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ENVELHECENDO E O (EN)VELHO SER: UM PROCESSO NO TEMPO 2.1 CONTEXTUALIZANDO O ENVELHECIMENTO

2.3 ENVELHECER: UM PROCESSO EMANCIPATÓRIO DE FUTURO

Ando devagar porque já tive pressa E levo esse sorriso, porque já chorei demais Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe Só levo a certeza de que muito pouco eu sei, que nada sei

Almir Sater e Renato Teixeira A partir da letra traduzida pela voz do cantor Almir Sater, pude perceber ao longo desses 12 anos trabalhando com idosos o quanto acreditamos que o nosso “andar” nos faz construir quem somos enquanto pessoas em várias etapas da vida, incluso nos processos do envelhecer. A vida nos traz sempre novos desafios e há sempre oportunidades de aprender com o passado, sem nele aprisionar-se. Nele saborear o “PRESENTE” como um sorvete que tem seu tempo para ser sorvido e absorvido. Perceber que tudo tem seu tempo e que amadurecer é um processo.

No que se refere às questões pertinentes ao fato de envelhecer, entendemos que este processo esteja relacionado a fatores que biológica e fisiologicamente apontam para as transformações que acontecem de forma natural no corpo, pois fazem parte do próprio processo de evolução das espécies e que não é diferente com os seres humanos. Envelhecemos, logo a pele enruga, as ações da força da gravidade atuam sobre os corpos, nossos movimentos cinéticos e funcionais ficam mais lentos, as funções cognitivas tendem a diminuir e tendemos a ter mais sono.

Entretanto, associado a esse processo, vem a aquisição de conhecimentos conquistados ao longo da vida, as estratégias e adaptações frente aos desafios humanos do viver e do conviver em sociedade que por vezes é compreendido por meio do olhar que é dado para este processo, associados ou não, às percepções e às transformações que se dão com o desenvolvimento da pessoa que envelhece.

Oliveira (2007) em “Corpos indisciplinados ações culturais em tempos de biopolítica”, contribui para a reflexão sobre as questões do existir enquanto ser idoso, dos percalços enfrentados enquanto estorvo da sociedade e de adequações para manter-se presente no mundo. Morace (2013) em seu livro “O que é o futuro?” aponta para as questões que se voltam ao desafio humano de imaginar o futuro de construí-lo, de interpretá-lo.

Apesar da aparente conquista, o fato social é que o envelhecimento é visto como uma preocupação frente às questões sociais das pessoas idosas, permeadas

pela discriminação, pelo isolamento social e a marginalização, em consequência dos estigmas associados à velhice, em uma sociedade capitalista, onde vale mais quem produz mais, e onde mulheres, especialmente sendo idosas, ainda são vistas como inúteis, inválidas e descartáveis.

Pensar sobre o futuro corresponde, portanto, à mais humana das atividades possíveis e implica um desafio permanente inerente ao desafio de seres pensantes. Significa a transferência de visão de mundo para os filhos e netos, para as gerações que se seguem, não se valendo apenas das regras do instinto ou da tradição, mas apostando suas próprias cartas na possibilidade de construção da realidade e do futuro. (MORACE, 2013, p. 22)

A sociedade contemporânea, por meio de vários e díspares discursos e saberes, tem associado a velhice como último estágio da vida e, logo, como momento de descanso do corpo, do regozijar a vida e para operar com o exercício as memórias. Os idosos são intitulados como acumuladores de memórias, uma vez que são frequentemente vistos como pessoas que estancam em seu processo de desenvolvimento, colocando-os na condição de diferentes e excluídos em relação a outras idades e gerações.

Muitos idosos enfrentam ainda uma realidade social que fomenta a negação do simples fato de existirem no mundo enquanto velhos. Este comportamento da sociedade em geral potencializa a não aceitação pelos outros e de si mesmo. Isto gera, de maneira muito frequente, uma imposição para permanecer “jovens e ativos” como desejo para aqueles que imprimem uma ideia de serem úteis na sociedade e para a sociedade. Um possível dilema presente neste grupo etário é o de reafirmarem-se enquanto seres ativos, em uma sociedade que inutiliza, limita-os e por vezes, incapacita-os associando à velhice como sinônimo de doença e não como mais uma etapa do desenvolvimento humano – e que é humano, pois não se trata de uma condição que acomete tão somente idosos.

