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3 UM RESGATE DO PROCESSO LEGISLATIVO DA NOVA LEI DE BIOSSEGURANÇA SOB DUPLA CONSIDERAÇÃO: A

3.2 Os OGMs batem à porta do controle concentrado de constitucionalidade do STF: um breve comentário descritivo

Em complemento ao tópico anterior, cumpre ressaltar que de cinco formas principais o Supremo Tribunal Federal já foi instado a manifestar-se acerca de questões relativas a OGMs, tratadas na Lei n.º 11.105/2005 488. O primeiro grupo refere- se a ações diretas de inconstitucionalidade que buscaram combater supostos vícios de inconstitucionalidade presentes na Medida Provisória n.º 131, de 25/09/2003, que estabeleceu normas para o plantio e a comercialização da produção de soja da safra de 2004, legalizando, por embargo judicial, a safra de um OGM à época ainda não autorizado no país.489 São elas as Ações Diretas de Inconstitucionalidade n.º 3011/DF 490, n.º 3014/DF 491, n.º 3017/DF492 e n.º 3036/DF 493, todas da relatoria da ministra Ellen Gracie. Contudo, após a conversão da referida medida provisória na Lei 487 Art. 13 A CTNBio poderá realizar audiência pública requerida por um de seus membros ou por parte comprovadamente interessada na matéria objeto de deliberação e aprovada por maioria absoluta, garantida a participação da sociedade civil.

488 Há a ADI n.º 2007/DF que foi julgada improcedente (DJ 24/09/99), pelo fato de atacar o decreto regulamentador da antiga lei de biossegurança, que não é passível de controle de constitucionalidade por ADI, conforme afirmado na decisão.

489 A MP n.º 113/03 (safra 2002/2003) e a MP n.º 131/03 (safra 2003/2004), por exemplo, buscaram dirimir controvérsias com agricultores, principalmente do Rio Grande do Sul, que utilizaram soja transgênica, provavelmente importada ilegalmente da Argentina, que não aceitavam suportar o prejuízo da safra, caso não fosse regulamentado o seu plantio e comercialização.

490 Foi proferido o seguinte despacho: 1 - Trata-se de ação direta de inconstitucionalidade que possui como objeto a Medida Provisória n.º 131, de 25 de setembro de 2003, a qual estabeleceu normas para o plantio e a comercialização da safra, de 2004, da soja geneticamente modificada. Aplicado o rito do art. 12 da Lei 9.868/99, os autos vieram-me conclusos em 24 de novembro de 2003. Despachei, no dia seguinte, pedindo dia para julgamento. O feito foi incluído na pauta de n.º 41/2003, publicada no D.J. de 04.12.2003. 2- Porém, em 15.12.2003 foi editada a Lei n.º 10.814, que veio, com algumas alterações, substituir a Medida Provisória impugnada. Além de não ter havido, até o presente momento, qualquer pedido de aditamento por parte dos requerentes, o ilustre Procurador-Geral da República ajuizou, em 09.01.2004 a ADI n.º 3.109, pela qual impugna o Diploma legal fruto da conversão da MP em exame. 3 - Sendo certo que o ato normativo hostilizado não mais vigora no mundo jurídico e que o necessário pedido de aditamento não foi formulado, apresenta-se inviável o prosseguimento do presente feito. Por isso, julgo prejudicada a presente ação direta de inconstitucionalidade, por perda de objeto. Publique-se. Brasília, 9 de fevereiro de 2004. Ministra Ellen Gracie Relatora.

491 Com despacho idêntico ao da ADI n.º 3011/DF. 492 Com despacho idêntico ao da ADI n.º 3011/DF.

493 Buscava o autor, em específico, a declaração de inconstitucionalidade do art. 3º, par. único, do referido ato, que havia considerado título executivo extrajudicial o Termo de Compromisso, Responsabilidade e Ajustamento de Conduta necessário para a comercialização da safra de soja do ano de 2004. Esse comando não foi reproduzido na lei de conversão retro mencionada.

n.º 10.814 – de 15 de dezembro de 2003 – DOU DE 16/12/2003, as referidas ações perderam o seu objeto, tendo sido julgadas prejudicadas.

