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Mapa 3 Localização da microrregião Guanambi na mesorregião Centro-Sul Baiana

4.3 Trilhas metodológicas

4.3.2 Grupo focal

No que concerne ao grupo focal, Gatti (2005, p.9) sublinha que essa técnica “permite fazer emergir uma multiplicidade de pontos de vista e processos emocionais, pelo próprio contexto de interação criado, permitindo a captação de significados.” Nesse caso, o interesse não se restringe ao que as pessoas pensam e expressam, ele busca também a maneira como elas pensam e o motivo por que pensam, de tal modo que o grupo focal partiu de questões apoiadas na teoria e no conjunto de informações de que o pesquisador dispunha acerca do fenômeno pesquisado. Essas questões me auxiliaram no processo de produção dos dados sem, no entanto, “engessar” a conversa com os/as interlocutores/as da investigação. O trabalho com grupos focais, segundo Barbour,

[...] permite compreender processo de construção da realidade por determinados grupos sociais, compreender práticas cotidianas, ações e reações a fatos e eventos, comportamentos e atitudes, constituindo-se uma técnica importante para o conhecimento das representações, percepções, crenças, hábitos,valores, restrições, preconceitos, linguagens, simbologias prevalecentes no trato de uma dada questão por pessoas que partilham alguns traços em comuns, relevantes para o estudo do problema visado (BARBOUR, 2009, p.11).

Nesse sentido, o grupo focal como procedimento qualitativo de pesquisa, é eficaz, pois fornece controle de qualidade sobre as informações coletadas. As opiniões, os pontos de vista podem ser defendidos e ressignificados no processo interativo do grupo. É uma técnica de investigação que possibilita virem à tona vozes muitas vezes silenciadas.

No caso específico deste estudo, foram realizados, no total, sete (7) grupos focais (APÊNDICE C) envolvendo jovens com idades entre 13 e 26 anos, filhos/as de assentados/as da Reforma Agrária, sendo quatro (4) grupos focais com jovens do assentamento Marrecas; e três (3) grupos com jovens do assentamento Nova Esperança. É importante esclarecer que, como foi mencionado anteriormente, a faixa etária dos/das jovens que se dispuseram a participar da pesquisa, no primeiro contato com os/as jovens dessas duas comunidades, foi de 13 a 30 anos. Entretanto, na segunda etapa do estudo, quando foi reaplicado o questionário e foram realizados os grupos focais, apenas jovens de 13 a 26 anos participaram da pesquisa.

É importante registrar que, para a realização dos grupos focais, os/as jovens que participaram da primeira etapa da pesquisa, ou seja, aplicação do questionário em dezembro de 2012, todos/as foram convidados, excetos aquele/as que estão morando na cidade vizinha ou localidades mais longínquas, como São Paulo, Minas Gerais, Brasília, em busca de oportunidade de trabalho, conforme relataram os/as jovens e as famílias entrevistadas nessa investigação. Antes da realização dos grupos focais, visitei muitos jovens em suas casas no sentido de reforçar o convite feito pelo presidente da associação, e convidar outros que não participaram da primeira etapa da pesquisa. No entanto, alguns jovens que haviam respondido ao questionário (1ª etapa) não compareceram ao encontro marcado. Dessa forma, os grupos focais se constituíram da seguinte maneira:

Tabela 3 – Distribuição dos grupos focais por assentamentos

Fonte: Elaborada pelo autor.

Considerando a predominância de jovens mulheres no estudo, fato que aconteceu aleatoriamente, sem nenhuma intencionalidade por parte do pesquisador, esse fato é entendido na pesquisa como resultado proveniente da condição estrutural das famílias no contexto pesquisado, como referendado anteriormente. Segundo relatos dos interlocutores da pesquisa (jovens e famílias), os filhos deixam mais o campo que as filhas em busca de trabalho assalariado nas grandes cidades e nas fazendas do agronegócio. Isso é perceptível nos dados, os quais revelam uma predominância de mulheres (filhas e mães) na pesquisa, como pode ser observado no gráfico 1 e na tabela 4 neste estudo.

Grupos focais Jovens (mulheres) Jovens (homens) Assentamento

Grupo focal 1 5 1 Marrecas

Grupo focal 2 3 - Marrecas

Grupo focal 3 - 2 Marrecas

Grupo focal 4 2 - Marrecas

Grupo focal 5 5 - Nova Esperança

Grupo focal 6 2 2 Nova Esperança

Grupo focal 7 3 1 Nova Esperança

Desse total de jovens, cinco (5) não tinham participado da primeira etapa da pesquisa. Vale salientar também que os grupos focais foram agendados com antecedência, procurei espaçar, aproximadamente, uma hora de um grupo para o outro, de modo que os/as jovens não pudessem conversar sobre o que tínhamos discutido no grupo anterior. Todos os grupos foram realizados num espaço disponibilizado pela escola de cada assentamento. No assentamento Marrecas os grupos foram realizados no dia 25/09/2013 e no Assentamento Nova Esperança no dia 02/10/2013.

