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Mapa 3 Localização da microrregião Guanambi na mesorregião Centro-Sul Baiana

5.1 Jovens da Reforma Agrária: invisíveis nas ações municipais

A luta dos trabalhadores do campo pela terra e para se manter nela, a qual não acontece desvinculada da luta por educação, tem sido nutrida por contradições colocadas pela disputa entre o capital e a lógica camponesa. A concentração e a centralização de terra nas mãos de latifundiários, atualmente representados pelo agronegócio, configuram-se como contradições presentes na totalidade do território brasileiro, com sua estrutura de propriedade de terra altamente concentrada, situação visível no Estado da Bahia, como foi apontado no capítulo 1 deste trabalho.

Nesse universo de contradições, as pessoas, em especial os/as jovens, constroem suas trajetórias de vida, suas identidades, tecem suas redes de significados e atribuem sentido às coisas, a exemplo do viver no campo, o trabalhar com a terra, às suas experiências com a escola, enfim, constroem seu olhar sobre o mundo. Esse olhar diz muito do lugar que o indivíduo ocupa na sociedade.

Nessa perspectiva, o olhar sobre os/as jovens de assentamentos da Reforma Agrária corresponde ao modo como os/as interlocutores/as atribuem significados a esses/as jovens. As pessoas agem, expressam-se de acordo com sua percepção de mundo e suas próprias elaborações ideológicas, culturais e políticas. Essas elaborações são construídas conforme as relações estabelecidas ao longo da vida, o lugar que os indivíduos passam a ocupar na dinâmica da história. Desse modo, é importante esclarecer que os/as interlocutores/as das

instituições participantes do estudo são consideravelmente novos na função de gestores, observando a última eleição municipal. Todavia, não deixaram de expressar suas concepções acerca dos/das jovens pesquisados/as.

No sentido de identificar a visão do poder público municipal sobre os/as jovens da Reforma Agrária (assentamentos Marrecas e Nova Esperança), dialoguei com os secretários municipais (da Educação, da Ação Social e da Agricultura) sobre algumas questões que envolvem diretamente a vida cotidiana dos/das jovens. Nessa perspectiva, questionei-os sobre este item: Quais ações/programas têm sido desenvolvidas com os/as jovens do assentamento da Reforma Agrária?

De modo geral, o poder público municipal, representado pelos secretários entrevistados, revela que não tem desenvolvido ações/programas específicos para os/as jovens de assentamento. As secretarias têm desenvolvido alguns programas direcionados aos/às jovens, como o PETI e o Programa Nacional de Inclusão de jovens (ProJovem), mas envolvendo apenas os/as jovens urbanos/as. Os/as jovens do campo, no caso especial, os/as de assentamento da Reforma Agrária, têm sido excluídos das ações/programas, daquilo que existe no conjunto das políticas públicas do governo federal39. Quando se referem às ações no âmbito municipal, os/as interlocutores/as acusam que estão arrumando a “casa”, e/ou a ausência de documentação nas secretarias, ocasionada pela gestão anterior, tem dificultado, a assinatura de convênios, como se pode observar nas falas seguintes:

A gestão municipal está ajustando porque é uma gestão nova. A gente tá com uma parceria com o SENAR e o IFBaiano40, com palestras, tentando estimular os jovens a ficar no campo, ficar no assentamento, mas no momento tá só em palestras, conscientização, pra depois a gente começar desenvolver alguma atividade (S3).

No caso do assentamento Marrecas, “na realidade, a única coisa de aquisição foi uma sala de leitura que vai oportunizar o contato desses jovens com o mundo letrado, acesso ao acervo

39O Documento Reflexões sobre a Política Nacional de Juventude (2003 a 2010) elaborado pela

Secretaria Nacional de Juventude e o Conselho Nacional de Juventude em 2011, traz uma relação de 55 programas/ações voltados para a juventude. Desses, apenas 5 são voltados diretamente para os/as jovens do campo, o que de certa forma traduz a invisibilidade dos/as jovens do campo no cenário das políticas públicas no Brasil.

bibliográfico, o Ponto de Leitura” (S2). Esse projeto foi inaugurado no período em que a pesquisa de campo foi realizada. O assentamento ainda não elaborou um plano de trabalho de como serão desenvolvidas as atividades de leitura. O que percebi, com o desenrolar da pesquisa, seja por meio da minha imersão no contexto dos assentamentos, seja por meio das entrevistas realizadas com os representantes do poder público municipal, foi uma ausência de ações voltadas para os/as jovens da Reforma Agrária. Essa questão foi confirmada tanto pelos jovens interlocutores da investigação quanto pelas suas famílias, tema que será retomado nos capítulos subsequentes.