O segundo grupo de ações diretas de inconstitucionalidade – ADI n.º 3109/DF - refere-se ao mesmo intento do grupo anterior, mas impugna a Medida Provisória n.º 131, de 25/09/2003, convertida na Lei n.º 10.814/2004, que legalizou a safra 2003/2004 de soja plantada ilegalmente no território nacional. Tal ação foi ajuizada pelo MPF e aguarda julgamento. Houve apenas uma decisão do relator, indicando que, em razão da gravidade da questão e dos seus efeitos, não se adiantaria medida alguma de caráter liminar, mas aguardaria-se a decisão definitiva.

Um terceiro grupo de ações diretas de inconstitucionalidade refere-se à questão do conflito de competências legislativas quanto ao OGMs. A lei de biossegurança é lei federal ordinária e de competência privativa da União Federal (art. 22, CF/88). Assim, restou vedado aos Estados-membros legislar sobre a matéria. Neste grupo, encontram-se casos a partir da atuação de Estados-membros com posição expressamente contrária aos transgênicos, como é o caso do Paraná, que iniciou a tentativa de legislar sobre a matéria, em duas vertentes 494. Uma seria a tentativa expressa de barrar a lei federal de biossegurança, legislando-se para que estabelecesse vedação ao cultivo, à manipulação, à importação, à industrialização e à comercialização de organismos geneticamente modificados – Lei Estadual paranaense n.º 14.162, de

494 À exceção dessa vertente, há a ADI n.º 2303/RS, pendente de julgamento, concedida a medida cautelar, em assunto também de repartição de competência, mas com uma peculiaridade, que apreende um efeito prático semelhante às outras deste grupo. Eis a ementa do julgamento da Medida Cautelar: “EMENTA: ALIMENTOS TRANSGÊNICOS. COMPETÊNCIA CONCORRENTE DO ESTADO- MEMBRO. LEI ESTADUAL QUE MANDA OBSERVAR A LEGISLAÇÃO FEDERAL. 1. Entendimento vencido do Relator de que o diploma legal impugnado não afasta a competência concorrente do Estado-membro para legislar sobre produtos transgênicos, inclusive, ao estabelecer, malgrado superfetação, acerca da obrigatoriedade da observância da legislação federal. 2. Prevalência do voto da maioria que entendeu ser a norma atentatória à autonomia do Estado quando submete, indevidamente, à competência da União, matéria de que pode dispor. Cautelar deferida.” BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Medida Cautelar em Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 2303/RS-MC. Governador do estado do rio grande do sul versus assembléia legislativa do estado do rio grande do sul. Disponível em: < http://www.stf.gov.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=2303.NUME.+ E+$ADI$.SCLA.&base=baseAcordaos>. Acesso em: 01/01/2008.

27/10/2003, atacada e declarada inconstitucional pela ADI n.º 3035/PR (DJ 14-10- 2005).495 Com base nessa última ADI, foi apresentada a Reclamação Constitucional n.º 2634/PR, contra suposto descumprimento daquela decisão pelo governador do Paraná, julgada improcedente (DJ 26/08/2005). Numa segunda vertente, houve a tentativa de determinar a rotulagem dos produtos que contivessem ingredientes transgênicos comercializados no Estado paranaense, com a Lei n.º 14.861/05 – atacada e declarada inconstitucional pela ADI n.º 3645 / PR (DJ 01-09-2006).

E o quarto grupo refere-se à ação direta de inconstitucionalidade de maior repercussão e alcance sobre o tema – n.º 3526/DF 496, ajuizada em junho de 2005, com pedido de concessão de medida cautelar, que contesta mais de 20 dispositivos da nova lei de biossegurança 497, no que tange à questão estudada sobre organismos geneticamente modificados. Na segunda página da referida ADI n.º 3526 há referência a uma mudança abrupta do projeto da lei de biossegurança no Senado Federal, que alterou profundamente o projeto inicial da Câmara dos Deputados e que, em retorno à Câmara, acabou sendo aprovado com essas modificações.498 Apontam-se os principais argumentos contra a lei na ação: (1) afronta à competência comum dos entes federados em proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, porque a lei restringiu a atuação de proteção ambiental pelos Estados e Municípios de forma inconstitucional; violação à (1.1) competência comum para proteger o meio

