• Nenhum resultado encontrado

3. Actores e interacções: a experiência da leitura partilhada

3.2. Os adultos envolvidos

3.2.4. O dinamizador: um interventor

Quando nos debruçamos no papel do dinamizador, encontramos algumas dificulda- des, pois não existem muitos estudos aprofundados sobre esta matéria específica. Aliás, o dinamizador coincide muitas vezes com a figura do bibliotecário, quando falamos em grupos de leitura. Mais recentemente já é usual o convite a figuras públicas para que desempe- nhem este papel. Jornalistas, escritores, artistas ou outras personalidades públicas são uma forma de atrair pessoas para as actividades de uma biblioteca. Dessa forma dá-se visibili- dade às iniciativas e obtém-se previsivelmente uma maior adesão.

No projecto «Passa a Palavra», como já referimos, foi essa a nossa intenção ao con- tactarmos com escritores e jornalistas habituados a lidar com a leitura. Contudo, conside- ramos que dadas as circunstâncias não poderiam ter sido melhores. Cada um dos dinami- zadores, com o seu estilo de liderança diferente cumpriu com os objectivos propostos, ape- sar de nem todos corresponderem a algumas recomendações de como deverão ser os orientadores de grupos de leitura juvenis, nomeadamente aquela discutida por Pep Bruno, um profissional das bibliotecas que desempenha este papel há alguns anos:

“La idea de Blanca [Calvo] al respecto es que para los clubes de lectura es bueno que el coordinador sea alguien que tenga gancho con los jóvenes. Es verdad, eso parece un punto a favor, pêro yo trataria de quitar un poço de peso a esa afirmación. Es cierto que si eliges un coordinador incapaz, negado para trabajar con jóvenes (que no entiende, que no conecta, que no comprende, que no tiene interés...) estás poniendo trabas a tu propio trabajo, así las cosas, salvo en ese caso extremo, para mí la cuestión no es tanto enganchar o conectar con los jóvenes: sí creo que es importante que el coordinador sepa

55

cuanto más mejor sobre cómo es el colectivo de jóvenes (centros de interés, situación, etc.) pero no tanto que sea alguien con gancho, el gancho para atraer a los jóvenes a un club de lectura pueden ser muchas otras cosas (actividades puntuales como sesiones de cuentos, talleres de escitura, recitales de cantautores, cineforum...), y después, un coordinador con interés y ganas, emocionado con los libros y los jóvenes, con una buena selección de lecturas detrás, con los ojos y las orejas bien abiertos, seguro que puede hacer una estupenta labor.”56

Como vimos, existem características que são valorizadas para os orientadores de grupos de leitura: o pulso para lidar com jovens, a ligação que estabelece, a vontade e inte- resse pela leitura, a emoção que transparece e a abertura de espírito. Com base nas entre- vistas não é possível aferir estas características, uma vez que a pergunta sobre estas características foi: “Como pensa que os jovens encararam a sua participação como dinami- zador?” A resposta de todos os dinamizadores foi uma ilustração da sua actuação com exemplos do que fizeram ou remeteram essa imagem para as atitudes dos jovens para consigo. À excepção de Joel Neto, houve uma fuga a uma auto-caracterização mais objec- tiva. Este dinamizador optou por uma aproximação aos jovens no estilo de abordagem, na atitude e nas opções metodológicas. Digamos que quis ser um jovem, propondo um mundo à parte em que as leituras seriam exclusivas dos jovens, sem a presença de adultos. No entanto, como ele próprio constata, se as propostas metodológicas resultaram, a atitude descomprometida tem as suas limitações e acaba por não resistir ao tempo. Nas suas pala- vras:

“Eu acho que… eu fiz o papel do gajo porreiro. Vesti a farpela do tipo porreiro, que dizia piadas e … e os tratava de igual para igual, e que os desafiava. Isto é uma fórmula que eu acho que funciona durante algum tempo, mas não durante todo o tempo. Tendo em conta que houve seis sessões, aliás cinco, porque a última até acabou por não se realizar, eu acho que na… no… se eu tiver sido um bom actor, devo ter passado pelo menos por um gajo porreiro.”