“[...] a gente pegou a secretaria, você deve ter ouvido falar muito em ‘vamos arrumar a casa’, pra ver se a gente consegue trabalhar, você sabe que a gente não consegue trabalhar se não tiver documento, com a questão burocrática resolvida” (S1). Sob esse argumento o poder público vai deixando de cumprir sua responsabilidade de gestor público e de proporcionar aos/às jovens as condições objetivas e subjetivas necessárias para garantir uma vida digna. O que se constata é um abandono dos/das jovens dos assentamentos, embora, nas falas dos/as entrevistados/as, se perceba um interesse em desenvolver atividades no futuro que contemplem esses/as jovens, seja na área socioeducativa, seja nas áreas voltadas para o primeiro emprego e geração de renda.

Os depoimentos dos entrevistados do poder público refletem uma preocupação com o futuro dos/das jovens dos assentamentos. Essa é uma questão emblemática que merece ser problematizada pelo menos por uma razão. Há uma tendência no Brasil de a maioria se preocupar com o futuro, com o vir a ser e esquecer-se do presente, do agora, do estar sendo dos indivíduos. Vejo que é necessário mudar o foco, primeiro, atender as necessidades reais, do instante agora, o vir a ser é consequência de como é o presente. É evidente que essa é uma questão para se relativizar, mas ratifico que é urgente cuidar da “plantação” para ter o que se colher no amanhã.

É importante ressaltar que esse descaso com os/as jovens do campo é algo histórico, bem como com a população camponesa na sua totalidade. Essa indiferença aos sujeitos jovens do campo se manifesta em diversas dimensões – sociais, políticas, culturais, econômicas. Em todas elas, se caracteriza como a negação de direitos aos povos do campo, conforme delineado nos capítulos 2 e 3 desta tese.

O que se verificou, no percurso da investigação, é que a luta nacional por garantia de direitos, como acesso à terra e seu uso, acesso à educação de qualidade no e do campo, questões que têm sido pautas fundamentais das reivindicações dos camponeses em luta, contraditoriamente, essa luta não tem se materializado no contexto regional em que a pesquisa foi realizada, haja vista a Educação do Campo, tema de que pouco se tem falado dentro dos municípios em que se localizam os assentamentos cenários da investigação. Ao questionar: Como tem se dado a discussão e implementação da Educação do Campo no município, uma entrevistada ressaltou:

[...] esse ano nós fizemos um fórum municipal de educação e trouxemos essa temática como tema relevante, nós temos que repensar o modo como a educação se dá no campo, agora é algo muito novo, a gente tá buscando o embasamento teórico, aquilo que é proposição de governo, mas a gente tá se adaptando, vendo o que é possível de ser aplicado à nossa realidade (S2).

Essa interlocutora acrescentou ainda que o município aderiu ao Pacto pela Educação - Todos pela Escola, lançado pelo governo da Bahia41 em 2011, e ao Pacto Nacional de Alfabetização

na Idade Certa42, criado em 2012 pelo Governo Federal através do Ministério da Educação.

Esses dois Pactos têm uma metodologia voltada para os professores do campo. O que difere o Bahia do Nacional? O Bahia, além da metodologia, ele traz todo suporte para o aluno e para o professor. O Bahia por enquanto nós só temos o material do primeiro ano do ensino fundamental, já o Nacional atende até o 3º ano, mas só a formação. Vemos módulos aí se estuda currículo, metodologias diferenciadas, a parte teórica que dá embasamento da prática (S2).

41O Pacto lançado em 2011 visa melhorar a qualidade das escolas públicas estaduais e municipais, em

toda a Bahia, por meio de um regime de colaboração com os municípios e a parceria da sociedade – Informações disponíveis em:http://www.upb.org.br/uniao-dos-municipios-da-bahia/informativos-e- noticias/index.php?id=3539#sthash.WK0eBg5i.dpuf. Acessado em 17/02/2014.

42As ações do Pacto pautam-se em quatro eixos de atuação: formação continuada para professores;

distribuição e aumento de materiais didáticos e pedagógicos voltados à alfabetização nas escolas; realização de avaliações sistematizadas; gestão, controle social e mobilização da sociedade e da comunidade escolar. O âmbito de abrangência do referido Pacto abarca a ação docente dos professores das escolas da cidade e do campo. O material básico do curso divide-se em oito unidades que tratam da Educação do Campo, pautando diferentes temáticas, tais como: currículo no ciclo de alfabetização; planejamento na perspectiva da diversidade; apropriação do sistema de escrita, alfabetização e consolidação do processo de alfabetização em escolas do campo; o lúdico nas escolas do campo; o trabalho com gêneros textuais em turmas multisseriadas; projetos didáticos e sequências didáticas na Educação do Campo; alfabetização e as diferentes áreas de conhecimento escolar; alfabetização para a escola do campo e o respeito aos diferentes percursos da vida e; ação didática em escolas do campo. Informações disponíveis em: http://pacto.mec.gov.br/. Acesso em: 17/02/2012.