495 A ementa é a seguinte: Ação Direta de Inconstitucionalidade ajuizada contra a lei estadual paranaense de no 14.162, de 27 de outubro de 2003, que estabelece vedação ao cultivo, a manipulação, a importação, a industrialização e a comercialização de organismos geneticamente modificados. 2. Alegada violação aos seguintes dispositivos constitucionais: art. 1o; art. 22, incisos I, VII, X e XI; art. 24, I e VI; art. 25 e art. 170, caput, inciso IV e parágrafo único. 3. Ofensa à competência privativa da União e das normas constitucionais relativas às matérias de competência legislativa concorrente. 4. Ação Julgada Procedente. BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3035/DF. Partido Da Frente Liberal versus Governador do Estado do Paraná. Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/jur isprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=(3035.NUME.%20OU%203035.ACMS.)&base=baseAcordaos>. Acesso em: 01/01/2008.

496 Há cópia disponível na página da internet do Supremo Tribunal Federal.

497 São os seguintes: Art. 6º, VI; art. 10; art. 14, incisos IV, VIII, XX e §§ 1º, 2º, 3º, 4º, 5º e 6º; art. 16, § 1º, inciso III e §§ 2º, 3º, 4º, 5º, 6º e 7º; arts 30, 34, 35, 36, 37 e 39, todos da Lei n.º 11.105, de 24 de março de 2005.

ambiente e exigir o licenciamento ambiental, em favor do poder genérico dado à CTNBio de deliberar isoladamente e de forma vinculante se um OGM é ou não potencialmente causador de significativa degradação ambiental; (1.2) quebra do Sisnama e fragmentação do processo de licenciamento ambiental, pois a lei suspendeu a eficácia da Lei n.º 6.938/81 e afastou o licenciamento ambiental para OGMs.

Um segundo tópico da referida ADI n.º 3526 trata (2) da aplicação do princípio da precaução à engenharia genética, consubstanciado na exigência de estudo prévio de impacto ambiental 499, com destaque: à sua incorporação ao ordenamento brasileiro; à exigência de inversão do ônus da prova; ao seu reconhecimento no Protocolo de Cartagena e, diante da incerteza científica, a sua consagração pelo Estudo prévio de impacto ambiental constitucionalmente exigido; à inconstitucionalidade de deliberação solitária da CTNBio sobre a questão ambiental; à exigência do Poder Público realizar o EIA/RIMA, por ser a natureza da atividade envolvida e dos OGMs que exigiria o EIA/RIMA, não afetada pela discricionariedade administrativa, como ressaltado em precedente judicial sobre o caso da soja transgênica Roundup Ready.

Um terceiro tópico da referida ADI n.º 3526 trata (3) da inobservância do princípio democrático– com base no art. 1º, CF/88, que consagra tanto a democracia representativa, quanto a participativa. Os argumentos nesse ponto são os seguintes: a necessidade de participação democrática é ínsita a um contexto de pluralidade e de integração comunitária; o procedimento de licenciamento ambiental prevê larga participação comunitária – como a ocorrência de audiências públicas; a supressão do licenciamento ambiental em eventos transgênicos (art. 16, §2º, da nova lei) frusta a participação democrática, e que o precedente judicial já citado sinaliza para a necessidade de EIA/RIMA.

Um quarto tópico indica (4) a violação à coisa julgada – desrespeito ao princípio da independência e harmonia dos poderes. Os argumentos são os seguintes: os artigos 30, 34, 35 e 36 da nova lei desconsideraram duas decisões judiciais em plena vigência, exaradas no âmbito de ações civis públicas, para impedir a liberação comercial no meio ambiente da soja Roundup Ready da Monsanto, sem que houvesse a realização de EIA/RIMA; a sentença proferida em medida cautelar pela 6ª Vara Federal do Distrito Federal, em 1999, determina a proibição em mesmo sentido, e a sentença de mérito, em 2000, mantém os termos da cautelar; o art. 35 da lei, ao determinar de forma genérica a liberação de soja transgênica, independentemente da safra, desrespeitou também processo judicial com decisão válida e eficaz, proferida pelo TRF da 1ª Região, em sede de ação cautelar, com apelação cível n.º 2000.01.00.01466-1/DF julgada nesse sentido; a ação civil pública n.º 1998.34.00.027681-8 foi confirmada pela 5ª Turma daquele TRF, de acordo com o entendimento contido na decisão de primeiro grau, após agravo regimental interposto pelo MPF e provido; o legislativo ingressou indevidamente na atuação legítima do Poder Judiciário, em controle difuso, que exigiu a realização de EIA/RIMA; mesmo cientificada da decisão, a Administração não a cumpre; há assim afronta ao princípio da separação de poderes. Houve o pedido liminar requerendo a suspensão de eficácia dos dispositivos atacados e, como pedido final:

