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ENTRE A RESERVA DO POSSÍVEL E A IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO DA CRIANÇA E

E O DIREITO FUNDAMENTAL À EDUCAÇÃO

5 ENTRE A RESERVA DO POSSÍVEL E A IMPLEMENTAÇÃO DA EDUCAÇÃO DA CRIANÇA E

DO ADOLESCENTE

Não há como negar o alto significado social e o enorme valor constitucional no qual se reveste os direitos da criança e do adolescente, especialmente o direito à educação por seu valor irrecusável no desenvolvimento da criança e a necessidade do Poder Público trazer políticas públicas para tornar real este direito mediante concreta efetivação, sob pena de descumprimento de preceito constitucional que, como demonstramos, tem valor axiológico consideravelmente superior.

A legislação brasileira declara que o direito à educação faz parte de um conjunto de direitos sociais, configurando-se um direito de todos e dever do estado. No entanto, há um longo caminho a ser percorrido para que todos, sem distinção, o exerçam plenamente e a necessidade da implementação do direito à educação de forma plena, sendo necessário, em diversos casos, que se recorra ao Poder Judiciário para se alcançar a possibilidade de efetivá-lo, conforme determinada a própria Constituição.

A partir da concepção da proteção integral da criança e do adolescente inaugurada pela Constituição Federal de 1988, o direito fundamental à educação infantil e juvenil

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traduz meta cuja não realização poderá ser qualificada como flagrante situação de inconstitucionalidade por omissão imputável ao Poder Público, reforçada pelo objetivo da educação também consagrada constitucionalmente.

Como defesa, quando acionado o judiciário para resolver conflitos relacionados à criança relacionados à educação, o Poder Público utiliza-se da ponderação relacionada à reserva do possível como meio de afastar uma obrigação que, como já expomos, tem prioridade absoluta.

O judiciário já posicionou por diversas vezes e o Supremo Tribunal Federal reconheceu, de maneira expressa, que o princípio constitucional da prioridade absoluta à criança e ao adolescente, previsto no artigo 227 da Constituição Federal e melhor explicitado pelo artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente estabelece um comando que vincula o administrador, que desta forma pode ser compelido, pela via judicial, a implementar as políticas e programas de atendimento necessários à plena efetivação dos direitos àqueles assegurados, não servindo de escusa a falta de recursos orçamentários para tanto.

Por ocasião das comemorações dos dezoito anos de promulgação da Lei nº 8.069/90, o Supremo Tribunal Federal, por intermédio de seu Presidente, Min. Gilmar Mendes, por ocasião do julgamento do Pedido de Suspensão

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de Liminar nº 235-0, de Tocantins, ocorrido em data de 08 de julho de 2008, reafirmou o entendimento de que, diante do princípio jurídico-constitucional da absoluta prioridade à criança e ao adolescente, não há que se falar em "discricionariedade", cabendo ao administrador apenas e tão- somente o integral cumprimento de seus deveres para com a população infanto-juvenil. No caso, em particular, foi reconhecido o dever do Estado de Tocantins em construir unidade própria destinada à internação de adolescentes no município de Araguaína, tendo sido rebatidos todos os argumentos apresentados pelo ente público, relativos à suposta ingerência do Judiciário na esfera de discricionariedade do administrador, bem como à falta de previsão orçamentária específica para construção da referida unidade de internação.

Em diversas ocasiões, também, tem o Supremo Tribunal Federal determinado que cabe ao Poder Público, em todas as esferas, cumprir suas obrigações expressamente relacionadas na Constituição Federal, notadamente a de garantir, a todas as crianças de zero a seis anos de idade, o acesso a creche e pré-escola, modalidades de educação infantil, não sendo admissível a alegação de falta de recursos para tanto:

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CRIANÇA DE ATÉ SEIS ANOS DE IDADE. ATENDIMENTO EM CRECHE E EM PRÉ-ESCOLA. EDUCAÇÃO INFANTIL. DIREITO ASSEGURADO

PELO PRÓPRIO TEXTO

CONSTITUCIONAL (CF, ART. 208, IV). COMPREENSÃO GLOBAL DO DIREITO CONSTITUCIONAL À EDUCAÇÃO. DEVER JURÍDICO CUJA EXECUÇÃO SE IMPÕE AO PODER PÚBLICO, NOTADAMENTE AO MUNICÍPIO (CF, ART. 211, § 2º). RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E PROVIDO. A educação infantil representa prerrogativa constitucional indisponível, que, deferida às crianças, a estas assegura, para efeito de seu desenvolvimento integral, e como primeira etapa do processo de educação básica, o atendimento em creche e o acesso à pré-escola (CF, art. 208, IV). – Essa prerrogativa jurídica, em - 273 -onsequência, impõe, ao Estado, por efeito da alta significação social de que se reveste a educação infantil, a obrigação constitucional de criar condições objetivas que possibilitem, de maneira concreta, em favor das “crianças de zero a seis anos de idade” (CF, art. 208, IV), o efetivo acesso e atendimento em creches e unidades de pré- escola, sob pena de configurar-se inaceitável omissão governamental, apta a frustrar, injustamente, por inércia, o integral adimplemento, pelo Poder Público, de prestação estatal que lhe impôs o próprio texto da Constituição Federal. – A educação infantil, por qualificar-se como direito fundamental de toda criança, não se expõe, em seu processo de concretização, a avaliações meramente discricionárias da Administração Pública, nem se subordina a razões de puro pragmatismo governamental. – Os Municípios – que atuarão, prioritariamente, no ensino fundamental e na educação infantil (CF, art. 211, § 2º) – não