Outra abordagem, também ela de proximidade, foi a de Alexandre Borges. Este par- tilhou verdadeiramente as suas leituras, abrindo pistas para além das sessões de leitura, com sugestões suas de livros e de filmes. Além disso, o facto de terem desistido grande parte dos alunos que constituíam o seu grupo, fez com que a confiança mútua com aqueles que ficaram fosse maior, como podemos verificar no seu testemunho:

“(risos) Gostaria de pensar que encararam muito bem. (…) acho que houve uma boa relação, acho que houve uma relação de alguma confiança com as pessoas que ficaram até ao fim. E que mesmo depois de terminarem aquelas, aquelas sessões, continuaram a escrever e-mails e a dizer o que é que iam fazer para a faculdade, a que é que iam concorrer, o que é que iam fazer, o que é que andavam a ler, e (…) acho que isso foi interessante. (…) portanto também, eu penso que as pessoas que ficaram sem- pre até ao fim, foram, enfim, aquelas que (…) também foram ganhando essa relação de confiança comigo. Não sei, penso que viram bem, não tive problemas com ninguém, pelo contrário, normalmente

56

BRUNO, Pep – “Jóvenes que bailan com libros” in Pêro, qué leen los adolescentes?: 12as Jornadas de biblio-

até ficávamos a falar no fim… eh e no intervalo que normalmente fazíamos… falávamos sobre outras coisas, e sobretudo gostei que tivessem essa confiança para falarmos sobre o futuro em geral, sobre o futuro deles, estes mais velhinhos sobretudo, que estão já naquela fase absolutamente decisiva, não é, de perceber o que é que vão fazer da vida deles e o que é que, que curso é que vão tirar, para que faculdade é que vão, ou se sequer vale a pena tirar um curso ainda. Lembro-me duma aluna, a quem eu desejo as maiores felicidades, que creio acabou por decidir tirar História porque eu lhe…porque tal- vez um pouco por influência minha, porque era o que ela queria mesmo tirar. Os pais não queriam de todo. Porque o curso de História é uma daquelas coisas que está há vinte anos condenado… ao desemprego. E eu fui-lhe dizendo ao longo das várias sessões que, se é por aí, estão todos condena- dos, quer dizer, não há nenhum oásis agora. Portanto, o princípio para ser-se… o princípio para se ter um emprego e um futuro, é ser-se bom naquilo que se faz, e o grande princípio para se ser bom naquilo que se faz é que nós gostemos de o fazer, portanto, mais vale irmos já tirarmos aquilo de que gosta- mos, provavelmente somos bons nisso, e se somos bons, de certeza que vamos encontrar algum lugar, pronto. E na última sessão ela apareceu a dizer que sempre tinha decidido ir para História, pronto. E que corra tudo bem. E que os pais (risos) já me tenham perdoado. “

Relativamente à dinamizadora Teolinda Gersão, houve uma outra postura. Talvez pelo facto de ser professora universitária os alunos tenham sentido uma certa postura aca- démica que, não obstante, foi contrariada pela própria. Se bem que criticada por alguns dos alunos, outros houve que gostaram dessa abordagem e em termos de assiduidade foi um dos grupos que melhor resultou. Fruto da postura da dinamizadora?

“Eu penso que eles foram muito receptivos e eu gostei de conversar com eles… eles foram muito aber- tos também… falámos sempre sem preconceitos. Não havia a noção de certo e errado, cada um ia dizendo o que lhe parecia e depois víamos todos se estaria… hum, mais adequado encarar o livro des- ta perspectiva ou daquela, mas cada um foi sempre dizendo o que lhe parecia… em inteira liberdade e num ambiente descontraído. Isto não era uma aula, portanto eu não estava a dar notas a ninguém, não havia qualquer constrangimento, portanto cada um estava como, como queria e quando queria. Não houve qualquer tipo de constrangimento, portanto havia inteira liberdade.”

Esta postura pouco exigente originou uma interpretação diferente da professora de uma das escolas envolvidas que caracterizou desta forma as sessões orientadas por esta dinamizadora:

“E disseram que aquilo parecia as aulas de português de antigamente… Porque… pronto, iam para ali, e depois iam falar da obra. Era lido um poemazinho ou outro que tivesse a ver com a obra… Não lhes era pedido (…) um trabalho (…), era apenas de intervenção espontânea e sem… sem que houvesse um apelo à criatividade dos miúdos, percebes? Eu senti muito a falta disso.”

No entanto, os alunos da outra escola participante deste grupo de leitura gostaram desta mesma forma de estar, embora, por terem igualmente participado no último grupo, orientado pela dinamizadora Cristina Norton, tivessem preferido as estratégias adoptadas por esta última:

“A presença dos alunos e o que os alunos gostaram de uma e de outra autora, mais de uma que de outra, porque acharam mais engraçado, mas gostando sempre da primeira que era bem distinta. E os

outros alunos da outra escola se tivessem manifestado com alguma ruptura inclusive até com a outra autora, portanto, mas vieram até ao fim. Penso que isso foi, foi muito interessante para eles.”

