistemas de regulação social, integrando-se a eles. Assim, a operacionalização do sistema do Direito permite sua integração e articulação com outros sistemas sociais de ação de forma institucionalizada, organizando, sob condições comunicativas e sob a forma jurídica, a estruturação do poder do Estado e dos mercados 152. Já a dimensão interna de sua análise coloca-se como a realização de ações internamente ao sistema de direitos, articuladas de forma comunicativa e pelos diversos participantes que o influenciam e o potencializam tanto como um sistema de saber – ou de conhecimento, como a Moral, quanto um sistema de ação social.153

Sobretudo sob a perspectiva interna, pode-se tomar com maior adequação constitucional a discussão acerca de diversos argumentos e expressões legais

151 Id. Ibid., p. 36. E sobre tal ponto, ressalta Habermas: “E, ao desenvolver este ponto, eu tento elaborar um princípio reconstrutivo capaz de assumir duas perspectivas diferentes: a da teoria sociológica do direito e da teoria filosófica da justiça.” HABERMAS, op. cit., 2003a, p. 24.

152 HABERMAS, op. cit., 2003a, p. 60-63.

153 Assim, nessa perspectiva interna, que nos interessará sobremaneira nos casos estudados, destaca Habermas que: “O direito é tanto um sistema de saber e, ao mesmo tempo, um sistema de ação. Ele tanto pode ser entendido como um texto de proposições e de interpretações normativas, ou como uma instituição, ou seja, como um complexo de reguladores da ação.” Id. Ibid., p.110-111.

típicos no tema estudado e presentes nos textos legais, criticáveis tanto pela própria dogmática jurídica brasileira, quanto pelo juízo que esta faz sobre eles, no que se refere ao tema. Assim, a enunciação de expressões como interesse público, poder discriocionário da CTNBio, juízos de conveniência e oportunidade socioeconômicas, por exemplo, presentes na nova lei de biossegurança, devem ser apreendidos de forma crítica e reflexa.

E isso abre a oportunidade para reflexões e proposições de alternativas teóricas para uma adequada interpretação constitucional da questão ambiental. A liberação de OGMs no meio ambiente em escala comercial – enquanto problema constitucional contemporâneo de grande relevância – não permite que sobre ela se possa enumerar previamente respostas conclusivas para a contínua condução do seu processo, para a presente e futura geração, porque estará sempre a depender das vivências constitucionais e institucionais, com as quais se pode e se deve aprender. Estará a depender também de como as práticas sociais levam adiante o referido processo nos diferentes momentos históricos, enquanto constitutivas do projeto constitucional ao qual os cidadãos brasileiros assentiram desde a Constituição de 1988 até a Constituição de hoje, que se concretiza e se aperfeiçoa continuamente. Daí que a interpretação dos conceitos jurídicos indeterminados ou vagos acima mencionados no contexto estudado condicionam-se a cada momento, pelas percepções das dimensões do público e do privado.

A perspectiva discursiva e procedimental do Direito e da Democracia pode auxiliar a enxergar (e a implementar) o processo público de liberação de OGMs no meio ambiente em escala comercial como um processo que pode até ter (e tem) em seu centro um espaço institucional estatal 154, o qual, entretanto, não é o único a interferir na

154 “O Estado passa a formar um subsistema ao lado de outros subsistemas sociais funcionalmente especificados; estes, por sua vez, encontram-se numa relação configurada como “sistema-mundo

tomada de decisões, sendo requerida a participação da sociedade civil e do mercado – ainda que possuam capacidades assimétricas de influência em sua concretização –, enquanto exigência de legitimação e de êxito da condução do processo, em termos de cidadania e democracia. Em suma, a conscientização da necessidade de formação de espaço público decisório constitucionalmente assegurador de articulações legítimas dos direitos de igualdade, liberdade e solidariedade social, desconfiando da atuação de estruturas institucionais de grande capacidade de imposição do direito, em que práticas sociais podem ser cooptadas por influências autoritárias.

A proposta aqui intentada busca avaliar a construção cidadã e democrática do processo decisório estudado, a partir das condições comunicativas 155 idealizadas na perspectiva das teorias já mencionadas, a despeito de poderem apresentar inúmeras barreiras contrafáticas de legitimação na dinâmica do contexto estudado.156 Isso não torna sem crédito a referida teoria, mas apenas evidencia que a interpretação constitucional deve levar em conta ambientes sociais e institucionais que lidam com temas interdisciplinares, de múltiplos interesses envolvidos e de alta complexidade

circundante”, o mesmo acontecendo com as pessoas e sua sociedade.” HABERMAS, op. cit., 2003a, p. 18.

