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3.1⏐Epidemiologia conhecida de Ralstonia solanacearum biovar 2/raça 3 em climas temperados

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Tal como referido anteriormente R. solanacearum provoca avultados prejuízos numa vasta variedade de espécies cultivadas à escala mundial. É por isso considerado um organismo de quarentena face à legislação da União Europeia - Directiva da Comissão 2000/29/EC de 8 de Maio e anterior (União Europeia, 2000), o que se traduz na necessidade de se proceder à sua erradicação. Dado este estatuto, já em 1998 tinha sido publicada uma Directiva do Conselho específica (União Europeia, 1998) a qual foi transposta como Lei geral da República para a legislação portuguesa no Decreto-lei nº 494/99 de 18 de Novembro (República Portuguesa, 1999). Posteriormente, e dados os progressos alcançados ao nível da qualidade do diagnóstico, esta legislação foi alterada dando origem a uma nova Directiva da Comissão - 2006/63/CE de 14 de Julho (União Europeia, 2006). Na nota introdutória da transposição ainda vigente, R. solanacearum é referida como “um factor de redução da produção da cultura da batateira e do tomateiro, representando um risco para estas culturas não só no nosso país como também em todo o território comunitário”.

Kelman (1998), entre outros, refere-se a R. solanacearum como o organismo de origem bacteriana afectando maior número de espécies vegetais. Por outro lado, continuamente surgem registos de novos hospedeiros incluindo plantas cultivadas e espontâneas.

Após a introdução em várias áreas dos Estados Unidos da América a partir de propágulos de Pelargonium sp. importados da Guatemala, este organismo foi classificado, neste país, como um dos dez organismos fitopatogénicos controlados sob o ‘Agricultural Bioterrorism Protection Act’ de 2002, sujeito a requisitos de erradicação e medidas de controlo muito exigentes (Huang, 2006). Foi também reintroduzido no Reino Unido, Bélgica, Alemanha e Holanda em plantas de Pelargonium sp. originárias do Quénia (Janse et al., 2005). Existem outros relatos anteriores associados à disseminação de R. solanacearum em plantas pertencentes a diferentes espécies deste género, na Austrália (Pittman, 1933), Tanganica (Wallace, 1934) e Ilhas Reunião (Hayward, 1964), as quais são apreciadas como plantas ornamentais e geram grandes fluxos económicos entre países e continentes, aumentando também o risco de dispersão do patogéneo.

Os factos relatados lançaram também um alerta sobre a sua potencial sobrevivência em plantas ornamentais cultivadas e em plantas espontâneas, até agora desconhecidas, mostrando que R. solanacearum poderá possuir uma gama de hospedeiros, mais vasta, incluindo famílias botânicas não identificadas até à data como hospedeiros alternativos aos tradicionais. Por outro lado, o risco de introdução e dispersão poderá ainda ser acrescido uma vez que a caracterização da raça e biovar não é comum quando ocorre uma detecção em novos hospedeiros. Esta informação é, no entanto, preciosa para a adopção de medidas de controlo e erradicação da doença (Huang, 2006). Estudos efectuados por este autor revelaram que Nicotiana x alata, Zinnia elegans, e Portulaca grandiflora, plantadas em solo

artificialmente infestado com R. solanacearum biovar 2/raça 3, se mostraram susceptíveis, podendo comportar-se como potenciais hospedeiros em viveiros de plantas ornamentais. A epidemiologia da doença causada por R. solanacearum permanece ainda algo obscura, devido certamente à complexidade deste organismo, e dependerá, sem dúvida, dos condicionalismos edafo-climáticos de determinada região, dos hospedeiros presentes e da raça ou biovar. Em 1994, Sequeira referia que a ecologia era um dos elementos esquecidos na investigação da doença do mal murcho, sendo imperiosa a necessidade de conhecer a sobrevivência de R. solanacearum, não só para conhecer a sua biologia, mas sobretudo, para implementar medidas de controlo racionais e eficazes. Desde então verificaram-se alguns progressos, existindo aspectos já bem esclarecidos na sua sobrevivência e dispersão, como por exemplo no que diz respeito ao contributo da mecanização na dispersão do patogéneo em determinadas culturas e sistemas de produção agrícolas (Fortnum & Kluepfel, 2005; Breukers et al., 2006). Contudo, existem outros factores cujo contributo se encontra bem menos esclarecido. Entre eles, refere-se a ocorrência deste organismo em sementes, solo e águas, e o papel das infecções latentes em hospedeiros cultivados e plantas espontâneas (Coutinho, 2005). Associa-se ainda a falta de conhecimento sobre o contributo dado pela existência de formas viáveis mas não cultiváveis (VBNC) de R. solanacearum (Caruso et al., 2005; van Elsas et al., 2005) na manutenção de formas virulentas deste organismo em condições mais ou menos adversas (águas superficiais no período de Inverno; solos não cultivados e/ou expostos a grandes amplitudes térmicas). Para a existência desta lacuna contribuiu também a falta de métodos de diagnóstico (detecção e identificação) adequados à análise de amostras ambientais, embora nos últimos anos tenha ocorrido uma evolução positiva relativamente à sensibilidade e especificidade dos mesmos (Van Elsas et al., 2005; Messiha, 2006).