A dinamizadora Cristina Norton refere, para caracterizar o seu trabalho de orienta- ção, as opções pedagógicas que tomou:

“Como dizer… eu os vi [sic] sempre muito contentes, muito participativos, bem dispostos… penso que para eles tudo o que nós fizemos aqui foi uma novidade. Eu quis fugir um bocadinho à norma de falar de literatura tem que ser uma coisa séria, pesada, douta e até, por vezes, aborrecida. Então eu não quis falar dos autores do ponto de vista da construção literária, ou da crítica literária propriamente dita. Não. Eu tentei que houvesse um total à vontade deles, até para dizer quando não gostava de um autor ou não gostava de uma frase, ou achava excessivo isto ou, ao contrário, pecava por falta de qualquer coisa no livro. Eu quis que o livro para eles não fosse uma coisa… quase sagrada, não é. Não, o livro é uma coisa que tem que ser praticamente o objecto nosso de cada dia, que está mais em contacto con- nosco para o qual nós temos que sentir ou ternura… ou até desprezo, porque não, se não gostamos do livro, não é. Desmistificar [sic] um bocadinho o livro como qualquer coisa de eh… de intocável, como acontece muitas vezes.”

Interessa agora observar a percepção que tiveram os alunos inquiridos dos dinami- zadores. Lembremos que não foram distribuídos quaisquer inquéritos aos alunos participan- tes no grupo orientado por Alexandre Borges, razão pela qual não temos a opinião expressa pelos alunos sobre este dinamizador. Atente-se então no quadro seguinte:

Quadro 23

Questionário aos Participantes do Projecto «Passa a Palavra» Respostas à Questão 9

Como caracterizas o dinamizador das sessões?

Jo el N et o C ri s ti na N or ton Te ol inda G e rs ã o

Deu pouca orientação e deixou que o grupo ficasse um pouco «à solta» 0 0 1 Apesar de ser flexível encontrou formas de nos levar a fazer coisas 2 4 2

Equilibrou a leitura em conjunto com exercícios apelativos à nossa individualidade 6 8 1 Apesar de manter uma orientação firme deixou que participássemos livremente 4 7 1

Foi muito «professor» e não dava muito espaço para a expressão individual 0 0 5

Observamos aqui o resultado dos estilos de orientação diferentes que já emergiam nos comentários dos próprios sobre a sua acção. Não tanto entre Cristina Norton e Joel Neto, cujas percentagens das respostas são bastante semelhantes, mas sobretudo entre estes e Teolinda Gersão. Consideramos que, apesar de características diferentes, todos cumpriram com bons resultados os objectivos que lhes foram propostos. Pensamos que isso se deveu a características comuns que se relacionam com a capacidade de comunica- ção e a apetência pela leitura e pela escrita.

Uma característica que consideramos muito importante, não só para os dinamizado- res mas para qualquer promotor da leitura, prende-se com o gosto pelos livros. Esse gosto, aliado à sua expressão naturalmente estusiástica trazem maior confiança ao grupo e permi- tem aumentar o seu desempenho. Devemos estar cientes de que estas características nem sempre são demonstradas pelos dinamizadores. Tal pode ser colmatado com a conscien- cialização da sua importância, o que poderá ser feito através de uma formação formal (ine- xistente no nosso país) ou informal, por exemplo, através de conversas entre os técnicos da biblioteca e os próprios dinamizadores. Refiram-se a este propósito algumas palavras de Claire Scothren:

“Reading groups want leaders who are enthusiastic, and therefore, library managers should, arguably, employ staffs who possess a passion for books.”57

Por outro lado:

“The leader’s role emerged as a key contributor to a group’s “success”. Leadership encompasses every- thing from the organization of the group, to facilitating group discussions. However, it is crucial that inte- gral to this leadership role is commitment and enthusiasm towards the reading group and its continued success. It is an enthusiastic leader who will also inspire and enthuse the group members. While this leadership role is vital to a group, it is not rigid leadership that is required. It is a leader who achieves a balance. They create the environment for sharing to occur and may instigate the discussion, but they recognise that the sharing will come naturally from the reading members.”58

Em síntese, podemos considerar que as características mais significativas para um dinamizador de um grupo de leitura juvenil são a sensibilidade e gosto pela leitura, a capa- cidade de adequação ao grupo, a liderança e o entusiasmo com que conduz a descoberta dos jovens pelos livros.

57

SCOTHERN, Claire – What makes a successful public library reading group? How good practice can be cre-

ated and sustained. Sheffield: University of Sheffield, 2000 (texto policopiado), p. 57

58