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Mapa 3 Localização da microrregião Guanambi na mesorregião Centro-Sul Baiana

5.2 O olhar da escola sobre os/as jovens: reflexos da hegemonia dominante

Na luta por um projeto popular de desenvolvimento do campo, e do país, uma nova concepção e prática escolar estão sendo gestadas no cenário brasileiro. Segundo Caldart (2000, p.41), “O campo no Brasil está em movimento. Há tensões, lutas sociais, organizações e movimentos de trabalhadores e trabalhadoras da terra que estão mudando o jeito da sociedade olhar para o campo e seus sujeitos”. Assim, a pesquisa buscou dar voz aos/às interlocutores/as da escola, no intuito de desvelar suas compreensões sobre os/as jovens de assentamento da Reforma Agrária, especificamente, dos assentamentos Marrecas e Nova Esperança, territórios escolhidos para a pesquisa.

Os sujeitos da escola (direção e coordenação pedagógica) comungam do pensamento dos/as interlocutores/as do poder público municipal de que, na ausência das condições materiais de sobrevivência dentro dos assentamentos, os/as jovens estão de fato buscando outras possibilidades, outros lugares para desenvolver seus projetos de futuro, que têm oscilado entre trabalho e estudo. Essa questão tem aparecido em outras pesquisas sobre jovens do campo, como as de Cavalcanti, (2002); Carneiro, (1998); Castro, (2009), dentre outras.

A pesquisa indica como um dos fatores que interferem na saída dos/das jovens do campo as condições climáticas, que acabam fazendo com que os/as jovens escolham outros espaços para desenvolver seus projetos, associando esses outros lugares sempre ao espaço urbano.

Quando se fala no campo, se fala em plantar, colher e multiplicar, não é isso? E na nossa região, não é a escola, não é a sociedade, às vezes é o clima, né, apesar de que com as tecnologias tá mudando tudo, mas são essas mudanças que ainda não chegaram nessa região, faz com que os jovens procurem outros lugares para desenvolver os projetos deles (D1).

No entendimento da diretora 1, a seca que tem assolado a região Nordeste nos últimos anos tira o sonho de viver da terra.Tira o sonho do camponês de “debulhar o trigo, recolher cada bago do trigo, forjar no trigo o milagre do pão e, se fartar de pão”, como traz a música de Chico Buarque e Milton Nascimento. “O jovem tem vontade de ter determinado projeto, ele sabe que aqui não pode executar esse projeto, ele acaba saindo, não foi a escola [...] foi o meio que a região vive que às vezes não deu condições pra ele” (D1).

Essa visão de atribuir ao clima da região o fator determinante no desenvolvimento dos projetos de futuro dos/das jovens é uma posição reducionista, ou seja, reduz a complexidade do fenômeno a um único fator (o clima), negando, assim, a responsabilidade social do Estado e o direito de acesso a uma política completa de Reforma Agrária, com todo o apoio necessário para a realização do projeto camponês, incluindo neste uma Educação do Campo que atenda aos anseios dos camponeses, servindo de núcleo principal de expansão interna da comunidade.

Apoiada no argumento das condições climáticas e na ausência de tecnologias capazes de interferir de forma significativa na produção da família camponesa da região, a diretora 1 afirma que nem a escola, nem a sociedade são as culpadas por esses/as jovens não

desenvolverem seus projetos no campo, e que a escola nem tem condição de contribuir para que os projetos dos/das jovens sejam realizados nos assentamentos. Quando perguntei à direção e à coordenação pedagógica das escolas onde os/as jovens estudam se os conteúdos trabalhados falam da vida dos/das jovens de assentamento da Reforma Agrária, as respostas foram similares.

No caso específico da escola onde os/as jovens do assentamento Marrecas estudam, fica claro, com base no depoimento da diretora 1, que a escola ainda não tem projeto diferenciado para atender à realidade desses/as jovens. “Hoje o tratamento é igual, surge lá e cá um questionamento sobre a vida dos assentados”. Entretanto, em relação à proposta de trabalho da escola dos/das jovens do assentamento Nova Esperança, apesar de também não ter um projeto diferenciado, segundo a coordenadora pedagógica e a diretora 2, os projetos didáticos têm sido todos voltados para a vida do homem do campo, buscando discutir as questões da realidade dos/das jovens, principalmente as ligadas ao mundo do trabalho.

A inserção dos/das jovens no mundo do trabalho é uma questão emblemática que merece ser problematizada. Frigotto chama atenção para as simplificações e mitificações em relação ao conceito de trabalho, que têm reduzido “o trabalho, de atividade humana vital - forma do ser humano criar e recriar seus modos de vida – a emprego, forma específica que assume dominantemente o trabalho sob o capitalismo: compra e venda da força de trabalho” (FRIGOTTO, 2005, p.3).

Entendo que a escola, seja ela da cidade ou do campo, deve conceber o trabalho “como práxis que possibilita criar e recriar, não apenas no plano econômico, mas no âmbito da arte e da cultura, linguagem e símbolos” (FRIGOTTO, Ibid., p.3), como um princípio educativo.