Antes da realização dos grupos focais, agradeci a presença de todos e solicitei a permissão para gravar as falas, a princípio ficaram receosos, mas autorizaram o uso do gravador. Procurei deixá-lo num lugar que não fosse muito visível para que os/as jovens não se sentissem tão intimidados/as pela presença do gravador. Expliquei como seriam os encaminhamentos, a organização das falas para que fosse possível gravá-las de forma sequenciada para não me perder no momento da transcrição.

Quanto à formação dos grupos focais, havia previsto desenvolver, num primeiro momento, grupos mistos (homens e mulheres) e, num segundo momento, grupos compostos de jovens homens e grupos só de jovens mulheres. A intenção em realizar os grupos focais com constituição distinta se alicerça na possibilidade de confrontamento de dados, na busca de convergências, divergências e contradições nas falas dos/das interlocutores/as da pesquisa. Todavia, como o caminho investigativo é dinâmico, e o pesquisador não tem o domínio total do processo, acontecimentos são às vezes imprevisíveis. Outros até são previsíveis, mas não deixam de conter elementos de imprevisibilidade. Assim, os grupos focais foram sendo constituídos numa lógica do imprevisível previsto, ora se constituindo de forma mista, ora compostos só por jovens homens ou só por jovens mulheres, devido ao não comparecimento de alguns no lugar e horário agendados, por razões diversas, como esquecimento, ou porque tiveram que fazer alguma atividade naquele horário agendado.

Vale ressaltar, contudo, que essa alteração na composição dos grupos focais não prejudicou o processo de desenvolvimento da pesquisa; serviu para reforçar que o ato de investigar não é estático, algo que está linearmente posto, mas um processo dinâmico, que pode ser ratificado ao caminhar, abandonar certas vias e encaminhar para certas direções privilegiadas (MINAYO, 2007b) ou possíveis de serem realizadas no momento.

Os/as interlocutores/as jovens da pesquisa sobressaíram durante a realização dos grupos focais de maneiras diversificadas, uns mais dispostos a falar sobre as questões colocadas, outros reagiram timidamente, expressando seus posicionamentos com mais cautela, e às vezes por meio de gestos. Percebi, no desenrolar da pesquisa, que, às vezes, o não dito de forma verbal pode marcar tanto ou mais que algo expresso verbalmente.

Durante a realização dos grupos focais, os gestos faciais, os olhares, o movimento da cabeça, o tocar com as mãos a mesa, cada reação dessa e tantas outras que escaparam da memória do pesquisador no momento do registro no diário de campo, marcaram-me de forma angustiante, principalmente as reações de uma jovem que denunciavam uma angústia, uma tristeza em ser jovem no contexto do assentamento. Cada questão lançada ao grupo de jovens, principalmente aquelas que se referiam ao como é ser jovem de assentamento rural, como os/as jovens se divertem, aos sonhos/projetos de futuro, enfim, tocar nessas questões parecia lhe causar incômodo, dor, tristeza, insatisfação. Era como mexer numa ferida ainda sem cicatrização.

Naquele momento não entendia a reação dessa jovem, o porquê daqueles gestos. Isso gerou uma sensação, uma tensão muito grande no pesquisador, quase que impossibilitando o término do grupo focal. Fiquei muito impressionado, mas consegui encerrar a discussão no grupo e, imediatamente, ali mesmo na escola onde realizei todos os grupos focais, iniciei o registro no diário de campo. Uma dúvida pairava sobre minha cabeça: Por que as questões do grupo causaram tanta angústia naquela jovem? Então, decidi visitar a sua casa no intuito de realizar a entrevista com a família (mãe/pai ou alguém responsável), e conhecer um pouco mais do seu universo. Ao chegar à casa dessa jovem, encontrei a sua mãe, que aceitou conversar com o pesquisador, pois sua filha já havia lhe avisado que eu iria visitá-la. Falei da pesquisa, o que gostaria de saber dos/das jovens e de seus pais.

Curiosamente, a reação da mãe foi muito similar à de sua filha, olhar sempre para baixo, como se estivesse numa situação desconfortável. Diante desse cenário, não me senti à vontade para solicitar a permissão para gravar a nossa conversa. Assim, procurei estabelecer um diálogo, sem seguir o roteiro elaborado para as entrevistas com as famílias dos/das jovens. Mais uma vez, o diário de campo entra em cena, nele fui anotando meu olhar sobre aquela

realidade, que visivelmente traduzia a carência, que não se restringia apenas às condições materiais, mas denunciava a negação de direitos numa dimensão ampliada.

Assim sendo, os grupos focais foram significativamente produtivos. Serviram para dar voz aos/às jovens, o pesquisador ouvindo e percebendo suas angústias, seu modo de pensar sobre viver no campo, sua relação com a escola, com o trabalho na agricultura e seus projetos de futuro. Permitiram refletir sobre as ausências, os encontros, os desencontros entre as trajetórias de vida dos/das jovens da Reforma Agrária, suas condições de vida e suas subjetividades. Entendo que “o sujeito é ativo e pensante no curso da pesquisa e não simplesmente um reservatório de respostas prontas que se expressam diante de perguntas tecnicamente bem formuladas” (SCOPINHO, 2012, p.38). Assim, procurei traçar todo o percurso da investigação pautado nesse pensamento.