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3. A CONSTITUIÇÃO DO PLANO SOB O OLHAR ETNOGRÁFICO

3.4 Entre o debate público e a “tecnificação” da política pública

Ao longo desta descrição pudemos observar que os integrantes da consultoria desempenharam diferentes papéis e possuíam diversas intenções no processo de elaboração do

Plano. Por um lado, houve o discurso explícito de realização de um trabalho com qualidade e da proposição de ações que promovam o desenvolvimento da região, e, por outro, a visão do enriquecimento da empresa e possíveis parcerias com o consórcio no futuro. Existiu uma distinção entre os membros da Coordenação geral, dos membros que executaram o trabalho de apoio e técnico do projeto. A equipe se caracterizou como multidisciplinar e em nenhum momento isto foi uma barreira ao processo, os debates e as diferenças contribuíram de maneira a completar as propostas, ao contrário, os conflitos se deram por questões de desmotivação, autoridade e pressão vindas “de cima para baixo”.

Os interlocutores foram de origem diversa, pois foram entrevistados representantes de autoridades locais como prefeitos e assessores, de entidades de classe, do empresariado local (principalmente alternativo ao agronegócio) e de governança regional como SEBRAE, dentre outros. De informações obtidas a campo, conseguimos compreender as dificuldades que representantes enfrentavam no dia-a-dia e também as problemáticas vivenciadas pela região. Alguns informantes se posicionaram contrários a atuação do CIVAP ou ao PDEVP, mas no geral, até os mais resistentes, colaboraram para o fornecimento de dados e perspectivas de melhoria do desenvolvimento regional, a “esperança” pela mudança do quadro socioeconômico local e regional esteve presente na maioria dos discursos, apesar de que nem sempre os comportamentos e as intenções foram somente altruístas.

Já com relação aos interlocutores do CIVAP, em sua maioria, os representantes do consórcio são considerados os mais influentes nos municípios e região e os presidentes que assumem os cargos são de municípios hegemônicos. A maioria dos políticos historicamente que exerceram o poder da instituição foram do partido do PSDB ou coligações, sendo que a hegemonia do CIVAP está presente nas relações estabelecidas e o mesmo exerce influência na região. Apesar de que o Plano criado tenha sido considerado uma elaboração do consórcio, ao longo do processo, pudemos concluir que o mesmo exerceu um papel de “facilitador” de informações e dados do que exatamente o autor de sua própria política pública. Isto nos indica um aspecto importante de se refletir a respeito da iniciativa da produção do Plano, ou seja, a iniciativa partiu do consórcio de identificar seus principais gargalos socioeconômicos e criar então uma política pública de promoção do desenvolvimento socioeconômico ou então se este processo foi “induzido” pelo proprietário da consultoria, em que o mesmo “gerou” a necessidade da elaboração do plano em seu cliente e consequentemente a licitação já estava ganha.

Em resumo, do quadro geral entre os interlocutores da região pudemos observar um “jogo de poder e de influência” e de relações de hegemonia e hierarquia entre os mesmos

e entre os municípios. Para a realização do diagnóstico econômico local e regional, compreensão das relações sociais e econômicas e identificação das vocações dos municípios, o trabalho teve como base o levantamento de dados secundários (relação das produções agropecuárias, valores de PIB, VA, IDHM, dentre outros) e o desdobramento destes valores para o entendimento das raízes e fatores indutores dos respectivos valores, e os levantamentos de dados primários que foram obtidos com entrevistas e eventos com os informantes. Dos dados numéricos, dos apontamentos dos interlocutores e das percepções e observações das consultoras, propusemos as oportunidades de negócio e os projetos estruturantes, bem como das cadeias produtivas a serem dinamizadas, de maneira a garantir que se tais sugestões de políticas públicas forem implementadas pelos municípios e o CIVAP, irão promover o desenvolvimento socioeconômico dos mesmos e da região.