O trabalho como princípio educativo deriva do fato de que todos os seres humanos são seres da natureza e, portanto, têm a necessidade de alimentar- se, proteger-se das intempéries e criar seus meios de vida. É fundamental socializar desde a infância, o princípio de que a tarefa de prover a subsistência e outras esferas da vida pelo trabalho é comum a todos os seres humanos, evitando-se, desta forma, criar indivíduos ou grupos que exploram ou vivem do trabalho de outros (FRIGOTTO, Ibid., p.3).

Esse é um grande desafio a ser enfrentado pela escola, principalmente porque requer mudanças na sua organização, na formação dos professores e na concepção do currículo

escolar. Essa questão é ilustrada com a fala da coordenadora pedagógica quando pondera que, na matriz curricular da escola onde os/as jovens estudam, o componente curricular Técnicas Agrícolas é ministrado por professores que não têm uma formação específica para atuarem em escola do campo e que os alunos têm mais vivências com o campo do que os professores.

Fica explícito, no depoimento da coordenadora, que a maioria dos professores que leciona na escola do assentamento Nova Esperança não mora na comunidade, o que no seu entendimento dificulta o trabalho da escola na perspectiva de compreender as contradições presentes no campo, de reconhecer e considerar os valores e a identidade da comunidade camponesa na proposta de trabalho da escola.

Sobre essa questão Caldart coloca:

Toda vez que uma escola desconhece e/ou desrespeita a história de seus alunos, toda vez que se desvincula da realidade dos alunos que deveriam ser seus sujeitos, não os reconhecendo como tal, ela escolhe a desenraizar e a fixar seus educandos num presente sem laços (CALDART, 2000, p.73).

O texto Base da I Conferência Nacional Por uma Educação Básica do Campo, realizada em Luziânia-GO, em 1998, traz as concepções e nove princípios pedagógicos para a elaboração de um proposta específica de escola do campo; dentre eles, destaco, aqui, o que se refere à necessidade de transformação dos currículos escolares, explicitando que “a escola do campo precisa de um currículo que contemple necessariamente a relação como trabalho na terra” (KOLLING; NERY; MOLINA, 1999, p. 68). No entendimento da coordenadora pedagógica entrevistada, [...] “a escola no campo ainda não tem essa visão de campo, [...] o município eu acredito que ainda falta muito pra ser uma escola diferente, ainda é um currículo único da escola urbana pra escola no campo”.

A coordenadora afirma: “Eu nunca participei de um curso sobre Educação do Campo, esse ano aqui também não teve nenhuma proposta, nunca tive essa disciplina na faculdade no curso de pedagogia, nem na licenciatura em história que fiz”. A fala da coordenadora confirma a questão apontada no primeiro capítulo desta tese, e retomada neste capítulo, no que se refere à falta de iniciativa de formação de educadores e educadoras das escolas do campo ou qualquer projeto da universidade da região voltado para os sujeitos do campo.

Isso se configura como uma contradição, considerando as lutas e as conquistas dos sujeitos do campo no cenário nacional, seja no âmbito da garantia de direitos por meio da legislação, a exemplo do Decreto de Nº 7.352/2010, que eleva a Educação do Campo e o PRONERA como políticas públicas, seja em relação às diversas experiências de formação de educadores e educadoras do campo que vêm acontecendo em diversas partes do país. Na concepção de Arroyo (2005), a luta nacional pela terra, pela educação, tem obrigado o Estado brasileiro e a sociedade a redefinirem visões e políticas públicas que contemplem o homem do campo, que, historicamente, ficou na escuridão da história.

Sob esse aspecto, a pesquisa revela uma outra realidade. Essa história de mudança de concepções e práticas da Educação do Campo ainda não está sendo escrita nos espaços em que o estudo foi desenvolvido. Os/as jovens continuam recebendo uma formação que desconsidera a realidade concreta e que desvaloriza o trabalho e o viver no campo. Não visualizei, no caminhar da investigação, um horizonte de mobilização local no sentido de garantir uma Educação do Campo nos princípios em que vem sendo colocada em âmbito nacional. O visível é ainda uma prática de adaptação do que o Estado propõe para as escolas do campo. Desse modo, as especificidades, os valores singulares dos sujeitos do campo aqui em destaque, os/as jovens, continuam ficando em segundo plano. Assim, afirmo que a educação ofertada aos sujeitos jovens da pesquisa ainda não é capaz de visualizar a juventude como tempo de direitos, composta de uma diversidade de sujeitos que vivem condições juvenis singulares.

Assim, o que se propõe é a construção de uma escola do campo e da cidade que possa contribuir para a compreensão da realidade dos/das alunos/das, com um projeto que vincule a educação às questões sociais inerentes à realidade em que eles/elas estão inseridos/as. Uma educação que seja capaz de articular a prática pedagógica com um processo de construção de um projeto de desenvolvimento da sociedade que ressalte os valores, as culturas dos povos independentemente da sua localização geográfica, etnia, sexo ou classe social; um projeto em que os/as jovens do campo, em particular, possam ter oportunidade de desenvolver suas capacidades, colocar em ação seus potenciais no sentido de construir a sua emancipação, o seu pleno desenvolvimento humano.