A deserção é a recusa a uma forma de vida e a vontade de criação de formas alternativas. A recusa às estruturas estáveis, a tomar o poder; a recusa a durar, a institucionalizar-se, a recusa a se deixar identificar, esvazia o poder e jogam com a indeterminação, elemento desestabilizador porquanto não apreensível. O desejo de se apropriar da vida, de torná-la uma aventura existencial, experimental, determinam a deserção como linha de fuga que evacua a esfera do poder. Não basta apenas ser contra constituir-se em oposição nas esferas já conhecidas: é preciso afirmar a própria vida fora do

esperado. Pode-se criar o inesperado coletivamente, compartilhando experiências sem fins precisos, investindo no processo como agente transformador. Criar novos espaços e novas relações com o tempo. (OLIVEIRA, 2007, p. 9)

Como tem sido apontado, torna-se inapropriado considerar a velhice como uma fase de limitação ou deficiência específica do processo de envelhecer. Pois o animal, inclusive o animal humano, tem no envelhecimento uma etapa desse mesmo processo que se inicia, como se convencionou denominar, na concepção, nascimento, primeira infância, adolescência, fase adulta até chegar à terceira idade. Vale ressaltar que esse processo é parte da evolução da espécie e parte do desenvolvimento de cada pessoa.

O envelhecimento populacional e a longevidade apresentam à sociedade e aos indivíduos novos desafios sobre como oferecer condições aos idosos para que continuem desenvolvendo seu potencial de vida.

Aprender e ensinar configura-se como um conjunto de condições que acompanham as pessoas em todas as etapas da vida e tornam-se habilidades de extrema importância para seu pleno desenvolvimento, ao corresponder aos movimentos individuais e coletivos partindo das necessidades próprias de cada momento vivido (PY, 2004).

A pessoa mantém, mesmo nas idades mais avançadas, a necessidade e a capacidade de repensar sua vida. Cabe assim, a cada um e à sociedade, de modo geral, garantirem as condições necessárias para que os idosos se sintam incentivados para realizar novos projetos de vida. Há um tempo, uma alternativa estimulada em todo o Brasil tem sido a criação de grupos de convivência formados por idosos em espaços culturais, centros comunitários sociais ou em universidades públicas ou privadas (SANTOS, 2002).

Percebe-se que os idosos que pertencem e participam desses grupos, centros e universidades, geralmente são incentivados por um médico e/ou familiares a frequentarem esses espaços com o intuito de saírem de suas rotinas, a fim de melhorar aspectos que estejam relacionados à saúde, ao lazer e ao seu bem-estar. Buscam práticas que envolvam exercícios físicos, atividades lúdicas, de danças e de reabilitação, programados geralmente por um educador físico, professor de dança ou por um fisioterapeuta. Espera-se que esses grupos e centros não tenham caráter

apenas assistencialista, que sejam locais onde se estimule a autonomia e independência, bem como o exercício da cidadania.

Debert (1999) chama a atenção quando aborda a relação de como os idosos se percebem e se configuram de forma comum nesses grupos de terceira idade. Na sua reflexão indica que existem atitudes que partem dos idosos, de forma irônica e divertida que demonstram a expressão do que eles entendem como é ser uma pessoa idosa. Muitos dizem: “Aqui não tem idoso”, “Estamos nos preparando para a velhice”.

Compreende-se a terceira idade como processo natural do envelhecimento inerente à boa parte das pessoas, que ao longo da sua história, passaram pelas fases da infância, adolescência e fase adulta. Nesse sentido, a velhice compõe uma etapa que, como as demais, possui características próprias (CAMARANO, 2002). Para Lins de Barros (2006), o termo “Terceira Idade”, também nesses grupos, poderia ser descrito como a velhice desejada. Tal termo estaria relacionado, então, ao aumento da expectativa de vida, à aposentadoria como direito social e outras conotações positivas como jovialidade, esperança, saúde, alegria, vida sexual e afetiva trançando potenciais de resistência e emancipação.