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poderão demitir-se do mandato constitucional, juridicamente vinculante, que lhes foi outorgado pelo art. 208, IV, da Lei Fundamental da República, e que representa fator de limitação da discricionariedade político-administrativa dos entes municipais, cujas opções, tratando-se do atendimento das crianças em creche (CF, art. 208, IV), não podem ser exercidas de modo a comprometer, com apoio em juízo de simples conveniência ou de mera oportunidade, a eficácia desse direito básico de índole social. – Embora inquestionável que resida, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo, a prerrogativa de formular e executar políticas públicas, revela-se possível, no entanto, ao Poder Judiciário, ainda que em bases excepcionais, determinar, especialmente nas hipóteses de políticas públicas definidas pela própria Constituição, sejam estas implementadas, sempre que os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem em caráter mandatório, vierem a comprometer, com a sua omissão, a eficácia e a integridade de direitos sociais e culturais impregnados de estatura constitucional. A questão pertinente à “reserva do possível”(STF. RE n° 436996/SP. Rel. Min. Celso de Mello. J. em 26/10/2005. DJ 07/11/2005).

Não podemos nos distanciar da ideia de que, apesar do papel do Judiciário na educação ter se ampliado de forma expressiva, existe a necessidade de se discutir a utilização deste meio para a resolução de litígios envolvendo questões pedagógicas e educativas, pois esta instituição nem sempre será o mecanismo mais eficaz, devido ao despreparo dos seus

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membros para as dinâmicas envolvendo o cotidiano educacional.

6 CONCLUSÃO

A aplicação do princípio da reserva do possível tem se tornado uma tendência cuja aplicação vem se tornando cada vez mais constante para se justificar o sistema precário de cumprimento das políticas públicas que visem a assegurar os direitos sociais. No entanto, a reserva do possível não significa que o Estado poderá utilizar-se deste princípio para afastar toda e qualquer obrigação, principalmente quando relacionado ao atendimento de políticas públicas voltadas a crianças, especialmente tratadas quanto ao atendimento ao direito fundamental à educação.

O que o princípio da reserva do possível faz é buscar limitar a responsabilidade do Estado considerando-se as suas limitações financeiras estipuladas pelos próprios limites orgânicos e financeiros de que dispõe o Estado. Assim, portanto, pode-se concluir que no referido princípio prevalece a apreciação da realidade mediante a razoabilidade dos valores que estão em jogo na causa a ser julgada.

A aplicação da reserva do possível não traz regras absolutas, sendo necessária a análise das peculiaridades que

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envolverem o caso concreto. É óbvio que em determinados casos não poderá ser utilizado, e faz-se necessário afirmar que diante da princípio da prioridade absoluta da criança a reserva do possível somente poderá ser alegado se houverem valores maiores, como o direito à vida. Em outros casos, entretanto, há uma grande tendência que sua adoção seja ampliada, sobretudo, pelo estágio deficitário em que se encontraram as políticas públicas para a implementação dos direitos sociais.

Podemos observar que o princípio da reserva do possível não pode ser invocado para justificar a irresponsabilidade do Estado. Sua aplicação visa dirimir a responsabilização estatal quando está em jogo a concretização de dois ou mais direitos, mensurando seus valores jurídicos, em observância à limitação do Estado orgânica e financeiramente, impedindo, em certos casos, a utilização da discricionariedade vinculando a opção estatal em observância a valores constitucionais.

A insistência do Estado em não prover os direitos fundamentais prestacionais de crianças e adolescentes, quando deveria fazê-lo com absoluta prioridade, viola o princípio da dignidade da pessoa humana sendo necessária a intervenção judicial.

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O direito fundamental à educação e os princípios constitucionais da proteção integral e da prioridade absoluta tem força que exige que invocação da cláusula da reserva do possível não seja oponível quando se referir a ações que busquem implementar direitos fundamentais prestacionais para atendimento às crianças e adolescente.

REFERÊNCIAS

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princípios constitucionais: o princípio da dignidade da pessoa humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

BITENCOURT, Caroline Muller. A reserva do possível no

contexto da realidade constitucional brasileira e sua aplicabilidade. A&C - Revista de Direito Administrativo e

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BARROSO, Luís Roberto. Curso de direito constitucional

contemporâneo: os conceitos fundamentais e a construção

do novo modelo. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

BOBBIO, Norberto, A era dos direitos. Tradução Carlos Nelson Coutinho. Rio de Janeiro: Elsevier, 2004.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República

Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Ministério Público do Paraná. CAOPCAE Área da Criança e do Adolescente Disponível em:

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<http://www.crianca.mppr.mp.br/modules/conteudo/conteud o.php?conteudo=1262>. Acesso em 21 ago. 2017

BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. ARE