• Nenhum resultado encontrado

Mapa 3 Localização da microrregião Guanambi na mesorregião Centro-Sul Baiana

4.3 Trilhas metodológicas

4.3.3 A entrevista

A escolha da entrevista semiestruturada pareceu bastante adequada, por se considerar o seu caráter flexível e de liberdade, quando aplicada tanto individualmente, quanto em grupo. Gaskell (2002, p. 64) considera a entrevista semiestruturada como pesquisa qualitativa que pode ser em profundidade, com um único respondente, ou com um grupo de respondentes, que ele denomina grupo focal.

Em complementação ao questionário, aos grupos focais e à observação, a entrevista semiestruturada (APÊNDICES, D e E) foi realizada com os seguintes interlocutores da pesquisa: Famílias dos/das jovens, poder público municipal (Secretário da Educação, da Ação Social e da Agricultura), Escola (direção e coordenação pedagógica), FETAG (polo de Guanambi) e Presidente da associação dos assentamentos, que também são pais dos/das jovens entrevistados/as.

A escolha dos interlocutores complementares elencados acima está atrelada aos objetivos da pesquisa no sentido de buscar desvelar a visão deles sobre os/as jovens das comunidades investigadas; essa visão subsidiou relevantemente a compreensão do processo de constituição social dos/das jovens dos assentamentos Marrecas e Nova Esperança.

No que tange às entrevistas com os familiares (pai e mãe), foram realizadas num total de 21 entrevistas no período de 24/09 a 21/10/2013, conforme tabela 4 a seguir. Todas foram realizadas em suas casas, à medida que o pesquisador ia encontrando o pai, ou a mãe em casa. Vale ressaltar que, no momento da realização dos grupos focais, pedi que os/as jovens avisassem as suas famílias de que eu iria procurá-las para conversar sobre a pesquisa. Além disso, no Assentamento Nova Esperança, antes de visitar as famílias, participei de uma reunião da associação do referido assentamento em que me apresentei à comunidade, falei quem eu era, o que fazia, expus a minha intenção em desenvolver uma pesquisa envolvendo os/as jovens, saber quais os seus projetos de futuro, sua relação com o campo. Expliquei também que, além dos/das jovens, eu tinha escolhido as suas famílias para fazerem parte da pesquisa, portanto gostaria de visitá-las, caso não houvesse nenhum impedimento.

Esse primeiro contato com as famílias do assentamento Nova Esperança foi bastante interativo. Assim que terminei a explanação sobre as questões referentes à pesquisa, muitas pessoas se direcionaram a mim para saber da minha família, notícia de parentes e amigos que moram na comunidade rural em que minha família vive. Criou-se ali um espaço de construção de diálogos, de conhecimento, de significados, de recordações, de troca de informações. Criou-se uma ambiência para o desenvolvimento da atividade de pesquisa.

No entendimento de Szymanski,

a intencionalidade do pesquisador vai além da mera busca de informações; pretende criar uma situação de confiabilidade para que o entrevistado se abra. Deseja instaurar credibilidade e quer que o interlocutor colabore, trazendo dados relevantes para seu trabalho. A concordância do entrevistado em colaborar na pesquisa já denota sua intencionalidade – pelo menos a de ser ouvido e considerado verdadeiro no que diz -, o que caracteriza o caráter ativo de sua participação, levando-se em conta que também ele desenvolve atitudes de modo a influenciar o entrevistador (SZYMANSKI, 2004, p. 12).

O entrevistador quer conhecer algo, desvelar, trazer à tona, portanto a construção de uma relação de confiabilidade é de suma importância para o bom desempenho do processo criativo da investigação. Essa foi a intenção do pesquisador naquele momento.

Dessa forma, no período de incursão no universo da pesquisa, procurei não ser invasivo, não ultrapassar os limites da confiança dada pelos interlocutores da investigação. Visitei as famílias nos turnos matutino, vespertino e eventualmente à noite, com mais frequência no

turno da manhã, em razão do forte calor que fazia no período da coleta de dados. Quase sempre, aproveitei o período da tarde para fazer o registro das observações, do visto, do não visto, do ouvido no cotidiano dos assentamentos, e também registrar as reflexões no caderno de campo.