É importante esclarecer que o Pacto Bahia e o Pacto Nacional contemplam professores e alunos da cidade e do campo. No caso específico dos municípios da microrregião Guanambi, os professores são orientadores de estudo, denominação dada aos professores que estão sendo formados pelas universidades para serem multiplicadores da formação dentro dos municípios. No caso particular da microrregião Guanambi, a formação do Pacto Bahia acontece no Departamento de Ciências Humanas, Campus VI, cidade de Caetité, e do Pacto Nacional no Departamento de Educação, Campus XII, em Guanambi, ambos da Universidade do Estado da Bahia. Contudo, reafirmo que, conforme informações obtidas por meio de conversas informais com professores desses departamentos, informações obtidas na Pró-Reitoria de Ensino de Graduação da referida universidade e pela minha vivência no Campus XII43 como docente, esses departamentos não têm oferecido ações voltadas especificamente para os povos do campo, principalmente para aqueles da Reforma Agrária, questão já exposta no capítulo1 desta tese como se pode observar no quadro 6 a seguir. O que os referidos Departamentos vêm fazendo se resume na formação dos professores que serão multiplicadores no contexto dos municípios que aderiram ao Pacto Bahia e Pacto Nacional.

Quadro 6 - Demonstrativo dos cursos do PRONERA/UNEB

Depto/Campus Curso Observação

DCH – I /Salvador Direito Em andamento.

DCH - IX /Barreiras Engenharia Agronômica Curso Finalizado. Reconhecido através do decreto 14.769 D.O.E. de 11/10/13. DCH - IX Barreiras/Arataca Engenharia Agronômica Curso Finalizado. Reconhecido através

do decreto 15.318 D.O.E. de 01/08/14.

DEDC – X/Teixeira de Freitas

Pedagogia da Terra

Curso Finalizado.Visita da Comissão de Verificação in loco em 21 a 23/11/12 – Aguardando publicação do Parecer de Reconhecimento.

Letras/Áreas de Assentamento

Curso Finalizado. Aguardando publicação do Parecer de Reconhecimento. DEDC – XIV/Conceição do Coité Letras/Áreas de Assentamento

Curso Finalizado. Visita da Comissão de Verificação in loco em 26 a 27/07/13 - Aguardando publicação do Parecer de Reconhecimento.

DCHT – XVII/Bom Jesus

da Lapa Pedagogia da Terra

Curso Finalizado. Reconhecido através do decreto 15.319 D.O.E. de 01/08/14. Fonte: PROGRAD/UNEB.

43 Nos anos de 2007/2008 desenvolvi dois projetos de extensão pela Universidade do Estado da Bahia

envolvendo direção, coordenação e professores de escolas rurais nucleadas na sede do município Guanambi, Bahia.

É pertinente ressaltar que, na região em que a pesquisa foi realizada, a luta dos povos do campo pela garantia de uma educação de qualidade no campo e como parte de uma luta maior de superação do projeto de desenvolvimento pautado na lógica da acumulação de capital não tem sido reconhecida na sua totalidade de forma efetiva pela universidade. Da mesma forma, a luta dos sujeitos do campo não tem sido parte da responsabilidade da universidade, em relação ao compromisso de transformação social da realidade.

Segundo Boaventura de Souza Santos,

hoje vivemos um problema complicado, uma discrepância entre teoria e prática social que é nociva para a teoria e também para a prática. Para uma teoria cega, a prática social é invisível; para uma prática cega, a teoria social é irrelevante (SANTOS, 2007, p.20).

Este é um grande desafio para a universidade: romper uma racionalidade que busque a transformação social sem ter uma compreensão do real. Esse entendimento está presente na luta do movimento “Por Uma Educação do Campo”, que vem acontecendo em nível nacional e já referido neste trabalho. Segundo Mészáros (2008, p.27), “é necessário romper com a lógica do capital se quisermos contemplar a criação de uma alternativa educacional significativamente diferente”. Este é um dos princípios da Educação do Campo: criar alternativas educativas para os povos do campo que superem a hegemonia da cultura dominante, que impõe para as escolas do campo um currículo escolar urbano, como se os saberes do homem do campo, seus valores, o modo de vida fossem algo em extinção.