• Nenhum resultado encontrado

2. Propostas de leitura: estratégias de aproximação à leitura

2.1. Leitores e prescritores de leitura

Os textos à luz dos quais iremos reflectir sobre esta matéria são os seguintes: A

experiência de ler, de C. S. Lewis21

; a parte 2 do livro La formación del lector literário: narra-

tiva infantil e juvenil actual, de Teresa Colomer22

, e mais especificamente a secção “Delimi- tación de las pautas de análisis”; e o artigo que faz parte de um extenso dossier dedicado aos jovens pela revista Bulletin des Bibliothèques de France, “La littérature de jeunesse et les adolescents: évolution et tendances”, de Joelle Turin23

Estes três autores abordam, sobre perspectivas diferentes, questões comuns. De facto, se C. S. Lewis se refere ao leitor numa perspectiva abrangente, propondo uma cate- gorização de leitores pelo tipo de leitura exercida, as outras duas autoras partem dos textos para definir o tipo de leitores aos quais estes textos se destinam. Não obstante, existem

.

21

LEWIS, C. S. – A experiência de ler. Porto: Porto Editora, 2000; 22

COLOMER, Teresa – La formación del lector literário: narrativa infantil e juvenil actual. Madrid: Fundacion Germán Sanchez Ruipérez, 1998;

23

TURIN, Joelle – “La literature de jeunesse et les adolescents: évolucion et tendances“ in Bulletin de Biblio-

pontes entre estas três propostas de observação da recepção da leitura que gostaríamos de evidenciar.

C. S. Lewis, enquanto grande leitor, baseia a sua abordagem numa prática reflectida sobre a leitura. Daí que a experiência de ler seja estrutural a toda a sua tese. De facto, não só se refere aos livros lidos, com inúmeras citações, como relata os efeitos da leitura na sua própria pessoa, extrapolando para uma visão abrangente relativa aos sentimentos sobre a leitura em geral e sobre o uso que os leitores fazem dos textos.

Quanto a Teresa Colomer, embora se dedique a faixas etárias distintas das que serão o nosso campo de investigação, pois refere a literatura infanto-juvenil que é base da sua observação como correspondendo às idades delimitadas entre os 5 e os 15 anos, veremos que existem convergências e sobreposições com as propostas de leitura apresen- tadas para estes jovens do ensino secundário (mais precisamente indicadas para jovens entre os 16 e os 18 anos).

Esta autora reflecte sobre a incontornável influência da concepção social da criança e do jovem na produção literária para estes destinatários. De facto, afirma mesmo que as mudanças sociais operadas pela consciência que as “pedo-ciências” trouxeram foram res- ponsáveis pelas mudanças produzidas nos textos destinados às crianças e jovens, visivel- mente observáveis durante os últimos 50 anos. Estas observações introduzem o que, no nosso entender, é a questão fulcral levantada pela autora:

“La visión de la infância como un tiempo de aprendizaje es uno de los elementos básicos para la emer- gencia de un sistema educativo progresivamente generalizado a toda la población y ampliado en el período de edad que debe abarcar. (…) Este proceso há conllevado una enorme ampliación del público lector y, por consiguinte, el crecimiento del público potencial del libro infantil que ya incluye la primera infância y los adolescentes (…)” 24

O que é aqui evidenciado é que a influência do ensino obrigatório em particular, e do sistema de ensino, em geral, é determinante na produção editorial infanto-juvenil. Isto é, quanto mais jovens existem no sistema escolar obrigatório, maior será um potencial público- alvo para os editores. Não obstante, teremos de analisar esta questão mais profundamente, quando nos debruçarmos sobre a ideia que têm os prescritores de leitura sobre estes mes- mos jovens em geral e sobre os jovens para quem destinaram as suas propostas em parti- cular.

Refira-se que a área de trabalho de Joelle Turin, autora do artigo “La littérature de jeunesse et les adolescents: évolution et tendances”, publicado no Bulletin des Bibliothè-

ques de France, é precisamente a edição de livros para jovens, o que faz com que tenha

24

uma visão do conjunto da edição dirigida a este grupo alvo, em termos de editoras e colec- ções do que é produzido em França. Do seu ponto de vista existem, na actualidade, essen- cialmente três categorias de livros ditos para jovens.

Uma primeira, chamada romance espelho, onde a narrativa assenta sobretudo na temática da vivência de um ou mais jovens e que segue um modelo de acção mais ou menos padronizado. A estrutura do romance não apresenta dificuldades porquanto o seu objectivo é apenas reflectir (como num espelho) situações em que o jovem leitor se reco- nheça. A este propósito, C.S. Lewis refere, salvaguardando as conotações que daí adve- nham, que será um modo de usar a literatura. De facto, esta instrumentalização que o leitor faz é um modo de ler que certos romances proporcionam melhor que outros. Servirão pois para “me conhecer” (me ver ao espelho através de uma personagem), para conhecer o outro, para conhecer o mundo.

Uma segunda tipologia de leitura para jovens estaria condicionada a outros parâme- tros e teria outros objectivos. Aqui os conteúdos temáticos seriam não somente uma foto- grafia da realidade ficcionada, mas já uma viagem, um caminho iniciático de experiências que levariam o jovem à descoberta em si de um ser adulto. Estas narrativas são denomina- das pela autora de romance iniciático. Habitualmente o herói do romance começa por ser uma personagem plana que se vai modelando pelas experiências por que passa. Estas leituras avançam em dificuldade pois habitualmente surgem de forma inerente à narrativa ambiguidades em questões que inquietam o jovem leitor, como a culpa ou o perdão, a res- ponsabilidade, a inocência, enfim, tudo o que se possa dizer circunstancial e que, por tal aspecto, não seja passível de um julgamento ou classificação linear.

Numa terceira categoria a autora coloca todos os outros livros, que apelida de inclassificáveis e que retratam “o paroxismo da alma humana”, apelando a um outro nível de entendimento. O leitor frui a narrativa de forma diferente. Ao contrário do uso, existe antes uma recepção estética, no dizer de C.S. Lewis:

“Uma forma de arte (não importa qual) tanto pode ser recebida como usada. Quando a recebemos, exercemos os nossos sentidos e imaginação, bem como vários outros poderes, de acordo com um padrão inventado pelo artista. Quando a usamos, tratamo-la como um auxílio para as nossas próprias actividades.” 25

Ora, quando observamos os prescritores das leituras do projecto «Passa a Palavra», o que se destaca é precisamente o seu papel enquanto leitores. Isto é, as recomendações feitas devem-se à leitura experimentada e ao consequente desejo de a partilhar, de tornar comum essa experiência. Daí que o seu papel de mediadores de leitura passe necessaria-

25

mente por serem leitores, o que no caso significa muitas vezes leituras de obras já valida- das pela crítica literária e que, desse ponto de vista, não colocam numa posição sensível o seu papel de professor.