Emancipação deriva da palavra mancípio, que vem do Latim mancipium, e significa “tomar posse, agarrar com a mão”, daí que emancipar de ex (fora), mais mancipium significa libertar16. A emancipação de acordo com Rancière (2002) traz

como proposição a liberdade de repensar as possibilidades do educar – e no nosso caso envolvendo a dança – a partir de nós próprios enquanto educadores e nas experiências compartilhadas nas próprias ações emancipatórias que se encontram nas falas dessas pessoas idosas. São fomentadas na medida que não se deixa de lado as trocas de saberes, com as quais os mesmos elaborem conhecimento e construção de ideias, sem que seja necessário um mestre, um tutor, um cuidador, um familiar ou outrem que se denomine explicador para seu existir no mundo e que se torne o/a detentor de tomada de decisões por esses.

Sendo assim, podemos compreender a emancipação da pessoa idosa, como parte constituinte do seu processo educativo e de desenvolvimento – estando essas participando de grupos ou não – enquanto, ação de liberdade. Muitas práticas educativas são vistas como um meio de libertação e mudanças na Terceira Idade,

pois permitem um redirecionamento do olhar que essas pessoas têm de si mesmas frente à vida. Propiciam um processo de análise e autorreflexão na medida que se reconhecem como seres pensantes, que têm muito para ensinar e a aprender. Demonstram essas práticas, os quanto idosos(as), como qualquer outra pessoa, têm a necessidade de estar em contato com novos conhecimentos e novas experiências.

A educação na terceira idade tem sido repensada e difundida em ambientes de encontros (casa de amigas(os), associações de bairro, clubes, faculdades e grupos), na perspectiva de formação de coletivos. Instaura-se assim, o seu estar no mundo de forma proativa e participativa, problematizando questões, trocas de saberes, e, muito fundamental, não como um meio de assistencialismo aos envolvidos. Nota-se outro enfoque, pois se percebe o idoso não como uma pessoa que necessita de atividades recreativas para ocupar o seu tempo. As atividades recreativas têm importância na formação do ser humano, compreendendo seu desenvolvimento integral (motor, social e cognitivo) (SILVA; GONÇALVES, 2010, p. 29).

O poder da educação pela arte e do fazer em dança, e ainda, o engajamento em culminância num sentimento/ação de serem as pessoas idosas capazes de alcançar novos desafios para que possam compartilhar seus conhecimentos circunscrevem uma possibilidade de resistir e existir enquanto pulsão de vida. As questões se voltam também no desafio cognitivo humano de imaginar o futuro (MORACE, 2013). É comum falar do futuro para idosas(os) como parte de um marcador cronológico que hora se complementa e por vezes entra em conflito com outros marcadores como, por exemplo, o sexo, as condições do mover do corpo, as determinações impostas pelas diferenças de classes sociais e de sua passagem do tempo.

As coletividades humanas precisariam de pontos de referência temporal e espacial e a ideia de advir contribui para a interpretação simbólica do mundo futuro, tentando afastar os temores ligados à percepção da inexorável passagem do tempo. A evocação do passado na antropologia precede quase sempre a invocação do futuro: a continuidade histórica permite recontar e contar o futuro possível, que se demonstra ainda hoje como uma necessidade insubstituível, uma expressão da dimensão simbólica que precisa da presença dos outros e da palavra para realmente existir. (MORACE, 2013, p. 48)

Compreendemos também que a relação com o futuro se torna marcada por ritos de passagem e acontecimentos tais como o casamento, a procriação, a entrada tardia no mercado de trabalho, no mundo escolar e/ou nas frustrações anteriormente negadas, por exemplo, de dançar. De todo modo, independentemente de um marcador cronológico fixo, há a distensão de um fluxo do tempo que aponta para possibilidades de uma não existência de idade determinante para se tornar velha. “Viver bem a velhice é uma responsabilidade pessoal e está diretamente ligada ao desejo de viver” (NOVAES, 1995, p. 35).

