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ENTREVISTA A TEOLINDA GERSÃO

23.Fevereiro.2005

1. Com que ideia ficou dos jovens com quem trabalhou?

O grupo era bastante heterogéneo; havia pessoas que tinham um desenvolvimento cultural e literário maior que outras… mas de um modo geral eles interessaram-se, leram e mostraram-se receptivos a comentar textos… inclusivamente falámos também de outros autores, falávamos em cada sessão também sempre um bocadinho de poesia, uma vez que isto era centrado sobre ficcionistas, mas falámos também de poesia… e eu sugeri numa das vezes que quem quisesse escrevesse uma qua- dra e ou um pequeno poema, outras vezes pedi que escrevessem opiniões sobre os livros que está- vamos a comentar e eles saíram-se bem. Escreveram coisas muito interessantes.

2. Nas metodologias que propôs aos alunos para abordagem às obras escolhidas e destas quais resultaram ou não e porquê?

Olhe, eu propus-lhes sempre que… fôssemos ver o que era o essencial do livro. Quem contava a… a história, portanto, quem era o narrador, como é que o autor tinha construído o livro… ehh, por exemplo, aqui no caso do Jorge Amado … ele vai buscar ao narrador, que é omnisciente, mas vai também buscar a recortes de jornais e artigos de jornais, portanto, ele vai buscar outras estratégias para narrar e falámos sempre deste aspecto formal, e ao mesmo tempo que falávamos também do conteúdo do livro… do aspecto sociológico do livro, do que é que o livro nos transmite ainda hoje… quais são os pontos chave… ehh… o que é que isso tem a ver com a nossa realidade… enfim, falá- mos sempre um pouco nesse contexto.

E resultou?

E resultou, sim, sim. Eles normalmente interessam-se também pela literatura, o que é, o que é muito saudável… e acho que é muito positivo na medida em que ela está viva e tem a ver com a nossa realidade de hoje. E a grande literatura têm-no sempre.

3. De que forma influiu nos hábitos e práticas de leitura destes participantes?

Isso eu não posso ajuizar (risos) … Eu espero, isto é, tenho esperança de que eles se sintam mais interessados pela literatura, mais motivados para ir ler outros textos… outros autores…ehhh, espero que este contacto, e esta troca, esta partilha de… de ideias tenha… os tenha incentivado, mas não faço ideia de como é que eles vão evoluir no futuro, nem o que é que vai acontecer. Eh, eh, eh… tenho esperança que tenha sido positivo.

4.Como pensa que os jovens encararam a sua participação como dinamizadora?

Eu penso que eles foram muito receptivos e eu gostei de conversar com eles… eles foram muito abertos também… falámos sempre sem preconceitos. Não havia a noção de certo e errado, cada um ia dizendo o que lhe parecia e depois víamos todos se estaria… humm, mais adequado encarar o livro desta perspectiva ou daquela, mas cada um foi sempre dizendo o que lhe parecia… em inteira liberdade e num ambiente descontraído. Isto não era uma aula, portanto eu não estava a dar notas a ninguém, não havia qualquer constrangimento, portanto cada um estava como, como queria e quan- do queria. Não houve qualquer tipo de constrangimento, portanto havia inteira liberdade.

Eu penso que justamente o interesse deste tipo de coisas é que é um ambiente fora da aula, portanto não é um ambiente em que há algum condicionalismo. Numa aula as pessoas estão sempre a ser avaliadas, ou têm receio de estar, não é? Aqui não, não há notas, não há exames, não há juízos de valor… há um ambiente muito, muito mais à vontade. É uma tertúlia e eu acho que isso faz falta. Hoje em dia as pessoas têm uma vida tão afadigada e tão preenchida que não há lugar para tertú- lias… e acho que elas fazem falta, e isto é uma tertúlia de algum modo. Se calhar para muitos deles seria a primeira da vida e acho que é interessante preencher esse espaço.