155 Segundo nota explicativa de Habermas: “O conceito de “agir comunicativo” explica como é possível surgir integração social através de energias aglutinantes de uma linguagem compartilhada intersubjetivamente. Esta impõe limitações pragmáticas aos sujeitos desejosos de utilizar essas forças da linguagem, obrigando-os a sair do egocentrismo e a se colocar sob os critérios públicos da racionalidade do entendimento. Nesta ótica, a sociedade se apresenta como um mundo da vida estruturado simbolicamente que se reproduz através do agir comunicativo. Isso impede o surgimento de interações estratégicas no mundo da vida. Essas, porém, não têm o mesmo caráter das de Hobbes ou da teoria do jogo: elas não são mais entendidas como mecanismo para a produção de um ordem instrumental. Interações estratégicas têm o seu lugar no mundo da vida enquanto pré-constituído em outro lugar. Mesmo assim, o que age estrategicamente mantém o mundo da vida como um pano de fundo; porém neutraliza-o em sua função de coordenação da ação. Ele não fornece mais um adiantamento de consenso, porque o que age estrategicamente vê os dados institucionais e outros participantes da interação apenas como fatos sociais. No enfoque objetivador, um observador não consegue entender-se com eles como se fossem segundas pessoas.” Id. Ibid., p. 45-46.

156 Nesse sentido, a perspectiva discursiva e procedimental da Constituição deve levar em conta: a falta de tempo adequado à deliberação plena e ampla das políticas públicas de liberação de OGMs no Brasil, a difusão e a qualidade ou não das informações de modo fácil e acessível a todos os cidadãos, a possibilidade concreta do poder social estatal e econômico interferir instrumentalmente na discussão dos temas, publicizando ou privatizando o debate da forma que lhe apraz, etc.

técnica e social, cobertos de aspectos contrafáticos que exigem e dificultam ainda mais a realização adequada dos direitos, entre os quais os relacionados à questão ambiental.

Com o auxílio dessa perspectiva teórica, assume-se o pressuposto de que, por meio do Direito e da Constituição Federal brasileira, pode-se buscar garantias de condições discursivas 157 para que os espaços de discussão permitam articulações comunicativas desvinculadas de violência física ou social, e que o processo decisório em estudo possa estar potencialmente aparelhado por filtros comunicativos e legitimadores de um processo público democrático e normativamente referido.

Pressupõe-se que, dentro dos âmbitos administrativos institucionais de decisão referentes ao processo estudado, haja uma representatividade formalmente estabelecida e em tese apreendida e controlada pelos cidadãos. Mas isso não impede que o processo deva estar aberto à participação direta dos cidadãos e dos movimentos sociais, aptos a exercer a titularidade e legitimação que detêm para discutir, contestar e se informar acerca da condução do processo decisório. Tal abertura deve permiti-lhes interferir e argumentar acerca da aplicação e da consideração da Constituição Federal quanto à questão ambiental, em diversos níveis e momentos da condução do processo, de forma não violenta e consensual. Deve permitir também a garantia de condições preservadoras dos fluxos comunicativos e de informação a serem criados e mantidos, exigindo-se da Administração a consideração equilibrada e fundamentada dos passos adotados na condução do processo e das medidas de biossegurança adotadas, caso a caso, na liberação de OGMs no meio ambiente em escala comercial.

Segundo Habermas, diante da complexidade das sociedades modernas, necessita-se de novas colocações dos problemas 158, compreendidas na aposta

157 Garantias de mobilização do direito, conforme Habermas. HABERMAS, op. cit., 2003b, p. 185. 158 “(...) as sociedades modernas tornaram-se tão complexas, ao ponto de essas duas figuras de pensamento – a de uma sociedade centrada no Estado e a da sociedade composta de indivíduos – não poderem mais ser utilizadas indistintamente.” HABERMAS, op. cit., 2003a, p. 17-18.

das potencialidades da substituição de uma razão prática por uma razão comunicativa, que não implica de forma alguma uma mera troca de etiqueta.159