Ao falar sobre envelhecimento, sobre a idade e sobre a experiência com as colegas no grupo Opala nos revela:

Tenho 58 anos, entrei no grupo Poder Grisalho através de uma amiga, onde me sentia muito... estava me sentido muito só e, o início de uma depressão, que convidada por ela me

senti assim... muito alegre em poder participar desse grupo, que nesse grupo tá sendo a maior lição de vida pra mim, eu que sempre fui uma pessoa, antigamente, com muito trabalho, muitas dinâmicas de trabalho, não tinha tempo pra mim mesmo e, quando me vi em um mundo escuro, onde eu não podia mais exercer todas as atividades e, fui procurar

viver.

Opala

Pensamos, então, que não há um marcador cronológico de uma idade determinante para ser mulher, assim como não há um para ser homem, ou um ser idoso. Pensamos que não há um marcador que determine quando devam dançar. E complexificamos ainda mais: como essas idosas que dançam se reconhecem a partir de experiências compartilhadas no grupo com as outras? Como uma das resultantes, entendemos que as idosas deste grupo, se compreendem e apreendem o pensar em envelhecer, a partir do processo de socialização no convívio e nas relações permanentemente humanas na construção real de um futuro.

Pensar sobre o futuro corresponde, portanto, à mais humana das atividades possíveis e implica um desafio permanente inerente ao destino de seres pensantes. Significa a transferência de visão de mundo para os filhos e netos, para as gerações que se seguem, não se valendo apenas das regras do instinto ou da tradição, mas apostando suas próprias cartas na possibilidade de construção da realidade e do futuro. (MORACE, 2013, p. 22)

Contudo, importante, com a Dança, é que estas idosas percebam o que o tempo traz, a compreensão de como o comportamento humano se inter-relaciona com as experiências ocorridas com a passagem desse mesmo tempo. Pois, o

envelhecimento é um processo dinâmico e um fenômeno existente independentemente da nossa vontade. Um fenômeno natural da vida, pois todos serão velhos em breve. Assim, o processo de envelhecer e as atitudes próprias ao mesmo, como vimos nos referindo, é um processo individual que socializa a sabedoria do viver/envelhecer no coletivo.

Idosos que tiveram a possibilidade de uma educação que lhes possibilita pensar nas questões de discriminação e preconceito que lhes é imposto pela sociedade, lutam e se mobilizam pela contestação do que lhes oprimem. Deveria caber aos idosos o papel de serem os atores sociais, mobilizados em prol de uma sociedade mais justa e igualitária, na busca de ações que englobem o seu posicionamento como cidadãos e protagonistas em seu estar no mundo. Ações que envolvam mostras de arte, espetáculos de dança, seminários, palestras e encontros artístico-educativos com temáticas variadas para essas pessoas, integrações com outros grupos, e ações sociais que englobem um projeto pautado em uma educação emancipatória a toda população, em especial, à idosa.

[...] trata-se de um projeto educativo orientado para combater a trivialização do sofrimento [...] consiste em recuperar a capacidade de espanto e indignação e orientá-la para a formação de subjetividades inconformistas e rebeldes [...] a conflitualidade do passado, enquanto um campo de possibilidades e decisões humanas, é assumida no projeto educativo como conflitualidade de conhecimentos [...] todo conhecimento é uma prática social de conhecimento, ou seja, só existe na medida em que é protagonizado e mobilizado por um grupo social [...] é um projeto de aprendizagem de conhecimentos conflituantes com o objetivo de, através dele, produzir imagens radicais e desestabilizadoras [...] educação, pois, para o inconformismo [...] que recusa a trivialização do sofrimento e da opressão e veja neles o resultado de indesculpáveis opções. (SANTOS, 2010, p. 17-18)

Nesses condicionantes, a educação e a dança apresentam-se como propulsoras da transformação social, pois é através delas e junto à aquisição de conhecimentos, que o processo de socialização se intensifica e a formação de idosas(os) críticas e reflexivas(os) pode se consolidar.

CAPÍTULO III

METÁFORAS DE EMPODERAMENTO – PROCESSOS DE