A recorrência da doença do pus ou mal murcho da batateira na Europa, na ultima década do século 20, levou à implementação de medidas severas para controlo e erradicação do seu agente causal, e mostrou a necessidade de se conhecer melhor a epidemiologia da doença em climas temperados. Na persecução destes objectivos, define-se no Artigo 2º da transposição (República Portuguesa, 1999) da Directiva 98/57/EC (União Europeia, 1998) a aplicação de um programa nacional de prospecção de execução anual que incide obrigatoriamente sobre plantas e tubérculos de Solanum tuberosum (batateira) e plantas de Lycopersicon esculentum (tomateiro). Neste mesmo artigo refere-se que “De acordo com a avaliação do risco de dispersão (…) efectuada no decurso da execução do programa referido, as prospecções podem incidir sobre outras plantas solanáceas para além dos materiais vegetais (…) e infestantes da mesma família, águas superficiais (…), resíduos líquidos de descarga e resíduos sólidos provenientes de instalações de transformação industrial de batata e tomate ou de embalagem de batata, meios de cultura e solo (…)”.

Na Holanda, a implementação de medidas desta natureza aliadas ao controlo de todos os lotes de batata-semente e batata-consumo produzidos levaram a um decréscimo, entre 1995 e 1996, de 90% de casos de mal murcho (Janse et al., 1998).

Em Portugal, a recorrência da doença em 1995, por introdução a partir de material de propagação importado infectado, levou a Direcção-Geral de Protecção das Culturas (DGPC) a criar em 1998 o ‘Plano Nacional de Luta Contra Ralstonia solancearum’, do qual constava um ‘Programa Nacional de Prospecção’ em diferentes hospedeiros e substratos e que tinha como objectivos: monitorizar a situação real da doença do pus ou mal murcho e implementar medidas de controlo julgadas convenientes (DGPC, 1998).

3.2⏐Objectivos

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A situação geográfica de Portugal continental reflecte-se na presença de características climáticas muito próprias impostas pela sua localização no extremo sudoeste da Europa, incrustado entre Espanha, o Oceano Atlântico e o Mar Mediterrâneo. O Clima de Portugal é Mediterrâneo, distinguindo-se pela existência de Verões quentes e secos e pela suavidade dos Invernos, e evidencia 4 estações do ano, típico dos Climas Temperados. A originalidade do Clima Mediterrâneo reside na coincidência temporal entre a estação mais quente e a estação mais seca. No território português, estas características Mediterrâneas variam de intensidade consoante a proximidade ao Oceano Atlântico, regulador do clima por excelência, amenizador de temperaturas e fornecedor da humidade transportada pelos ventos vindos de Oeste. A temperatura e a duração da estação seca aumentam de Norte para Sul e de Oeste para Este, enquanto que a precipitação se concentra nas áreas próximas do litoral, nas terras altas e nas fachadas expostas aos ventos oceânicos. Nas áreas onde a temperatura é mais elevada, a evaporação é também mais elevada, reflectindo-se numa menor disponibilidade de água (http://www.quercus.pt). Estas diferenças relativamente aos climas tipicamente temperados são importantes pois traduzem-se em alterações dos sistemas de produção agrícolas, da constituição da flora espontânea, das disponibilidades hídricas dos regadios e das características dos solos no que diz respeito ao armazenamento de água e à presença de matéria orgânica indispensável à manutenção de R. solanacearum. Assim sendo, poderão existir diferenças mais ou menos significativas no que diz respeito à incidência da doença do pus ou mal murcho em diferentes matrizes e ao contributo dos vários factores já identificados como responsáveis pela sua manutenção de disseminação, e que interessa estudar, nas condições edafoclimáticas prevalecentes em Portugal Continental. Os conhecimentos decorrentes dos dados recolhidos no referido ‘Programa Nacional de Prospecção’, a partir do processamento de amostras bióticas e ambientais recebidas no laboratório de fitobacteriologia da DGPC entre 1999 e 2006, levaram-nos a tentar compreender melhor a bioecologia deste organismo em Portugal, nomeadamente no que diz respeito à incidência da doença e factores de risco associados à sobrevivência e dispersão de R. solanacearum.