5. Como avalia os efeitos deste projecto?

Eu acho que é sempre muito bom que as bibliotecas chamem mais leitores, não é? E façam este tipo de projectos porque é um contacto entre a biblioteca e o público; entre… em que vamos ao encontro das pessoas, em que os livros não estão aqui parados à espera que as pessoas venham de algum modo aqui; são os livros, através dos animadores dos grupos de leitura, que vão ter com as pessoas. Porque os livros são propostos, poderiam ser estes ou outros… aqui eles também tiveram interven- ção, a escolha em parte foi deles, a partir de um determinado leque. E acho que é uma maneira de eles se sentirem mais activos. Não apenas como receptores passivos de uma determinada mensa- gem, mas como pessoas que são participantes, que têm uma palavra a dizer, que têm uma escolha, que vêm discutir, que vêm por vezes até discordar, podem gostar mais ou menos… de uns livros, e interessar-se mais ou menos por alguns autores. E eles próprios é que hierarquizam os que gosta- ram mais e explicam porquê, portanto eles têm aqui também uma escolha a fazer e têm uma voz activa para expressar e isso é muito importante para eles, sentem-se… sentem que também este é um espaço de liberdade, de escolha, de afirmação… eles também estão numa idade que gostam de se afirmar, e também através da leitura e dos gostos pessoais e das escolhas que fazem, mas estão a afirmar e eu acho que isso também é importante para eles.

Não sei se quer acrescentar mais alguma coisa?

Não, acho que o essencial é isto.

Off de record

Agora, só para nós… O livro do Germano, eu acho que eles tinham visto apenas a ficha de leitura e acho que as professoras também não o teriam lido, porque penso que se tivessem… eu também não o tinha lido, tinha lido outros livros do Germano, mas este não. E penso que se as pessoas que pro- puseram os livros os tivessem lido e não apenas a ficha de leitura, acho que não teriam escolhido este, porque é um livro muito erótico, com imensas cenas explícitas de sexo e então houve aqui um… (risos)… certo mal estar… (risos)… porque eu mandava ler algumas partes e depois eu própria dizia: - Bem, agora saltamos… porque vocês já leram em casa. (risos) E elas estavam com um certo pudor de ler em voz alta algumas passagens que eram de facto muito explícitas… e depois o facto também de haver rapazes e raparigas… os quais estavam em minoria, mas havia, houve um certo… mal estar…

Uma tensão?

Uma certa tensão nessa sessão em que por outro lado nos rimos imenso e eu dizia: - Bem, agora saltamos… (risos). E depois eles contavam que tinham gostado muito de ler porque não conseguiam parar de ler… porque, por outro lado, o lado erótico também lhes interessou… obviamente, não é?

Claro…

Mas para falar em público talvez eu tivesse escolhido outro livro do Germano. Aliás, foi engraçado porque eu pedi-lhes para escreverem o que achavam do livro e eles escreveram coisas engraçadas; alguns escreveram uma carta ao Germano e eu depois mandei por e-mail ao Germano, porque eu o conheço bem, mandei-lhe as opiniões e ele disse: - O quê? Miúdos de 15 … entre 15 e 16 anos a lerem uma coisa destas? (Risos)

A lerem isto? (Risos)

E ele próprio se admirou e…

Mas foi uma professora que sugeriu…

Mas ela não devia ter lido o livro, (mas ela leu) devia ter lido a ficha de leitura…

Não, não… ela leu e fez a ficha de leitura.

Foi? Eu acho que para uma leitura assim… partilhada…

Mas pronto, se calhar é muito… sexo…

Talvez não fosse o mais indicado… eles pelo menos não se sentiram bem

Mas eles… a minha opinião é que eles são um bocadinho mais conservadores do que nós…

Talvez, talvez…

Porque estão naquela idade em que…

Acredito que a lerem sozinhos, eles gostariam de ler sozinhos, mas depois vir para aqui…

Era difícil achar uma página em que não houvesse… aquilo é um velório com um morto em que apa- recem todas as mulheres da vida dele e onde ele conta o que se passou com cada uma… (risos), mas conta de uma maneira um bocado crua e um bocado directa…

Explícita?

E com muito humor, mas muito… explícita. Completamente explícita, aliás… e depois elas diziam que riam imenso e que iam para a cama e se riam à gargalhada

(risos)

E que não acabavam de ler… foi divertido, ao mesmo tempo, mas se calhar tinha escolhido outro livro do Germano, p’r’ aí O Testamento do Senhor Napumuceno, ou outro qualquer, mas não este… mas foi engraçado, por outro lado. E também não obriguei ninguém a ler aqui … as… as cenas…

Claro, claro

Mas pronto, foi engraçado.

Está bem… obrigada,

De nada…

ANEXO 1 d