Uma questão que percebi no processo de realização das entrevistas é que as mulheres (mães) dos assentamentos quase não fazem o trabalho da roça. Em sua maioria, elas costumam ficar por conta das atribuições do lar, do trabalho doméstico, essa foi uma realidade observada nos dois assentamentos lócus desta investigação. Daí a razão do número expressivo de mães entrevistadas em relação aos pais, como pode ser observado na tabela a seguir.

Tabela 4 - Nº de famílias entrevistadas por assentamento e divisão por membro da família Assentamento Nº de família/mãe entrevistada Nº de família/pai entrevistado Nº de família/pai e mãe entrevistados Total de famílias entrevistadas Marrecas 8 4 1 13 Nova Esperança 8 - - 8 Total de entrevistas 16 4 1 21

Fonte: Elaborada pelo autor.

Outra questão que me chamou a atenção na incursão nos lares dos familiares no momento da realização das entrevistas foi a presença marcante da televisão. Quando chegava às casas dos/das jovens para a realização das entrevistas, esse aparelho estava sempre ligado nas novelas ou em outro programa. Certamente, o ato da entrevista figurou como interrupção do entretenimento dessas famílias. A voz da televisão foi figura marcante durante as entrevistas com as famílias dos/das jovens, o que me levou a acreditar que a televisão é uma das estratégias de preenchimento do tempo livre dos/das jovens e familiares, principalmente das mulheres no contexto dos assentamentos investigados.

Durante as entrevistas com as famílias dos/das jovens, foi possível conhecer melhor a realidade de cada jovem. Esse foi um momento marcante da investigação, desvelar o olhar da família sobre os/as filhos/as, os projetos de futuro em relação a eles/as. Os dados coletados

por meio das entrevistas serviram também para conhecer as contradições que permeiam a realidade dos/das jovens, como estes/as lidam com essas contradições. No entendimento de Cury (2000, p.30), “a realidade no seu todo subjetivo-objetivo é dialética e contraditória (....) a contradição sempre expressa uma relação de conflito no devir do real.”

Em relação às entrevistas com o poder público dos municípios de Palmas de Monte Alto e Malhada, onde se localizam os assentamentos lócus da pesquisa, foram realizadas três (3) entrevistas, distribuídas da seguinte forma: representante das Secretarias da Educação e de Ação Social (Malhada) e representante da Secretaria da Agricultura (Palmas de Monte Alto). É importante registrar que algumas tentativas de agendamento de entrevistas foram esboçadas com as Secretarias da Educação e de Ação Social do município de Palmas de Monte Alto, mas sem sucesso e, na mesma ordem, aconteceu com a Secretaria da Agricultura do município de Malhada.

De modo geral, a entrevista com o poder público municipal se pautou sobre questões relacionadas ao olhar desse poder sobre os/as jovens dos assentamentos, os problemas que os/as jovens têm enfrentado nesses espaços, as ações/políticas públicas que têm sido desenvolvidas nesses espaços direcionadas à juventude, o acesso dos/das jovens às tecnologias de comunicação e ao uso de drogas, e aos projetos de futuro dos/das jovens.

No espaço escolar as interlocutoras da pesquisa foram: duas diretoras e uma coordenadora pedagógica. Estas foram escolhidas por o pesquisador acreditar que são as profissionais que dão encaminhamentos aos problemas dos/das jovens no contexto da escola. As entrevistas aconteceram nas próprias escolas em que a maioria dos/das jovens estuda. É importante esclarecer que, em relação aos/às jovens do assentamento Marrecas, todos/as os/as que participaram da pesquisa estudam na mesma escola (Ensino Fundamental e Médio). Todavia, os/às jovens do Nova Esperança que estão no Ensino Fundamental estudam em escola diferente em relação aos/as jovens do Ensino Médio, como já foi mencionado anteriormente. Vale dizer ainda que, neste último caso, foi escolhida a escola que tinha maior número de jovens da pesquisa.