E - CONCLUSÃO

85. Em conclusão, os dispositivos previstos no art. 6º, inciso VI; no art. 10; no art. 14, incisos IV, VIII, XX e §§ 1o, 2o, 3o, 4o, 5o e 6o; no art. 16, § 1º, inciso III e §§ 2º, 3º, 4o, 5o, 6o e 7o; e nos arts. 37 e 39, todos da Lei nº 11.105/2005, são inconstitucionais por violarem o art. 23, inciso VI, que trata da competência comum da União dos Estados, Distrito Federal e Municípios para proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas, ao conceder à CTNBio poderes para decidir, em última e definitiva instância, sobre os casos em que a atividade é potencial ou efetivamente causadora de degradação ambiental, bem como sobre a necessidade de licenciamento ambiental.

86. Por igual, tais dispositivos violam o art. 225, caput e inciso IV, da Constituição, ao delegar à CTNBio o poder de deliberar se o OGM é potencialmente causador de significativo impacto ambiental.

87. Por último, os arts. 30, 34, 35 e 36 da lei inquinada de inconstitucional violam o princípio democrático e a coisa julgada material.500

No STF, foi designado o ministro Celso de Mello como relator e, em 03/08/2005 (DJ 10/08/2005), proferiu-se a única decisão no processo até o presente momento, que determinou a manifestação dos órgãos que emanaram as normas legais, em 10 dias, conforme art. 12 da Lei n.º 9.868/98 501, para proferir decisão acerca do pedido liminar, que até o início de 2008 ainda não havia ocorrido. Cumpre ressaltar que houve o deferimento de participação de diversas organizações civis 502 na condição de amicus curiae, entre as quais estão algumas que atuam diretamente nos casos do processo decisório aqui analisados.

Destaca-se ainda a Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º 3510/DF, que ataca o art. 5º, e parágrafos, da nova lei de biossegurança, por inconstitucionalidade material. Contudo, não se trata de disposição acerca de OGMs, mas sobre células-tronco e a discussão do momento em que se inicia a vida. A ação defendia a tese central de que a vida humana acontece na (e a partir da) fecundação. O interessante nessa ação foi o pedido de audiência pública pelo MPF e a sua aceitação e realização no STF, em 20/04/2007, como a primeira audiência pública ocorrida naquela instância.

A análise dessas ações em controle concentrado de constitucionalidade possibilitará algumas considerações ao final deste capítulo, como

500Disponível em: <http://www.stf.gov.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADIN&s1=35 26&processo=3526>. Acesso em 01/01/2008.

501 Art. 12. Havendo pedido de medida cautelar, o relator, em face da relevância da matéria e de seu especial significado para a ordem social e a segurança jurídica, poderá, após a prestação das informações, no prazo de dez dias, e a manifestação do Advogado-Geral da União e do Procurador-Geral da República, sucessivamente, no prazo de cinco dias, submeter o processo diretamente ao Tribunal, que terá a faculdade de julgar definitivamente a ação.

502 São elas: Associação Nacional de Biossegurança (ANBIO), Associação Nacional de Pequenos Agricultores (ANPA), TERRA DE DIREITOS, Instituto Brasileiro de Defesa Do Consumidor (IDEC), Associação Civil GREENPEACE.

ensejo de insumos para resposta ao reclamo do então presidente da CTNBio acerca da necessidade de o STF intervir no futuro da transgenia.

3.3 Um olhar curioso sob o processo legislativo da nova lei de biossegurança:

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