Em sociedades complexas, a alta diferenciação social e a pluralidade de pontos de vista e de formas de vida necessitam ser reguladas, embora não mais por uma razão naturalizada, baseada em pressupostos jusnaturalistas, religiosos, ou em instituições reveladoras de uma razão meramente instrumental. Essa regulação deve dar conta de sociedades que artificialmente precisam gerar integração social, de forma não- violenta. Mas, como “integrar socialmente mundos da vida em si mesmos pluralizados e profanizados, uma vez que cresce simultaneamente o risco de dissenso nos domínios do agir comunicativo desligado de autoridades sagradas e de instituições fortes? ”160 Parece haver uma saída por meio de uma “regulamentação normativa de interações estratégicas¸ sobre as quais os próprios atores se entendem.” 161 Assim, em vez da ação orientada por razões imediatamente estratégicas e de sucesso próprio, a criação de condições de um agir orientado pelo entendimento e pela negociação em comum, passando a interpretar os fatos relevantes à luz de pretensões de validade intersubjetivamente construídas162. Uma possível solução desse enigma de integração social a partir do sistema de direitos, que provê liberdades subjetivas de ação com a coação do direito objetivo.163 Em face das características dos problemas jurídicos

159 “Os vestígios do normativismo jurídico do direito racional perdem-se, no trilema: após a implosão da figura da razão prática pela filosofia do sujeito, não temos mais condições de fundamentar os seus conteúdos na teleologia da história, na constituição do homem ou no fundo casual de tradições bem sucedidas. (...) Por essa razão, eu resolvi encetar um caminho diferente, lançando mão da teoria do agir comunicativo: substituo a razão prática pela comunicativa. E tal mudança vai muito além de uma simples troca de etiqueta.” HABERMAS, op. cit., 2003a, p. 19.

160 Id. Ibid., p. 46. 161 Id. Ibid., p. 46.

162 Nesse sentido, conforme Rogério Leal: “Segundo a teoria do discurso de Habermas, todo ato comunicativo carrega em si afirmações de validade (verdade, correção e sinceridade), em que a validade reivindicada é capaz de suportar críticas sob condições de discurso, ou seja, um contexto de justificação argumentativa de suas pretensões que os participantes consideram irrepreensível. Essa teoria do discurso está no centro de sua teoria moral, teoria democrática, racionalidade e verdade.” LEAL, Rogério Gesta. Verbete “Jürgen Habermas”. In: BARRETO, Vicente de Paulo (Coord.). Dicionário de Filosofia do

Direito. Rio Grande do Sul. Rio de Janeiro: Unisinos/Renovar, 2006, p. 406.

contemporâneos, Habermas busca demonstrar que uma razão comunicativa164 – baseada em sua teoria do agir comunicativo 165, pode conceder um valor posicional central à categoria do Direito, visto que esta teoria pode formar um contexto adequado para uma teoria do Direito com base no princípio do Discurso166, enunciado de forma abstrata pelo seguinte: “são válidas as normas de ação às quais todos os possíveis atingidos

164 Segundo Habermas, a razão comunicativa distingue-se da razão prática por não estar adstrita a nenhum macrosujeito político ou ator singular, bem como por ser dotada de um conteúdo normativo e que possibilita uma orientação com base em pretensões de validade. “Tal racionalidade está inscrita no telos lingüístico do entendimento, formando um ensemble de condições possibilitadoras e, ao mesmo tempo limitadoras. Qualquer um que se utilize de uma linguagem natural, a fim de entender-se com um destinatário sobre algo no mundo, vê-se forçado a adotar um enfoque performativo e a aceitar determinados pressupostos. Entre outras coisas, ele tem que tomar como ponto de partida que os participantes perseguem sem reservas seus fins ilocucionários, ligam seu consenso ao reconhecimento intersubjetivo de pretensões de validade criticáveis, revelando a disposição de aceitar obrigatoriedades relevantes para as conseqüências da interação e que resultam de um consenso. E o que está embutido na base de validade da fala também se comunica às formas de vida reproduzidas pela via do agir comunicativo. A racionalidade comunicativa manifesta-se num contexto descentrado de condições que impregnam e formam estruturas, transcendentalmente possibilitadoras; porém, ela própria não pode ser vista como uma capacidade subjetiva, capaz de dizer aos atores o que devem fazer.” Id. Ibid., p. 20. 165 Segundo Habermas, a teoria do agir comunicativo tenta assimilar a tensão que existe entre facticidade e validade e “enquanto a linguagem é utilizada apenas como medium para a transmissão de informações e redundâncias, a coordenação da ação passa através da influenciação recíproca de atores que agem

uns sobre os outros de modo funcional. Tão logo, porém, as forças ilocucionárias das ações de fala assumem um papel coordenador na ação, a própria linguagem passa a ser explorada como fonte primária da integração social. É nisso que consiste o “agir comunicativo”. Neste caso os atores, na

qualidade de falantes e ouvintes, tentam negociar interpretações comuns da situação e harmonizar entre si os seus respectivos planos através de processos de entendimento, portanto pelo caminho de uma busca

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