As diretrizes de desenvolvimento não contaram apenas com as sugestões de atividades econômicas, mas também, de aperfeiçoamento da governança municipal e do CIVAP. Pudemos observar a falta de capacitação dos recursos humanos e da gestão pública o que impossibilita melhor níveis de desenvolvimento. Os cenários econômicos nos permitiram observar os efeitos positivos que as políticas públicas, caso implementadas, poderão promover, sendo que, além das medidas apresentadas anteriormente, o plano buscou propor a ampliação de formas de captação de investimentos, aproximando o empresariado, as prefeituras e o consórcio a instituições de fomento ao desenvolvimento, e da competitividade dos municípios e da região ao fortalecer atividades locacionais e alternativas ao agronegócio, como o turismo, corte e costura, piscicultura, produção de mandioca, gado, hortifruticultura e as respectivas transformações industriais dos produtos para aumentar o valor agregado na comercialização.

Apesar de as diretrizes em sua maioria não reforçar a principal tendência econômica da região, a cadeia produtiva do agronegócio, propor novos rumos econômicos não significou necessariamente o desenvolvimento socioeconômico e diminuição das disparidades locais, pois: (1) as propostas refletiram as relações de poder e hierarquia políticas e dos municípios locais de maior influência, favorecendo a permanência das relações interdependentes municipais dos aspectos econômicas, sociais e políticas; (2) as ações não garantiram a implementação dos mesmos, o que nos permite questionar se realmente, a curto, médio e longo prazo, este Plano poderá causa “independência econômica” e “ampliação dos horizontes” de atuação conforme a sugestão de Brandão (2007). Possivelmente, por melhores intenções que possam ter existido (se houveram), pelo caráter de ser apenas um estudo, prevalecerão no futuro as evidentes desigualdades socioeconômicas da sociedade e entre os

municípios, predominando os processos abarcados e hegemônicos do agronegócio, de maneira a favorecer o enriquecimento de poucos em detrimento da pobreza de muitos; e por fim, (3) a consultoria não criou uma relação de aprendizado com os interlocutores, de maneira que possibilite aos mesmos processos de reflexões e melhorias e busca de suas independências no momento de elaboração de suas políticas sem precisar novamente contratar trabalho externo.

Assim, as propostas de políticas públicas (oportunidades de negócio e projetos estruturantes) possuíram um caráter sugestivo, ou seja, a consultoria apenas teve que indicar quais eram as vocações e as possibilidades a serem desenvolvidas e não propôs a maneira como as ações deveram ser implementadas, sendo que as vocações municipais e regionais foram adquiridas também pelas noções dos nativos. Isto implica nas possibilidades futuras do consórcio vir a contratar novamente a consultoria para o andamento do plano, seja por real necessidade, seja por caráter “indutor” da consultoria. Por estarem em “aberto”, ainda existem muitas oportunidades de “exploração” do que ser sugerido e elaborado para promover o desenvolvimento da região.

A tarefa desempenhada ao longo deste capítulo de caracterização do CIVAP e da descrição de como se deram as atividades do Plano de Desenvolvimento Econômico Local e Regional dos municípios pertencentes ao Consórcio do Vale do Paranapanema possibilitam a compreensão e evidência de atitudes e valores desempenhados nas instituições envolvidas, neste caso o CIVAP e da consultoria Geo Brasilis, além das características que a política pública elaborada, o PDEVP, detém em seus aspectos constitutivos e de finalidade.

Desta forma, podemos observar que a problemática que permeia o processo descrito é a substituição do debate público para a elaboração de uma política pública de desenvolvimento regional elaborado pelo CIVAP (e neste processo consiste em convocar os mesmos atores descritos e utilizados ao longo do projeto para debater os problemas locais e regionais, sendo o CIVAP o mediador deste processo, resultando em um plano de desenvolvimento econômico elaborado pelos nativos da região), pela escolha por um trabalho técnico criado por uma empresa, que por sinal, nem pertence à região e não conhecia as questões e dificuldades da mesma. O que nos leva a questionar se a estratégia de “tecnificação” de políticas públicas evitou ao CIVAP expor suas problemáticas e ser criticado por suas ações, pois, ao afastar os atores os quais irão trabalhar e evidenciar os problemas e as dificuldades encontradas dos formadores de opinião e influência da região ou até dos políticos de partido da oposição, evita-se assim discorrer sobre os problemas ou até mesmo mantê-los como estão.