No que se refere aos aspectos pautados nas entrevistas com as interlocutoras da escola, dizem respeito a: visão da escola sobre os/as jovens do assentamento rural, a inserção deles/as no

contexto da escola, os problemas que a escola enfrenta em relação aos/às jovens do assentamento, como a escola encaminha os problemas relacionados a esses/as jovens, se existem diferenças no tratamento dado aos/às jovens do assentamento em relação aos jovens que não são, se os conteúdos estudados na escola falam da vida dos jovens de assentamento rural da Reforma Agrária, a contribuição da escola para a realização dos projetos de futuro dos/das jovens. Tais questões serão aprofundadas nos capítulos subsequentes.

Entrevistei também o representante da FETAG polo de Guanambi no intuito de buscar a visão dessa instituição, que tem sido parceira dos assentamentos lócus da pesquisa desde a luta inicial que desembocou no que hoje são os assentamentos Marrecas e Nova Esperança. A entrevista com o representante da instituição supracitada se pautou nas seguintes questões: o trabalho desenvolvido pela FETAG junto aos jovens, as políticas públicas de juventude do campo, a relação dos/das jovens com o trabalho no campo, a expansão do agronegócio no campo, a Reforma Agrária no Brasil e a visão sobre os/as jovens dos assentamentos pesquisados. Vale ressaltar que foram realizadas duas entrevistas semiestruturas com o representante desse movimento sindical, a primeira em 02/12/2012, e a segunda em 21/11/2013. A primeira teve como objetivo levantar informações de caráter mais histórico e numa perspectiva mais geral sobre a existência e o trabalho da FETAG polo de Guanambi na região. A segunda centrou-se nas questões da juventude dos assentamentos rurais da Reforma Agrária.

Nessa busca dialética em compreender como os/as jovens de Assentamentos da Reforma Agrária se constituem como seres sociais na condição de filhos/as de assentados no contexto da sociedade capitalista em processo de expansão no campo, a itinerância do pesquisador pelos assentamentos Marrecas e Nova Esperança, que são espaços genuínos de contradição, contou com a participação significativa do presidente da Associação de cada comunidade, somando-se ao conjunto de entrevistados, com suas experiências de gestão, de vida de assentados da Reforma Agrária, de pai de família. A figura de cada presidente foi muito importante no decorrer de toda a investigação, proporcionando as condições materiais (local para ficar, contato com os/as jovens, familiares), buscando me aproximar da comunidade, ao mesmo tempo em que desvela o seu olhar sobre a luta cotidiana no contexto dos assentamentos. A parceria dos presidentes das associações permitiu que o pesquisador mergulhasse no cotidiano dos moradores dos assentamentos de forma bastante tranquila.

Em síntese, no total foram realizadas 31 entrevistas semiestruturadas. O seu uso foi de vital importância na combinação com os outros instrumentos utilizados na pesquisa. Segundo Laville e Dionne (1999), esse instrumento possibilita um contato maior entre o entrevistado e o pesquisador, que colhe informações com o intuito de obter, além da compreensão da realidade social do entrevistado, o conhecimento de suas motivações pessoais, bem como a exploração dos conhecimentos pessoais, seus valores, suas crenças, sentimentos e opiniões.

As entrevistas foram gravadas, exceto uma, como foi dito anteriormente, assim como os grupos focais, no intuito de captar os conflitos vividos, as dúvidas tanto dos/das interlocutores/as da pesquisa quanto do pesquisador. Todo o material gravado foi transcrito pelo próprio pesquisador. Esse momento foi atravessado por elucubrações, anotações de questões interpretativas no diário de campo para o pesquisador não ser traído pela memória no instante da análise dos dados. Transcrever é um exercício que requer paciência, escuta sensível a cada detalhe da fala dos interlocutores da investigação e é reviver o momento da entrevista. É busca de conexões entre o empírico e o teórico.